Ao descer do ônibus em Itapira, interior de São Paulo, lembrei das férias escolares na infância, de quando aprendi a montar a cavalo, do imaginário dos camaradas (trabalhadores da roça) que contavam histórias quando, às vezes, eu ia levar o embornal na hora do almoço. Itapira é a cidade do Juca mulato, de Menotti del Picchia, do morro do tronco onde eram supliciados os escravos na época do Império, lugar em que morou minha avó negra e onde minha mãe trabalhou na lavoura de cana. Foi nesta mesma cidade, que meu bisavô, ainda moço, vindo da Lombardia, trabalhou na lavoura de café e que meu avô serviu em passagem as tropas da revolução de 32, isso depois de esconder as mulheres. E foi num sanatório da cidade, junto a deficientes mentais que meu pai foi internado, depois do seu fracasso econômico.

      Há tempos que eu penso em Itapira como um lugar no tempo mítico, um lugar pra voltar e redescobrir os sabores da infância, mas agora, eu queria encontrar o cartório de registro civil. Pedi informação, e alguém me indicou o cartório de registro de imóveis (tudo é cartório!). Neste prédio moderno e informatizado, uma moça me informou a localização do cartório civil, um casarão antigo, caindo aos pedaços, com um computador de tela verde e impressora matricial, guardando parte significativa da história da cidade.

      Já passado o horário do almoço, não queria me deter em reflexões sobre a importância que dão ao registro das pessoas e das coisas, embora lembrasse uma passagem de O Príncipe de Maquiavel: "Os homens esquecem mais rápido a morte do pai que a perda do patrimônio". Lembrava ainda por força de ligação com a obra, a valorização da aparência em detrimento da essência, mas pensei que devia-se ao efeito da fome, sim, porque a fome faz as pessoas pensarem coisas desconexas, assim, concentrei-me em polenta com lingüiça, farinha de milho e feijão temperado na banha de porco, comidinha de vó, e perguntei a um flanelinha – Ei amigo! você sabe onde tem por aqui uma comidinha com tempero caseiro? Sei sim!

      Pronto, eu estava próximo ao paraíso . De posse da informação, segui até chegar ao local indicado, onde havia um restaurante por quilo, destes que hoje se encontra em qualquer lugar, e uma placa com letras estilizadas – "Tempero caseiro".