Qual a influência exercida pelo Partido Comunista Sul-Africano na vida política de seu país?
Luis Fernandes – O Partido integra, junto com a central sindical Cosatu, que dirige, a “aliança revolucionária” que estrutura o Congresso Nacional Africano (ANC), atualmente no poder. Os comunistas definem o Congresso Nacional Africano como um movimento de libertação nacional e preservam a dupla militância nas estruturas do PCSA e do ANC.
Atuando no curso da vida política sul-africana via ANC, os comunistas têm ampla participação nas estruturas de governo, tanto no plano nacional quanto nos de província (estado) e municipal. Seis ministros de Estado do governo federal pertencem ao PCSA. Dos 240 deputados do Congresso Nacional Africano no parlamento nacional (quase dois terços do total), 80 são comunistas. Os principais expoentes da luta de libertação na África do Sul são, ou foram, militantes do PCSA, entre os quais o próprio Nelson Mandela e o atual presidente Thabo Mbeki (que integrou a Comissão Política nacional do Partido Comunista até o início dos anos 90).

Qual o papel do PCSA no movimento de libertação sul-africano?
Luis Fernandes – Para isso é necessário resgatar algumas informações básicas sobre a sua evolução histórica. O Partido Comunista da África do Sul (PCAS) foi fundado em 1921. Sua base social principal, na fundação, era os trabalhadores brancos. Desde a sua fundação, adotou uma orientação política, ideológica e organizativa não-racial, que contrastava com as concepções e práticas das demais agremiações políticas no país. Ao longo dos anos 20, fez um grande esforço para se “africanizar”. Ao final da década, a ampla maioria dos seus militantes já era composta de trabalhadores negros. Nos anos 30, sob influência da política da Internacional Comunista favorável à constituição de frentes populares, ingressou no Congresso Nacional Africano – então uma força relativamente pequena e limitada – e tratou de transformá-lo em amplo movimento de libertação nacional. Em 1950, na seqüência do estabelecimento do regime de apartheid, o PC foi banido. Três anos depois, ele foi reorganizado e relançado com o nome de Partido Comunista Sul-Africano (PCSA), atuando em duras condições de clandestinidade. Em 1960, o Congresso Nacional Africano também foi banido e iniciou-se uma prolongada luta de resistência que envolveu variadas formas de luta armada, mobilização social e participação nos limitados espaços de atuação política legal ainda existentes. Em 1990, quando o regime de apartheid já se encontrava acuado interna e externamente, o ANC e o PCSA voltaram a ser legalizados. Em 1994, sob a liderança de Nelson Mandela, eles tiveram ampla vitória eleitoral, pondo fim ao regime racista e consolidando o princípio democrático de “governo da maioria”.

Qual a interpretação dos comunistas sobre as transformações ocorridas no país?
Luis Fernandes – O PC Sul-Africano avalia que o ascenso democrático e popular que levou ao desmantelamento do regime do apartheid deflagrou uma revolução nacional e democrática no país. É por esta chave que os comunistas compreendem e concebem a sua ampla participação nas estruturas de governo na nova África do Sul. Após as realizações democráticas iniciais, no entanto, o PCSA entende que a consolidação, a continuidade e o aprofundamento do processo revolucionário dependem do desenvolvimento progressivo de elementos socialistas na transformação da sociedade sul-africana. Por conta desta compreensão e orientação, começam a surgir variadas tensões e diferenças nas relações dos comunistas com outros segmentos do ANC. Alguns setores do Congresso Nacional Africano insistem em implementar um amplo programa de privatização de empresas públicas de forma a constituir uma nova burguesia negra no país, medida que é duramente combatida pelo PCSA.

Quais as questões centrais em pauta no Congresso dos comunistas sul-africanos?
Luis Fernandes – O exame e discussão das diferenças entre os comunistas com outros setores do Congresso Nacional Africano e dos seus desdobramentos foi o tema central do 11° Congresso recém-encerrado. O Congresso concluiu que o Partido, sem se isolar politicamente ou romper com a aliança que estrutura o movimento de libertação na África do Sul, deve assumir um perfil mais independente no âmbito do ANC e do governo, buscando construir e assegurar a hegemonia dos trabalhadores sobre a revolução democrática em curso.

Após estar presente no Congresso, como você vê hoje os desafios dos comunistas sul-africanos?
Luis Fernandes – Os comunistas sul-africanos possuem uma singular e interessantíssima trajetória que lhes assegura, hoje, ampla participação e influência na vida política do seu país. O segredo do seu sucesso reside, precisamente, na sua capacidade de valorizar as particularidades da formação social do seu país e atuar no curso da sua vida política, sem perder a referência da transformação socialista. Coerente com esse enraizamento na cultura nacional, cabe destacar que, ao longo dos trabalhos do Congresso, os momentos normalmente destinados ao grito de palavras de ordem nos congressos de partidos latino-americanos eram ocupados por cantos e danças coletivas, gerando um clima de intensa participação, descontração e alegria. Na África (pelo menos a do Sul), a revolução se faz cantando…

EDIÇÃO 67, NOV/DEZ/JAN, 2002-2003, PÁGINAS 49, 50