Bob Dylan e Chico Buarque, compositores e intérpretes de música popular, inserem-se na literatura americana e brasileira, respectivamente, como autores que utilizam formas literárias que se definem como composições vinculadas à música, diz Lígia Vieira Cesar, autora de uma análise comparativa das obras destes dois músicos e poetas. Ambos têm uma postura dialética, não efetuando uma obra linear e não se constituem em meros registros da realidade, pois pretendem uma transformação social; portanto, crêem na necessidade de levar uma mensagem às pessoas, mensagem capaz de alterar-lhes a vida, objetiva e/ou subjetivamente.

Para comprovar sua tese, a autora historia a evolução da música popular norte-americana e da brasileira, traçando um quadro paralelo entre ambas. Elas têm uma origem bastante próxima: África, Europa, e talvez uma ou outra variação. O rock, ritmo adotado por Bob Dylan, vem de uma fusão entre o rhythm & blues e o country & western, afirma Lígia. Ele aderiu à canção de protesto que pregava contra as guerras, contra o establishment e desejava um mundo sem injustiças, de paz e amor, como apregoava a ideologia hippie dos anos 1960-70. Esse movimento vem em sequência aos beatniks que fizeram um grande movimento artístico contra a cultura dominante.

No Brasil, o País mergulhava numa ditadura militar. Um debate que se forjava no campo das artes, assim como na política etc, entre a vontade de construir uma nação sem tutelas, com o veio popular e aqueles que criam na necessidade do capital externo para o País progredir. Com a ajuda dos militares, vencem os segundos. Cai sobre os brasileiros uma repressão sem medidas e são os artistas que se tornam porta-vozes de uma voz sufocada. Chico Buarque é um dos principais, se não o principal, representante dessa época. E como a censura torna-se excessivamente rígida, Chico cria canções-poemas intrinsecamente metafóricos. Mesmo assim vê seu nome vetado em 1974, quando grava um disco com músicas de outros autores, com exceção de uma (Chame o ladrão) que é de sua autoria, assinada com um pseudônimo.

Tanto Chico quanto Dylan são artistas preocupados em transformar a realidade. Suas baladas usam poucas metáforas e a canção Blowin’ in the wind transforma-se numa espécie de hino hippie na década de 1960. Ele também se posiciona contra o status quo, contra a ordem vigente etc, mas não vislumbra uma saída para além dos limites do capitalismo. Quando o faz é com os olhos voltados para trás. Já Chico Buarque acredita num futuro sem distinção de classes sociais, mesmo que de uma forma poética, como seja o carnaval, entendido como uma festa popular, onde todas as pessoas vivam iguais. Até certo momento de sua obra, Chico acredita na possibilidade de uma harmonia entre as classes sociais, harmonia que possibilita a extinção das classes sociais.

A grande diferença entre ambos reside nessa postura ideológica. Enquanto um vislumbra um futuro socialista (Chico), o outro acredita que uma hecatombe nuclear vai dar fim ao mundo (Dylan). Bob Dylan também sempre teve uma postura religiosa, voltada para uma filosofia judaico-cristã. E, talvez, a sua obra insira-se nos limites da crítica do movimento hippie e da chamada Nova Esquerda, muito influente nos EUA na década de 1960. As lutas contra a guerra do Vietnã e o grito de guerra da juventude da época estão em sua obra. Enquanto Bob Dylan insere-se num quadro de ideologia liberal, preocupado com os marginalizados, Chico também tem essa preocupação, mas defende a possibilidade de extinção desse problema.

De qualquer maneira, o grande mérito deste livro está na tentativa de comparar as obras destes dois poetas-músicos maiores da arte mundial. Compete a ela, agora, dar prosseguimento a estes estudos e analisar o desenvolvimento de ambos os artistas até os dias atuais. Justamente porque os dois continuam atuantes e cada vez mais brilhantes. Esses cinquentões que eletrizam jovens por onde passam. Lígia Vieira Cesar conclui que “(…) o estudo da visão sócio-cultural de Bob Dylan e Chico Buarque, bem como da forma composicional de suas canções, nos leva a concluir que estes poetas, ao transmitirem sua mensagem, ao se postularem contra a ideologia dominante, utilizam a mesma poética de descentramento e recorrem a certos recursos estilísticos, procurando reagir e responder aos impasses gerados pela situação política de seus respectivos países”. Mesmo entendendo essas diferenças regionais, ainda assim, a diferença entre ambos continua grande. E apesar de terem temáticas próximas, as posturas diante da realidade são diversas e a visão para o futuro ainda mais diferentes.