A noite das grandes fogueiras é uma dessas histórias contadas com a força e o mistério das epopéias. Domingos Meirelles não é o historiador acadêmico que ergue uma "muralha da China" entre o fato historiado e o narrador. Ao escrever uma história-reportagem do tenentismo e da Coluna Prestes, o jornalista sobrevoa os acontecimentos para depois mergulhar no detalhe, na descrição dos personagens, esculpindo em alto relevo os conflitos sociais e humanos da época.

O livro de Meirelles não se propõe a apresentar uma nova tese sobre o significado do movimento dos jovens militares rebeldes, nem a defender uma das já existentes. Se não se limita à simples narração do rapsodo, também não se preocupa em recorrer a vasta documentação e entrevistas para comprovar alguma coisa que não os próprios fatos apresentados.

O autor se distancia das duas principais abordagens em voga nos meios acadêmicos e políticos sobre o papel do tenentismo. A primeira, de viés conservador, atribuía ao tenentismo um parentesco ideológico inexistente com o bolchevismo, instalado na Rússia nos idos de 1917. A segunda, presente em certos círculos de esquerda, menosprezava a rebelião dos tenentes exatamente por não ser aquilo que pintavam os grupos reacionários.

E o que foi, afinal de contas, a década de 20, na opinião do autor? Domingos Meirelles não diz, mas deixa que os fatos falem por si ao recorrer a editoriais, reportagens e documentos ou arquivos dos dois lados da contenda: o governo Arthur Bernardes e as oligarquias dominantes, de um lado, e o movimento rebelde e os setores sociais que lhe davam sustentação, do outro.

A evocação do tenentismo é uma cortina aberta para o passado. Diante dos olhos extasiados do leitor, desfilam o panorama social devastador, as facções e seus chefes, os interesses do grande capital financeiro internacional, tal como hoje, indiferente ao esquartejamento da nação, desde que dos despojos lhe coubesse a melhor parte.

É curioso observar as referências ao receituário recomendado pela Inglaterra ao governo Arthur Bernardes para debelar a crise econômica: privatizações, corte no pagamento de pensões e no gasto com funcionários públicos, abertura do país ao capital estrangeiro sem qualquer tipo de restrição.
Ao pacote inglês de Arthur Bernardes seguiu-se o plano de estabilização de Washington Luís, que pretendia trocar o desmoralizado mil-réis pelo cruzeiro, ontem, como hoje, em nome dos novos tempos e da modernização do país.

A oposição denunciou o plano, que, na opinião do ex-ministro da economia Leopoldo Bulhões, traria o país de volta à "triste situação de colônia inglesa ou americana". No mesmo tom, o jornalista Assis Chateubriand, diretor de O jornal, ironizava o fato de um Projeto de Lei pretender tomar o mil-réis desmoralizado uma das moedas mais fortes do mundo.

Salta ainda no texto de Meirelles um velho fantasma conhecido e temido pelas classes conservadoras: o espírito revolucionário da época. A mola propulsora que faz com que as forças sociais emergentes violem as fronteiras do imaginário em busca de inspiração para desafiar e romper a ordem estabeleci da.

O momento não permitia (e nem a eles cabia) abraçar a teoria social mais avançada de seu tempo. Mas aqueles jovens oficiais ajudaram a fecundar com seu gesto de patriotismo e amor à dignidade humana a terra de onde brotaria mais vigoroso e experiente o personagem que começaria a mudar a face política do país: o povo brasileiro.