Embora triste, que bela figura!
A lança sempre em riste
E os olhos fundos de mirar as alturas.
Magérrimo – A sina
Dos que abraçam causas tenras
É amargar agruras.

Os ossos quebrados,
A carne macerada,
A alma sorridente e elevada:
A injustiça soube
O sabor da espada.

(Desde Cervantes, se soube:
Para uma vida de combates
É preciso mais
Do que as armas convencionais.
O humor é escudo,
A alegria, a ironia, punhais.)

Desde Quixote, dar provas de amor
Não bastam canções.
– Estrangule um dragão,
Encarcere um facínora,
Liberte um simples do Cárcere.
Desde ele o amor passou a receber
Presentes que o mercado não vende
– Somente a honra, a paixão
E a bravura os compram.

Mas ele não seria uma bela figura,
Se não tivesse como fiel escudeiro,
Um homem simples afeito à razão.

Um amigo é nossa outra parte.
Quixote, cativo das estrelas,
Sancho, prisioneiro do chão.
Tão opostos e irmãos.
Desse entrelace, desse duplo cárcere,
Vislumbra-se a liberdade.

EDIÇÃO 78, ABR/MAI, 2005, PÁGINAS 40