A força do movimento estudantil sempre provocou um misto de fascínio e temor nas elites brasileiras. Seu forte conteúdo crítico, sua permanência e sua capacidade de estar sintonizado aos principais acontecimentos nacionais fez com que jornalistas e políticos se ocupassem por diversas vezes, como no período do impeachment, em entender seus mecanismos de funcionamento e sua dinâmica. No entanto, seja pelo preconceito, pela ausência da experiência concreta ou simplesmente pela casualidade com que tratam o tema, tais tentativas têm sido infrutíferas.

O Poder Jovem é um caso à parte. Sendo uma das poucas obras no Brasil que buscam compreender o movimento estudantil por dentro, o livro considera que os estudantes são o segmento mais organizado entre os jovens, e relata os principais feitos dos estudantes brasileiros, ao mesmo tempo que se esforça por compreender o que os move, que mecanismos regem seu movimento e qual é a linha de continuidade que perpassa do Brasil colônia à atualidade.

Escrito em 1968, no auge da resistência estudantil ao regime militar, o livro traz consigo a marca de sua época. O autor era um jovem jornalista, estudante de direito e com passagem pelo movimento estudantil. Seu esforço teve um duplo sentido: sistematizar a rica história política do movimento estudantil e desvendar sua íntima vinculação com as lutas nacionais, ao mesmo tempo história e sociologia. Seu objetivo militante foi, através das lições do passado, alimentar nos estudantes a luta pelo fim da ditadura e por dias melhores.

Em seu mergulho na história, Poerner recuperou fatos como a resistência dos estudantes dos conventos e colégios religiosos à invasão do Rio de Janeiro pelos franceses, a presença estudantil na Inconfidência Mineira e a fundação da Sociedade Dois de Julho pelos acadêmicos da faculdade de medicina da Bahia, em 1825, para alforriar escravos. Localizou, com razão, que o divisor de águas na história política dos estudantes brasileiros foi a fundação da União Nacional dos Estudantes, e dividiu também o Poder Jovem em duas partes: antes da UNE e a partir da UNE, dedicando a maior parte do livro a mostrar como a UNE nasceu vinculada ao Estado Novo, e foi se distanciando e ganhando independência perante os governos na medida em que ampliava sua influência, sistematizava sua agenda política e social e centralizava as lutas estudantis nacionais.

Em sua análise, o autor não se prende à UNE. Reconhece nela a unificação das lutas e a primazia da questão nacional; no entanto, percorre o cotidiano do movimento estudantil, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, para poder concluir que o movimento estudantil não acontece apenas quando os estudantes ocupam as ruas. Pelo contrário, é perene e se realiza no interior das escolas, mesmo quando, para os jornais e para os mais desavisados, parece ter desaparecido.

Bastante sintonizado com os debates da sociologia da juventude, situa a condição de país dependente e de miséria do povo como os principais fatores a vincular movimento estudantil e opção à esquerda no Brasil. Não se trata, portanto, apenas de um conflito de gerações, mas sim de que o próprio conflito geracional está marcado pelos graves problemas sociais do país, de forma que “o velho, aos olhos do jovem, deixa de ser simplesmente um quadrado, para se transformar num reacionário”.

Continuando, Poerner considera que uma das razões a conferir tanta força ao movimento estudantil é o fato de se ter constituído na principal escola de formação de lideranças políticas no Brasil, tendo entre os altos dirigentes da república muitas lideranças oriundas dos seus quadros. Não esquece, porém, que a universidade brasileira é elitista, e a maioria dos que aí estudam pertencem ao segmento destinado a dirigir o país, conferindo a esse fator importância considerável para explicar a força do movimento estudantil.

O Poder Jovem foi proibido pelo governo militar logo após a sua publicação. Com isso, teve dificuldades de cumprir seu objetivo militante e de se tornar amplamente conhecido. Apesar disso, o movimento estudantil se reconheceu nele, e realizou, na década de 1970, uma publicação clandestina, que foi a segunda edição, incorporando-os aos símbolos do movimento estudantil, e fazendo com que muitos dirigentes, mesmo sem conhecê-lo, o recomendassem. Houve ainda em 1979 uma terceira edição, que não obteve grande repercussão.

Nesta quarta edição, realizada pelo Centro de Memória da Juventude e entidades estudantis, o autor fez uma atualização de sua obra. Buscou elencar os principais acontecimentos desde a reconstrução da UNE e corrigir uma falha da sua obra original: a completa ausência de qualquer referência à UBES e ao movimento estudantil secundarista.

Entretanto, apesar dos esforços, as lacunas continuam. O movimento secundarista, com suas peculiaridades e tradicional radicalismo, e o período que vai da reconstrução do movimento até os nossos dias, com destaque para o impeachment, ainda esperam por quem faça suas reconstituições históricas e realize um balanço das suas experiências.

Com a carência de estudos e pela importância social e política do segmento juventude no Brasil, O Poder Jovem é uma obra definitiva, obrigatória para todos os que procuram compreender a juventude brasileira, e mesmo para os que se esforçam em entender a história do país. Afinal de contas, é o primeiro esforço sistemático de compreender o Poder Jovem no Brasil.