O Partido Comunista do Brasil foi fundado em 25 de março de 1922 por um punhado de dirigentes proletários, que representavam 73 militantes de associações políticas de trabalhadores: Astrojildo Pereira (jornalista), Cristiano Cordeiro (advogado), Joaquim Barbosa (alfaiate), Manuel Cendón (alfaiate), João da Costa Pimenta (gráfico), Luís Pérez (vassoureiro), Hemogêneo Fernandes da Silva (eletricista), Abílio Nequete (barbeiro) e José Elias da Silva (pedreiro). Eles vinham do Distrito Federal, e dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Era um grupo pequeno que, apesar da clandestinidade, fundou naquele I Congresso comunista, realizado em Niterói (RJ), o primeiro partido polí¬tico brasileiro que rompia com os es¬treitos limites estaduais e tinha âmbi¬to nacional, e que teria também a mais longa vida no Brasil. Não era apenas mais um partido político, mas sim a organização revolucionária e de van¬guarda do proletariado brasileiro – o Partido Comunista do Brasil, que al¬ternou, em sua história, longos perío¬dos de ilegalidade e outros, menos fre¬qüentes, de atuação aberta e pública. E que, em 2002, vai completar 80 anos de existência contínua.

Seu aparecimento no cenário políti¬co brasileiro não se deu por acaso, como cogumelos que nascem depois da chuva. Nem pelo arbitrário capri¬cho de um punhado de iluminados. Ele foi fruto do relativo amadurecimento da classe operária, da influência da revolução russa de 1917, e da incapa¬cidade da liderança até então hegemô¬nica (predominantemente anarco-sin¬dicalista) de responder às imposi¬ções políticas da luta operária.

A classe operária brasileira nasceu nas entranhas do modo de produção escravista colonial e teve forte atua¬ção na luta pela abolição do escra¬vismo. Ela deu seus primeiros passos organizativos e contestatórios já na segunda metade do século XIX, com a organização dos primeiros agrupa¬mentos operários, entre eles a associ¬ação dos tipógrafos fluminenses (a mais antiga organização profissional brasileira, criada em 1853) que, em 1858, promoveu a primeira greve ope¬rária do país documentada, a dos grá¬ficos de Niterói.

Era uma classe operária ainda em¬brionária. Ela cresceu depois do fim do escravismo, em 1888, e da procla¬mação da República, em 1889, mas continuou muito pequena, mais artesã que propriamente operária, frágil ide¬ológica e politicamente, caudatária de lideranças pequeno-burguesas e de setores burgueses radicalizados.

O Brasil era então um país agrário, em transição do escravismo para o ca¬pitalismo; ao final do Império, tinha 14 milhões de habitantes, número que aumentou para 30 milhões em 1920; a população rural correspondia a três quartos desse total. A classe operária, nesse conjunto, era pequena e esparsa – eram 60 mil operários industriais no final do Império, espalhados por 17 estados, do Pará ao Rio Grande do Sul. Em 1920, o número de operários da indústria cresceu para cerca de 275 mil – aumento que, embora significativo, ainda indicava uma classe operária muito pequena.

O corpo principal dos trabalhadores brasileiros era, então, formado pelos trabalhadores rurais que ainda não for¬mavam propriamente um proletariado rural assalariado, mas que viviam num regime híbrido, cuja remuneração era formada, em parte, pelo pagamento que recebiam, anualmente, por seu tra¬balho (remuneração que não cobria todas as necessidade de sobrevivência destes trabalhadores) e por outra parte constituída pelo próprio trabalho des¬ses produtores, pelo direito que tinham de cultivar, em certas áreas das gran¬des fazendas, gêneros necessários para se enraizar. Formaram-se grupos de es¬tudo e debate em várias cidades, onde surgiram, entre 1918 e 1921, inúme¬ros grupos ou ligas comunistas (mui¬tas vezes chamados de maximalistas, que era então a tradução usada para bolchevique), com destaque para Santana do Livramento (RS); Porto Alegre; Rio de Janeiro; Niterói; São Paulo, Cruzeiro e Santos (SP); Reci¬fe; Juiz de Fora (MG). Contra as calú¬nias anti-revolucionárias da imprensa da burguesia, esses grupos avançados procuravam fontes confiáveis de informação. O nome de Lênin e outros lí¬deres revolucionários estavam na boca e no coração das lideranças operárias brasileiras que, depois da fundação da III Internacional Comunista, em 1919, e sob sua influência, fundaram o Par¬tido Comunista do Brasil.

