Assim procediam os anarquistas, os blanquistas também. Valia para eles unicamente a sua vontade, pouco importava se dissociada da vida. Raciocinavam como nas estórias bíblicas acerca da criação: faça-se a luz, e a luz se fez. Queriam a revolução, só que a revolução não ocorria. Desconheciam o mecanismo intricado da luta de classes, onde os fatores subjetivos vinculam-se necessariamente com os fatores objetivos. Querer é uma grande coisa, mas não é ainda fazer. Fazer exige certo conhecimento, o domínio da experiência acumulada, a percepção do vasto campo de combate em movimento incessante.

Essa estreiteza de visão transparece na ação política dos nossos dias. Há os que defendem uma central sindical única, aspiração da classe operária. O caminho para chegar lá, ao que parece, não tem importância. Reúne-se determinado número de sindicatos, de associações, de grupos diminutos e proclama-se fundada a central única. De fora, ficam quase 2/3 do movimento sindical. A parte é confundida com o todo. Há igualmente os que idealizam a sucessão presidencial. O substituto do general de plantão teria de ser o candidato civil de seus sonhos. Se assim não for, colocam-se à margem, correm atrás da fantasia. Prescindem das condições em que se realiza a substituição no Planalto, ignoram os objetivos possíveis de serem alcançados. Imaginam um curso político próprio para acontecimentos que dependem de variadas circunstâncias. Semelhante atitude favorece os inimigos do povo.

O espírito de seita encobre, muitas vezes, interesses exclusivistas. Aqueles que atuam com tal propósito perseguem, sob o pretexto de preservar métodos democráticos, fins individualíssimos ou de facção. O interesse nacional fica na sombra. A resposta que procuram dar à indagação do momento – terminar ou continuar o regime militar – encerra dubiedade, imprecisão. O sinal de igualdade que põem entre um e outro candidato, o desinteresse pela vitória do nome escolhido nas fileiras da oposição, representam tapumes do personalismo. Cada qual pensa na sua ascensão à presidência, se não já, em futuro próximo. Tenta explorar o sentimento popular em favor das eleições diretas, mesmo sabendo que não se concretizarão. Todos se agitam ante a possibilidade de que seus planos mesquinhos sejam frustrados com o êxito oposicionista. Quem sabe mudaria a perspectiva tão zelosamente acalentada?

Se para os anarquistas e personalistas a estreiteza política significa desejos irreais de efetivação dos seus projetos, para outros setores – trotskistas, renegados do marxismo – resulta numa postura consciente, contra-revolucionária. O sectarismo leva o proletariado e as massas populares ao isolamento, à derrota. Acenando com bandeiras falsamente radicais, acanhadas, esses setores criam confusão e dificultam a conquista de posições vantajosas às forças progressistas em luta por transformações de maior envergadura na sociedade.

O curso político independe da vontade de uns poucos. Forma-se objetivamente. Pode-se nele influir, de maneira positiva ou negativa, jamais criá-lo artificialmente. Quem propugna objetivos maiores tem de inserir-se no curso real, e nele atuar com amplitude, levando sempre em conta a correlação de forças existentes, a fim de fixar metas viáveis que aproximam a vitória definitiva da causa do povo.

EDIÇÃO 9, OUTUBRO, 1984, PÁGINAS 3