O que acontece quando jovens de diferentes atividades e origens sociais reúnem-se para discutir temas como socialismo, sexualidade, revolução, movimento sindical, droga, pornografia, esporte e religião? A União da Juventude Socialista reuniu metalúrgicos, estudantes, um dirigente sindical do campo – todos jovens – para um debate que rendeu mais de quatro horas em fitas gravadas, a ser publicado em livro no início do próximo ano. Neste número de Princípios, uma amostra do que pensa a parcela avançada da juventude brasileira, até que o livro nos traga a íntegra da entrevista.

Nossos entrevistados:

Djalma Pedro: operário metalúrgico demitido na última greve geral de novembro, pernambucano de Caruaru, coordenador de Assuntos Sindicais da UJS de São Paulo.
Raimundo Chaves: presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Poranga, Ceará, 21 anos.
Rute Imanishi: estudante secundarista, 16 anos, coordenadora de Finanças da UJS de Osasco. Enéas Santos Silva: metalúrgico, 24 anos, ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté e Pindamonhangaba.
Elizete de Souza: coordenadora da UJS no bairro de Santo Amaro, São Paulo, 24 anos, casada, uma filha.
Ana Tereza Polli: estudante secundarista, 16 anos, residente no Jardim Joamar, zona Norte da cidade de São Paulo.

Participaram ainda como entrevistadores, José Carlos Cardoso, o "Tizil", da UJS de Vila Prudente; o ex-presidente da UBES Apolinário Rebelo; Alexandre Nicolosi, estudante de comunicação da Faculdade Cásper Líbero; e o fotógrafo César Diniz.

Não se trata de receituário ou enunciado de conselhos sobre os assuntos em pauta, mas apenas da manifestação de jovens que vivem e lutam dentro de uma sociedade infestada de injustiça e hipocrisia, contra as quais se erguem munidos muitas vezes tão somente da rebeldia generosa dos insatisfeitos, mas por momentos apontando com sabedoria ímpar as rachaduras de sua estrutura condenada.
No ano dedicado à juventude, é mister escutar seus clamores e inquietações se se quer trilhar com ela as veredas que conduzem à liberdade, ora transparentes como a luz do dia, ora misteriosas como os sonhos que acalentam a madrugada.

Aldo – Para início de conversa, seria importante que cada um falasse sobre sua experiência pessoal, como veio a participar do mundo da luta e da política.

Djalma – Tive uma infância muito voltada para o futebol, o que não deu certo porque a família não era favorável a isso; tinha de estudar, e com o futebol eu não teria condições de seguir os estudos. Fomos tomando conhecimento da realidade das coisas pelos movimentos populares dos bairros, pegando interesse pela realidade geral do País. Por aí tomei conhecimento das idéias revolucionárias e aderi a elas.

Aldo – E no campo, Raimundo, onde as coisas são mais difíceis, com a organização partidária e sindical muito mais fraca, como é que você entrou nessa?

Raimundo – Aos 16 anos eu comecei a participar quando entrei no Mobral, onde fui estudante e depois professor. Por esse tempo eu estudava e plantava…

Aldo – Plantava o quê?

Raimundo – Milho, feijão, mandioca, até que, aos 20 anos, me aproximei do movimento sindical, vendo
que nosso Sindicato precisava de uma diretoria combativa que levasse o movimento pela reforma agrária. Os companheiros começaram a me incentivar e começamos a fazer um movimento de esclarecimento sobre o que era o Sindicato, fazendo uma avaliação daquela diretoria que estava lá. Fomos à eleição sindical, deu quórum na primeira convocação. Foi chapa única. Nossos adversários não tiveram condições de nos enfrentar, e na posse compareceram mais de dois mil trabalhadores dos quatro mil filiados.

Enéas – Entrei para a atividade política quando estava no Centro Cívico da Escola Vital Fogaça – o Malacaxeta –, onde tinha uma diretora que era muito reacionária e nós fizemos um panfleto para denunciar a repressão. Na escola entrava polícia e até cavalaria. Nesse dia ninguém entrou para estudar, ficou todo mundo na porta da escola. Depois disso servi no Exército e fui trabalhar como metalúrgico em Taubaté e Pinda.

Tereza – Comecei a participar por causa da minha irmã. Ela começou a participar dos movimentos estudantis e vi que desenvolveu mais a cuca dela. Ela conseguia discutir com meu pai quando ele não deixava a gente fazer nada; não deixava sair, não deixava participar de qualquer movimento. Conheci a UJS, concordei com essas idéias e acho que estou no caminho certo.

