Essa dissertação de mestrado, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, é um trabalho pioneiro que ajuda a suprir uma lacuna na ciência política brasileira: a de estudos sobre o PDT e o PSDB. Mas a justificativa para o seu interesse para pesquisadores, analistas e ativistas políticos não se resume à escassez bibliográfica do tema.

O alvo central da pesquisa é o processo (ou a busca) de construção de uma identidade política explicitamente ligada à social-democracia no Brasil; e, como decorrência disso, "discutir os alcances e os limites da 'social-democracia' na realidade brasileira" (p. 2). O método privilegiado (embora não exclusivo) para a sua realização foi a análise do discurso partidário oficial, ou seja, documentos, programas, manifestos e declarações do PDT e do PSDB.

Por que o PT não é analisado – já que o título da dissertação pode sugerir a pergunta? No seu 1° Congresso, o PT descartava, no discurso, a social-democracia como "um caminho para a construção do socialismo", e como "uma alternativa real aos impasses da sociedade brasileira" (apud p. 52). Curiosamente, porém, o autor avança a opinião de que a relação do PT com a social-democracia é "uma questão em aberto" (p. 52), reintroduzindo esse partido na sua análise.

A pergunta que permeia o texto: quais são os efeitos políticos no sistema partidário pós-1985 provocados pelo PDT e PSDB, como partidos preocupados com sua unidade política e ideológica? (pp. 51,53-54).

Com a liberdade assegurada pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1985, diferentes organizações partidárias puderam se apresentar com um perfil político e ideológico definido. Assim, os partidos vinculados à social-democracia "contribuem, ou deveriam contribuir, para o fortalecimento de organizações partidárias, em contraposição às legendas onde o fluxo eleitoral é a única razão de ser" (p. 51). Nesse sentido, influiriam no fortalecimento e na definição do sistema partidário, opondo-se às manifestações personalistas, populistas, regionais e fisiológicas tão presentes na história política brasileira.

A análise de José Roberto Cabrera sobre os impasses para a consolidação de uma alternativa social-democrata no Brasil, além de interessante, está na ordem do dia, se tivermos em conta as dificuldades e contradições enfrentadas pelo PSDB pós-94 para implementar seus propósitos vinculados a essa corrente política. Aliás, o autor afirma que a aproximação do PSDB com o então Presidente Collor correspondia não apenas a "arranjos políticos conjunturais", mas também a "determinações programáticas" (p. 159).

Além de buscar as raízes históricas que poderiam lançar luz sobre esses impasses, extrapolando os limites do sistema partidário, o pesquisador sugere o estudo da formação social brasileira e sua estrutura de classes com sua "arena de conflitos próprios", já que "tais conflitos determinaram o aparecimento e a evolução de tendências políticas específicas" predominantemente conservadoras (p. 41, v. ainda pp. 125,157,164-165, 168).

Após ter reconstituído a longa trajetória da social-democracia de meados do século XIX na Europa até o Brasil de hoje, passando pelo keynesianismo e pelo Estado de Bem-Estar Social; ter apontado seus limites como alternativa à superação do capitalismo – ela "nunca conseguiu um grau de autonomia em relação ao capital privado, pois seu sucesso depende dele", e assim "precisou do consentimento político da burguesia ocidental para
implementar seu programa" (p. 163); e registrado o esgotamento das condições que permitiam o êxito das experiências européias mais conhecidas, apoiadas no compromisso entre Estado, capital e sindicatos, José Roberto Cabrera afirma, nas suas 'Considerações Finais' que essa corrente "apresenta-se, necessariamente, como uma tendência em constante mutação, ( … ) ainda que dentro de alguns princípios". E ainda: "o modelo 'social-democrata' permite alternativas variadas e distintas" (p. 175). Ou seja, a mutação e a variabilidade residem na forma, e não no conteúdo da política social-democrata.

Ainda como um convite à leitura e ao debate dessa dissertação, destacaria mais duas questões.
É discutível a pertinência de uma análise apoiada apenas no discurso oficial de partidos para se detectar a construção de sua identidade política. Ainda mais quando o autor parece ter presente – ver especialmente a parte referente à atuação política do PDT, pp. 87 a 99 – a advertência de Joseph A. Schumpeter: "nem um armazém pode ser definido por suas marcas, nem um partido pode ser definido por seus princípios" (Capitalismo, socialismo e democracia), no sentido de que o discurso pode ser diferente da prática. Daí a insuficiência da crítica ao tipo de pesquisa feita pelo DIAP na Revisão Constitucional de 1993 (pp. 93-94), já que o próprio autor se apóia principalmente na auto definição político-ideológica do PDT e do PSDB para desenvolver seu trabalho.

Ao concluir que o PSDB, e também o PDT, ainda seriam "um campo aberto de opções políticas" (p. 173), embora atento às injunções da "viabilidade eleitoral" sobre a identidade partidária, José Roberto Cabrera minimiza a "tendência conservadora" que ele próprio antevê na primeira organização. Pois a breve experiência do PSDB no governo, mais do que contrabalançado, tem reforçado essa tendência.