Além destes dois fatores – o ama¬durecimento relativo da classe operária e a influência da Revo¬lução Russa de 1917 – outro fator teve papel decisivo na criação do Partido Comunista do Brasil. Desde o final da greve de 1917, um grupo de líderes operários procurava superar o obstácu¬lo representado pela recusa anarquista à luta política e à organização do pro¬letariado em um partido de classe. Os anarco-sindicalistas enfatizavam a luta econômica, e a única organização que admitiam era a formação de sindicatos, que podiam se unir em federações e confederações, mas sempre orientados para a luta econômica.

Houve, naqueles anos, ainda sob in¬fluência anarquista, tentativas para romper o impasse. Uma delas foi o levante operário no Rio de Janeiro, em 1918 cujo objetivo era repetir, na ca¬pital federal, o êxito bolchevique de 1917. Os líderes da insurreição esperavam baseá-Ia numa greve de massas e na mobilização popular, para tomar o poder. Mas o movimento foi delata¬do; apesar de ter ocorrido combates nas ruas do Rio de Janeiro, com mor¬tos e feridos, a polícia pode antecipar¬-se e massacrá-Ia.

Outra tentativa de sair do impasse foi a iniciativa de fundação, em 1919, de um partido comunista anarquista, sob direção de militantes libertários como Edgard Leuenroth e José Oiticica. Foi, na verdade, uma organi¬zação tipicamente anarquista, cujo nome revela o grande prestígio que os revolucionários russos tinham entre o proletariado brasileiro.

A busca de alternativas envolveu o debate entre importantes líderes libertários que tomavam consciência das limitações da doutrina anarco-sin¬dicalista. Inspirados pelo exemplo do Partido Bolchevique, Edgard Leuenroth, principal dirigente da greve de 1917, Astrojildo Pereira, que viria a ser o principal fundador do Partido Comu¬nista do Brasil, e outros importantes líderes proletários enfrentavam a ques¬tão que se impunha, a necessidade de organizar um partido de classe do pro¬letariado brasileiro.

Embora efêmeros, esses movimen¬tos – o levante de 1918 e o partido de 1919 – ilustram a efervescência exis¬tente entre os operários brasileiros, e que foi o principal sintoma da insatis¬fação generalizada que, na década de 1920, explodiria na mais profunda época revolucionária da história con¬temporânea do Brasil.

Com a autoridade de quem viu os acontecimentos de perto e teve parte ativa neles, Astrojildo Pe¬reira conta que o debate entre aquelas lideranças operárias se acentuou a par¬tir da segunda metade de 1921, "sob a forma de acaloradas discussões nos sindicatos operários", levando "dire¬tamente à organização dos primeiros grupos comunistas, que se constituí¬ram como passo inicial para a forma¬ção do Partido Comunista".

A Internacional Comunista, funda¬da em 1919, influenciou a criação de partidos comunistas em todos os paí¬ses e, no Brasil, não foi diferente. Houve contatos entre a Internacional Co¬munista e líderes proletários brasilei¬ros, e a IC mandou uma saudação aos delegados que, no Congresso de 1922, davam início à criação do Partido Co¬munista do Brasil. O portador dessa saudação foi Abilio Nequete, líder do Grupo Comunista de Porto Alegre e que, no congresso de fundação do Par¬tido Comunista do Brasil, representou também a Internacional Comunista e Partido Comunista do Uruguai.

Este é o quadro, em traços sumári¬os, em que foi fundado o Partido Co¬munista do Brasil. Seu surgimento decorre de uma necessidade histórica, e corresponde ao nível de desenvolvi¬mento alcançado pelo proletariado brasileiro, que impunha a organiza¬ção de sua vanguarda numa organi¬zação coesa, que fosse superior em relação às tentativas organizativas an¬teriores, e que fosse dotada de um programa político de classe capaz de unificar a luta do proletariado e de ser contraposto, como alternativa concre¬ta e viável, ao domínio da oligarquia, da burguesia e do imperialismo. Re¬fletia também a capacidade do prole¬tariado brasileiro e de suas principais lideranças, de aprender com a expe¬riência do proletariado de outras na¬ções, onde a luta era mais avançada, principalmente a Rússia.