Elizete – Vim de uma família operária – pai e mãe. Senti muito de perto o problema do desemprego em casa. Meu pai, apesar de muito dedicado e esforçado, sempre fazendo de tudo para não faltar nada em casa, tinha problemas de alcoolismo. Ele e minha mãe não se entendiam muito bem e eu fui criada em cima de um clima de muita violência, uma repressão muito grande, não só em cima de mim, mas também em cima de meus irmãos. Eu, de certa forma, procurava me refugiar e aí comecei a participar de grupos da Igreja. Desde criança participei do grupo "Perseverança", que era a forma de me livrar das pressões que existiam dentro de casa. Depois participei de grupo de comunidade…

Apolinário – Onde era essa comunidade?

Elizete – A comunidade do Parque Santa Madalena, lá no Sapopemba. Fizemos um grupo de teatro dentro da Igreja, ainda contra a vontade de meu pai. Cheguei até a fazer greve de fome. Fiz greve de fome de uma semana para meu pai entender que eu tinha de participar, me sentir útil de uma forma ou de outra. Meu pai era operário, mas tinha idéias atrasadas. Ele ouvia falar em movimento grevista, que a gente tinha uma simpatia, mas meu pai de certa forma combatia, dizia que greve levava o operário a ser demitido.

Tizil – E o trabalho com a Igreja?

Elizete – Devagar a Igreja começou a dar um certo espaço. Íamos discutindo a "Teologia da Libertação", sendo tachado de comunista, subversivo, e fui tendo curiosidade por essas palavras: o que era subversivo, o que era comunista. Em 1979, quando estourou a greve dos metalúrgicos, eu era metalúrgica e fazia parte da Pastoral Operária da Igreja. A Igreja, de certa forma, mobilizou-se para apoiar a greve, alguns seminaristas mais avançados, e também fui apoiar a greve. Era minha primeira experiência. Ficamos lá no comando de Vila Alpina, e de repente comecei a ver outro mundo, o mundo da classe operária, e achei uma coisa muito bonita. De repente vi meu pai, que era um operário atrasado, na liderança da greve. Na época ele era operário da Ford.

Aldo – Aí ele entrou na greve?

Elizete – É. Ele entrou na greve, e eu nem pensava que meu pai fosse parar. Também foi a primeira experiência dele. Eu estava no comando de greve outro dia, quando o vi entrar com um batalhão de operários da Ford. E o velho animado, pra lá e pra cá.
Apolinário – E você não fez nenhuma cobrança “como é, você pode e eu não posso?”.

Elizete – Aí eu não quis fazer nenhuma cobrança, porque eu sabia que meu pai era muito orgulhoso. Mas vi que, na prática, a coisa já era outra. Ele falou uma coisa que até hoje me lembro:
– "Olhe, minha filha, até parece que eu estava há muitos anos dentro de um buraco escuro, sem ver a luz, de repente o buraco se abriu e comecei a sair que nem um passarinho, e estou voando".
"Olhe, minha filha, até parece que eu estava há muitos anos dentro de um buraco escuro, sem ver a luz, de repente o buraco se abriu e comecei a sair que nem um passarinho, e estou voando" (pai de Elizete).

Foi uma coisa muito bonita, e a partir daí, dessa greve, começou a abrir um horizonte novo em minha casa. Ele começou a respeitar mais a gente. Continuei participando dos movimentos mais avançados dentro da Igreja: a Pastoral Operária e a Pastoral dos Direitos Humanos. E começamos a sentir que havia uma reação dentro da Igreja. A Igreja começou a podar esse avanço, houve um processo de muita discussão e terminei sendo expulsa da Igreja. Tanto eu como meu irmão.

Aldo – Foi excomungada?

Elizete – Não fui excomungada, não (risos).

Apolinário – E como ficou a relação com teu pai?

Elizete – Ele passou a ter mais confiança em mim. Até o preconceito começou a acabar – esse negócio de que você é mulher e não pode sair à noite –, e se eu passasse a noite fora, fosse para uma pixação ou para um baile, não tinha mais problema. Antes disso eu não podia ficar fora de casa nem até 10 horas da noite, principalmente eu, porque era mulher.

Aldo – E no campo, Raimundo, como é essa batalha?

Raimundo – É trabalho de segunda à sábado…

Apolinário – Apesar da crise por que passa o País, o futebol continua vivo no campo?

Raimundo – Tem o futebol até hoje; é uma forma de o pessoal se conhecer, de visitar uns aos outros. Tem jogo de casados contra solteiros. No campo a maioria é casada: as mulheres torcem pelos casados; as moças pelos solteiros.

Apolinário – E o forró?

