Antuérpio de Oliveira era um tipo cortês: cedia o assento aos mais velhos no ônibus, cumprimentava a todos na chegada ou na saída da repartição. Como toda gente educada, esperava um sorriso de bom dia mais que dia: alegria de reencontro recheada do desejo de rever.
Pois, naquela manhã, Antuérpio acordou com um desejo condenado de rever não sei quem, não se sabe o quê. Era uma falta; um ar de ausência do que nunca existiu. Eram umas vagas saudades — não do que foi, mas do que poderia ter sido.

      Acendeu o sol em sua janela e pôs-se a fritar ovos com bacon — uma fome animal, sentia. Sentia também muito fundo uma vontade de cantar, dessas que dá quando o sol requenta em nós aquela alegria dormida, guardada no fundo do esquecimento.

      Antuérpio então observou. De sua janela acesa de sol, viu os homens caminhando lá fora, na rua de todos da cidade de poucos. Viu: uma mulher grávida atravessando a ponte; um homem calvo acenando para o horizonte; um menino magro olhando uma vitrine; um cachorro malhado acompanhando um pedinte; viu o pedinte estendendo uma caneca aos passantes; viu uma velha carregando presentes; e viu uma menina, uma menina bonita, de cabelos longos, anelados, colorindo o dia.

      Antuérpio queimou o ovo. Acordou da paisagem e correu para a pia; despejou a fritura e espantou a fumaça com o pano de louça. Voltou para janela. Procurou, ansioso, a cor da menina, o rastro da menina e ficou triste. Ela tinha sumido com todo o carinho. Antuérpio vestiu-se.

      Saiu para rua. Olhou para um lado. Olhou para outro. A seus pés, encontrou uma luz caída, justo no lugar onde tinha estado a menina bonita mais que fada. Recolheu a luz. Trouxe-a para bem perto do nariz e inalou o perfume claro, luminoso.

      Antuérpio procurou, mas nunca mais a viu.

      Até hoje, no asilo onde mora, ele se pergunta se ela de fato existiu, ou se foi o sol de sua janela que a acendeu no meio da rua para iluminar seu ovo com bacon nas manhãs de seus dias.