A disputa presidencial de outubro próximo assume contornos cada vez mais bem-definidos. Ao fracasso do governo Collor e de sua desastrada política liberal correspondeu um significativo crescimento do apoio popular a Luís Inácio Lula da Silva, o outro candidato que polarizou a eleição presidencial passada. Apesar da hesitação política que vem marcando essa candidatura e das tentativas feitas de sua “domesticação”, ela vai encarnando o desejo popular de experimentar um novo governo, diferente dos sucessivos governos das classes dominantes, que só têm aprofundado a crise crônica que tomou conta do país. As tentativas de “domesticação” contaram inclusive com o apoio de petistas e de certos segmentos de esquerda, que passaram mesmo a preferir o Lula como vice de um tucano, achando, no fundo, que uma candidatura à esquerda já não tem sentido no mundo da nova ordem mundial.

Tais tendências à “domesticação” ainda não estão de todo arquivadas, mas as elites brasileiras, após certo tempo de acompanhamento da evolução do quadro político, consideram ter encontrado o caminho de “mudar algo para que tudo continue como dantes”, fixando-se na candidatura Fernando Henrique Cardoso. Da avenida Paulista, mais precisamente da Fiesp, partiu a ordem para a retirada da candidatura do renitente Paulo Maluf e para a adesão quase incondicional do PFL aos tucanos. O grande empresariado nacional, seus aliados oligarcas, bancos e empresas estrangeiras fixaram-se em Fernando Henrique Cardoso como o anti-Lula – é a candidatura das elites em condições de enfrentar a candidatura popular. Neste quadro, a aliança PSDB-PFL, com o PFL como vice, é mera consequência eleitoral do caráter objetivamente conservador adquirido por esta candidatura. Candidaturas como a de Quércia e de Brizola lutam para compor um campo político intermediário na sucessão presidencial.

O grande trunfo da candidatura FHC é o estelionato eleitoral em curso. Com inflação baixa nos meses que antecedem a eleição, em troca de uma dolarização da moeda nacional, na qual a economia brasileira atrela-se cada vez mais aos destinos inseguros da moeda norte-americana, tenta-se reverter o favoritismo da candidatura popular. Tudo indica então uma luta de grandes proporções, com o povo brasileiro sendo chamado, e mesmo empurrado, para grandes embastes políticos.

Nesta edição Paulo Nogueira Batista Jr. e Luis Marcos Gomes, conceituados analistas econômicos, examinam o desenvolvimento do plano FHC e a implantação da nova moeda, contribuindo para desvendar sua verdadeira face antinacional e antipopular. Renato Rabelo analisa o quadro da eleição presidencial, Aldo Rebelo apresenta um balanço da luta em curso contra a revisão constitucional e José Carlos Ruy passa em revista os 30 anos do golpe militar de 1964. Apresentamos como novidade editorial entrevista com Aziz Ab’Saber, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), além de outras matérias de igual atualidade.

***

Em tempo: a luta contra a revisão caminha para um desfecho favorável, ainda que temporariamente, às lutas populares. Vários fatores para isto contribuíram, inclusive a pouca coesão dos partidos majoritários no Congresso quanto ao que mudar na atual Constituição, mas não haveria tal desfecho sem a decidida ação dos que, dentro e fora do Congresso, se opuseram a este verdadeiro golpe branco. O episódio realça também o papel decisivo que pode ter, em grandes lutas, uma bancada parlamentar, ainda que pequena, como a dos valorosos “contras”.

EDIÇÃO 33, MAI/JUN/JUL, 1994, PÁGINAS 3