Raimundo – É a primeira festa do Interior.

Tereza – Ainda existe muito machismo?

Raimundo – Existe. O homem – pai, marido – é quem diz como vai ser a coisa. Diálogo em casa não tem, é ordem: Faça isso, faça aquilo…

Rute – Muita gente, como você, procura se informar, participar?

Raimundo – Não é comum. Ainda é muito pequeno o número de jovens que tem consciência, que se interessa pelo movimento sindical. Muitos vão para a cidade, para os grandes centros, em busca de oportunidade.

Aldo – E na cidade, Djalma, o jovem operário?

Djalma – O negócio é levantar às cinco horas da manhã, sair muitas vezes sem café. A maioria leva de 50 a 80, 90 minutos para chegar no trabalho, onde pega normalmente às sete horas. Muitos que estudam não têm tempo de ir para casa e vão direto para a escola, sem jantar; saem pelas onze horas, dormem pela meia-noite, meia-noite e meia. E o dia dentro da fábrica não é brincadeira: este ano deixei de estudar por sentir o peso do trampo.

Tizil – E como fica o contato do pessoal com livros, jornais?

Djalma – Em diversos lugares em que trabalhei chamava a atenção por estar sempre carregando um livro ou um jornal debaixo do braço. "Que diabo esse camarada, que vive com livro e jornal pra cima e pra baixo?". Era a curiosidade do pessoal. Acho que das 400 pessoas da firma, umas cinco compram jornal; dessas, umas três compram Notícias Populares. O que se vê é que o pessoal tem um interesse, quer saber onde fica aquela região onde está havendo guerra; o que é Cone Sul… Mas o jornal todo ninguém lê. Mas aí você leva um recorte e todo mundo lê. Uma coisa que dê para ler rápido, você passa pelas seções da fábrica e todo mundo acaba lendo. Mas o operário ainda é muito desinformado.

Aldo – Mas pelo menos ele sabe que está sendo explorado?

Djalma – Saber ele sabe, o que ele não sabe é como resolver o problema.
“O que a gente vê é um projeto do governo, muito lento, e outro da base do movimento sindical, das massas do povo, que precisam de terra e da reforma agrária, que tem que ser feita na lei ou na marra”.

Aldo – Às vezes pensa que é com o Jânio.

Djalma – Tem o pessoal que leva como privilégio trabalhar perto de casa, ser amigo da chefia. Ele fica danado e não vê a exploração da hora-extra, da insegurança, que a firma está levando tudo e ele não fica com nada. Ele não consegue analisar, não vê a importância do Sindicato. Mas se você começa a discutir, a dar informações, ele vai juntando uma coisa com a outra. Daí a importância do ativista dentro da fábrica. Tem que ter uma ponta lá dentro. De fora as coisas ficam muito difíceis.

Apolinário – Também deve ter muita conversa sobre futebol e mulher dentro da fábrica…

Djalma – É o que mais pega no jovem operário: a questão do esporte e a questão da mulher. O esporte está sendo muito usado pelo patronato para se fazer amigo do operário; faz jogos entre empresas, com a direção da fábrica metida no meio.

Tizil – Eu gostaria de saber do Enéas como é essa questão da solidariedade operária e como ele vê a participação da juventude no movimento sindical.

Enéas – O operário geralmente é muito solidário. Acontece uma coisa dentro de uma fábrica e na outra ele já sente. Na Aços Villares, quando tem acidente é fatal; um tempo desses caiu uma quantidade de aço em cima de um operário e matou na hora: quase houve uma revolta na seção, porque o peão morreu e ficou lá jogado, enquanto a seção inteira teve que continuar a trabalhar porque não podia parar o forno. Quando é época de greve o pessoal mantém os ativistas que as empresas mandam embora – foram 107 na última greve.

Tizil – Como fica a luta pela reforma agrária depois desse projeto do governo, Raimundo?

Raimundo – O campo vive hoje em torno de uma necessidade: terra para se trabalhar.
O que a gente vê é um projeto do governo, muito lento, e outro da base do movimento sindical, com massas do povo, que precisam de terra e da reforma agrária, que tem que ser feita na lei ou na marra. E vai ter de ser feita assim porque latifundiário não obedece à lei, nem a Código Civil ou a Estatuto da Terra.

Aldo – O pessoal já se arma?

Raimundo – No campo as armas mais usadas são foice, enxada e machado, chamados de três paus santos. Alguns também se armam de revólver, espingarda e rifle. Mas atualmente quem tem as armas nas mãos são os latifundiários; e a primeira arma deles é a Polícia. Nos conflitos de terra ela intervém matando, prendendo, açoitando. A reforma agrária vem, então, dessa necessidade: ou conquisto a terra ou morro de fome.

