No bar
no pano verde
rola a bola sete.
O giz se esfarela
na ponta do taco.
Um rola-bosta
rola em torno
da lâmpada pontilhada
de merda de mosca.
No fio
alheias aos berros
elas repousam
e amanhã vorazes
sobrevoarão
o catarro dos meninos
e os pedaços de doce-de-leite
na vitrina quebrada da mercearia.
A cantiga de mijo
exala do mictório
onde tantos esvaziaram as bexigas
entupidas de cachaça e cerveja.
O dinheiro casado,
dois operários
disputam no vão da madrugada
a miséria destilada na semana.

O filho de um deles
num barracão
dum bairro longínquo
arde em febre.
A mãe após tanto rezar
e Deus nem tê-la notado,
ela tenta salvá-lo
com o único remédio que dispõe:
o carinho.
A avó já quase cega
vaga na escuridão
pelo quintal
a procura de uma "erva"
de um "capim-santo"
que salve o neto.
O pai bêbado, sem janta.
A soda cáustica da cachaça ordinária
e a fome roendo-lhe as tripas
e a lucidez em segundos
pelo impacto da morte
rodando o filho.
No meio da noite,
um pai
(ouça o barulho da alpercata
cruzando a vila, a cidade.)
com um filho em chamas nos braços
a procura de uma farmácia
de uma "Santa Casa"
de um pronto-socorro
de uma porta que se abra.

II
São três da manhã
a "Panificadora Primeiro de Maio"
exala o cheiro quente do trigo,
são as primeiras fornadas de pão.
Aquele aroma
morno do alimento
se torna um pesadelo
em vários barracos da vila,
muitos adormeceram famintos.

III
A alguns quilômetros dali
o trem da rede ferroviária
faz sua última manobra.
Numa destas – há uns dez anos –
o Criôlo, craque do Ferrinho Futebol Clube,
abraçado a uma garrafa de aguardente
sentou-se sobre os trilhos
o velho artilheiro que resistira
aos pontapés das zagas adversárias
desta vez não resistirá
à porrada da locomotiva;
o trem sairá moendo tudo,
fazendo uma paçoca negra
untada de vermelho
dizem que as rodas de ferro
trituraram o fêmur
da perna direita
que fizera tantos gols.

IV
E o Capim-Puba
se escorrega lento
como gosma de lesma.
Das suas margens
zarpam milhares
de muriçocas famintas
que tornam a noite
um inferno.
Em câmara-lenta
arrasta animais podres.
Suas piabas
são fósseis na memória.
É tão escuro
é tão imundo
que não consegue refletir a Lua.

Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.

 Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).