A injunção desses dois movimentos – o interno, representado pelo desen¬volvimento relativo do proletariado; e o externo, representado pelas conquis¬tas revolucionárias alcançadas, princi¬pal merecimento do Partido Comunista do Brasil foi um dos principais sinais da profundidade da crise revoluci¬onária brasileira da década de 1920: através dele, o proletariado e sua van¬guarda organizada apresentavam-se aos trabalhadores do campo e da cidade e aos elementos progressistas e avança¬dos com um programa próprio de reestruturação da sociedade brasileira.

Ele nasce, nesse contexto, com sua marca de classe característica, e que o distinguiria em sua longa história de oito décadas: a marca do programa revolucionário, marxista-leninista, da recusa à harmonia e colaboração en¬tre o capital e o trabalho, e da compre¬ensão de que esta contradição só pode ser superada pela revolução proletária e pelo início da construção de uma sociedade nova e avançada.

O Partido Comunista do Brasil foi, desde então, a organização revolucio¬nária do proletariado que luta pelo socialismo e jamais arriou sua bandeira de combate. Lutou, ao longo dos anos, pela democracia, pela independência nacional e pelo socialismo. Com er¬ros e acertos, procurou adotar uma ori¬entação política adequada à realidade concreta, e fiel ao marxismo-leni¬nismo. Combateu o revi sionismo e aprofundou os conhecimentos teóricos e a compreensão da dialética da luta de classes; entendeu o mecanismo de vinculação da tática à estratégia, "a tática enquanto atuação preparatória dos momentos decisivos, e a estraté¬gia como realização, em condições amadurecidas, do objetivo maior vi¬sado", diz João Amazonas. Soube, diz também o dirigente comunista, inter¬pretar, "em diferentes momentos, o sentimento das grandes massas da po¬pulação, traduzindo em termos políti¬cos o que pensava a maioria do povo", conseguindo formular palavras de or¬dem que, correspondendo a situações concretas, facilitaram a mobilização popular contra a ditadura do Estado Novo (1937/1945) e, mais tarde, con¬tra os generais fascistas de 1964.

Nestas oito décadas de existência, o Partido Comunista do Brasil não fugiu aos problemas espinhosos do curso da vida política, nem ficou a reboque dos acontecimentos. "Detectou sempre, no exame da realidade, os elementos sus¬cetíveis de impulsionar a luta, golpear o adversário e elevar a consciência po¬lítica das massas". (Amazonas, 1990)

Reorganizado em 1962, superou ¬do ponto de vista da orientação geral – "o longo período em que o Partido, sem dominar os princípios fundamen¬tais do marxismo-leninismo, inclina¬va-se ora pela direita, ora para a esquerda, sem rumo seguro". Soube combater o sectarismo, a estreiteza pretensamente revolucionária, o exclusivismo auto-suficiente, ampliando sua atuação e influência, e aprimo¬rando sua ligação com os trabalhado¬res e as demais camadas sociais. "Organismo vivo, o Partido somente se fortalece e cumpre sua missão se se mantém permanentemente em luta nos mais diversos níveis, de acordo com a situação e o meio em que se realiza, de mãos dadas com todos os que almejam as transformações sociais". (Amazonas, 1990)

O Partido Comunista do Brasil nas¬ceu para atender a uma necessidade histórica e cumprir uma tarefa grandiosa de transformação social- a tarefa de dirigir a revolução pro¬letária no Brasil e promover a luta por uma sociedade nova, que descortine ho¬rizontes avançados para os brasileiros e para a humanidade. Em busca desse objetivo, já pagou pesado preço, perdendo na luta quadros valiosos e insubstituíveis, cujo nome está grava¬do com fogo e sangue na história de nosso povo. Mas jamais arrefeceu e, se a bandeira do socialismo e do futu¬ro cai de uma mão, ela é sustentada por inúmeras outras, num movimento que se fortalece na luta e na adversidade, cresce, aprende coletivamente e tem papel destacado no cenário político brasileiro do século XX, o século da luta pelo socialismo.

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EDIÇÃO 60, FEV/MAR/ABR, 2001, PÁGINAS 60, 61, 62, 63