Apolinário – O Enéas serviu no Exército. Como foi a experiência?

Enéas – Servi na base Aérea, mas fiquei lá só três meses. Sou filho único e o pessoal teria que ir para a fronteira. Eu queria aprender a usar arma: o que era a guerra, e achava que no Exército poderia fazer isso. Na época eu estava começando a participar de atividades políticas, mas não tinha contato com partidos. Então nos diziam para termos cuidado, pois os comunistas iam chegar para nos pegar, invadir a Base Aérea. Eu ficava ali: quero ver só. Recruta não tem muito essa preocupação. Ele quer mais é se divertir, andar por aí.

Tizil – Outra questão importante enfrentada pela Juventude é a do consumo de drogas, além da pornografia, prostituição. A meu ver, temos de trocar algumas idéias sobre estas questões.

Elizete – Para mim, a droga vem muito da falta de perspectiva do jovem.

Djalma – Em certos meios até a fome leva o pessoal a usar droga. Uns usam droga porque não têm nada, outros porque já tem tudo. Mesmo alguns que dizem “eu sou contra isso aí” usam porque tem curiosidade. É o mesmo que ocorre com a prostituição. Alexandre – Mas na prostituição tem o problema da mulher…

Djalma – É barra pesada. Muitas dessas mulheres encaram o tóxico para poderem enfrentar essa barra. A realidade aí é dura. Essas mulheres às vezes foram até casadas, e se tivessem um trampo não entravam nessa, não.

Enéas – Sei que esse negócio de tóxico e prostituição é problema de estrutura, mas na fábrica o pessoal também faz uso de tóxico, mesmo procurando esconder da chefia, mas faz. A meu ver, não deve ser reprimido, não. Você vai lá e diz que esse dinheiro que ele está dando vai para alguém que não tem nada a ver com ele, que não está a fim de nada. Acho que precisa ir em cana quem lucra com esse comércio. Na questão da prostituição e da pornografia do mesmo jeito.

Rute – Para mim, a burguesia percebe que o trabalhador trabalha pra caramba, ganha pouco, não tem nenhuma perspectiva de lazer, e aí ela joga pesado, solta um monte de revistas pornográficas, filmes, e até ganha com isso; explora o mais que pode.

Teresa – Às vezes isso tem a ver com a família, com a falta de orientação e educação. Lá em casa meu pai ensinava que sexo era coisa feia, horrível, que não podia, que era pecado. Mas um dia lembro que ele comentou que muitos pais possuem a própria filha. Aí vi que muitas prostitutas já vêm de casa com o problema, e a única maneira de sobreviver é a prostituição.

Rute – Aí o problema familiar vira econômico.

Apolinário – E o sexo antes do casamento? Pode, não pode, deve, não deve?

Elizete – A meu ver, a sociedade incentiva a prostituição. Antigamente você via a menina que chegava do Nordeste, ou do Interior, e era esperada na rodoviária para ser levada a uma casa de prostituição. Hoje você pega o jornal e está lá: precisa-se de modelos, moças para televisão ou teatro. Tenho um amigo que hoje está na UJS e que já trabalhou com fotografia para revistas pornográficas a quem muitas amigas iam procurar para serem fotografadas, com essa ilusão de cinema. teatro. Era uma que não tinha dinheiro para pagar a faculdade, outra que queria se vestir melhor, e aí ela não acha que seja prostituição. Essa é a prostituição mais sofisticada, mas tão degradante quanto a outra.

Enéas – Por falar em sexo antes do casamento, quando me casei tinha um curso na Igreja e, numa determinada palestra, a mulher que dava o curso falou, olhando para a cara de todo mundo: "Aqui 30% das meninas estão grávidas e o restante usa anticoncepcional”. (Risos). Olhei para trás, para ver se as meninas tinham ficado vermelhas. Nada! Todo mundo normal.

Aldo – Qual era o seu caso? (Risos)

Enéas – O meu caso era dos 30% (risos). Sempre encarei normalmente esse negócio de sexo antes do casamento.

Aldo – Já está explicado. (Risos)

Tizil – Gostaria de lembrar uma coisa: a própria virgindade. A sociedade impõe a virgindade para a mulher, mas a conversa é outra em relação ao homem.

Aldo – Homem virgem é donzelo, caixão branco. (Risos)

Tizíl – É uma forma de discriminar.

Teresa – Não sou contra ter relação sexual antes do casamento, contanto que as pessoas estejam conscientes do que estão fazendo.

Rute – A meu ver, temos de ser livres para ser ou não virgem. É falso liberalismo achar que é avançado porque transa todo dia, cada dia com uma pessoa, ou com um cara. Isso também não é ser livre.

Tizil – Mas hoje a própria Igreja já discute esse negócio da virgindade de Maria. Jesus, por ser filho de Deus, não poderia ser filho comum de um casal qualquer; tinha de ser filho da virgem, concebido pelo espírito Santo, para ter o dom da divindade, o que já constitui uma discriminação.

Raimundo – Mas isso está sendo questionado pela sociedade, que se desenvolve. Mesmo aquela mulher criada para ser virgem está questionando se deve conter seus impulsos e os do namorado. Agora, para mim, isso deve ser planejado e discutido, porque também tem o outro lado: já pensou o que é casar ela virgem e você um cabaço? Ou como vocês chamam…

Apolinário – Donzelo.

Raimundo – Isso mesmo, deve ser gostoso demais. Tem muito de psicologia: tem mãe de 10 filhos que brinca com o marido como se os dois fossem virgens. Isso foi construído pelos dois, acredito que com muito amor. Aldo – Antes de nossa conversa chegar ao fim, acho importante uma troca de idéias em torno de dois assuntos de grande atualidade e importância: a revolução e o socialismo. Vamos ver o que podemos dizer sobre o assunto e o que significa para a juventude.

Raimundo – Não acredito que revolução diga tudo. Tem de falar em revolução e saber para que a revolução. No Brasil teve uma revolução capitalista em 1964. Agora precisa de uma que se contraponha a ela. Revolução para mim é como se fosse um momento de conquista, uma conquista organizada. Revolução é uma coisa para evoluir, mudar e transformar.

Teresa – Ah, para mim, revolução é uma mudança brusca para uma coisa melhor.

Enéas – Eu acho – acho, não, tenho certeza – que não existiu revolução em 1964. Para mim, existem duas coisas: o explorado e o explorador. Em 1964 houve um acomodamento: uma parte da burguesia trocou o governo eleito por um bando de generais. Revolução de verdade é botar tudo de cabeça para baixo, mudar tudo. De outro jeito não é revolução.

É por isso que esperamos muito de uma revolução e compreendemos que não se faz do dia para a noite. Não se pode perder o controle, para não virar um negócio como o do aiatolá Komeini.

Rute – A meu ver, além de mudança brusca, é mudança positiva, mudar para melhor, passar de um estágio para outro, quando a classe explorada toma o lugar da classe exploradora para acabar com a exploração. E isso só com uma revolução socialista.

Elizete – Revolução é o estágio mais avançado amadurecido da luta do povo; quando o povo deixa de acreditar totalmente em mudanças eleitorais, presidenciais. É a última esperança do povo em mudanças verdadeiras, quando ele enfrenta seus inimigos cara a cara e, ou mata ou morre. A juventude tem muito a ver com revolução, porque ela luta contra o que é velho, ultrapassado, reacionário.

Alexandre – Revolução, para mim, é uma revolta da sociedade contra o interesse econômico do grupo capitalista, visando à igualdade, à distribuição de riqueza, dando ao povo melhores condições de vida.

Djalma – Imagino o socialismo como uma sociedade de direitos iguais, onde o operário, por exemplo, tenha direito ao estudo, direito de comer, de descansar, ter conhecimentos intelectuais, de lazer, de viajar. Tem muito operário que não conhece o centro de São Paulo, apesar de morar nesta cidade, quanto mais conhecer o interior ou outras cidades do Brasil. Imagino que, no socialismo, as pessoas vão ter horário de trabalho e também de descanso; mas é descansar mesmo, se divertir, e não ficar só em casa, pensando no dia de amanhã. Acho que as coisas serão muito mais organizadas; quem mora na zona Norte não terá de ir trabalhar na zona Sul. Tem que ter igualdade de informação, de o operário saber o que acontece de verdade no País, e também expor o que pensa; ter acesso à arte e à cultura, que hoje não tem. Por isso, gostaria que a luta da juventude não ficasse num círculo fechado. Quero que essa luta se expanda, vá em frente, e com muita garra. A juventude é uma grande força política, além do que o trabalho no meio dela pode salvar milhares de jovens da alienação, e não haverá transformação se a juventude não estiver preparada para a luta.

* Aldo Rebelo é jornalista, ex-presidente da UNE, suplente de deputado federal pelo PMDB-SP e coordenador regional da União da Juventude Socialista.

EDIÇÃO 12, DEZEMBRO, 1985, PÁGINAS 25, 26, 27, 28, 29, 30