A Revolução Russa – que neste ano faz 90 anos – marcou e moldou a geopolítica mundial no Século XX e, mesmo com o fim do seu esplêndido fruto, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ocorrido em 1991, suas ondas continuam a reverberar no limiar no Século XXI. Assim como a Revolução Francesa abriu o ciclo das revoluções burguesas simbolizando a ascensão do capitalismo, a Revolução Russa confirma o cerne da teoria marxista e inaugura a era das revoluções proletárias.

Com Outubro o socialismo pela vez primeira salta das lutas, dos livros, da consciência dos trabalhadores e ganha concretude. Se, no fundamental, confirma as análises de Marx e Engels e Lênin também, no específico, nega prognósticos elaborados pelos três.

A revolução dos oprimidos de fato eclodiu, mas ao contrário da especulação de Marx ela não se realiza em países capitalistas desenvolvidos, o espectro do comunismo que ronda a Europa de que fala o Manifesto ricochetou no Velho Mundo e foi estourar na “velha” Rússia, situada na periferia do sistema e atrasada economicamente. Se Lênin acertou em cheio com sua teoria do “elo mais frágil”, o mesmo não ocorreu com o prognóstico dele e de seus camaradas bolcheviques: Outubro não se espalhou pela Europa.

Um e outro fato condicionaram profundamente a experiência soviética. E a realidade com sua força e criatividade impôs o desafio da transição do capitalismo ao socialismo num país atrasado cercado de capitalismo por todos os lados. Capitalismo que desencadeou feroz combate e empreendeu vários estratagemas para liquidar a primeira pátria socialista.

Na verdade, mesmo sob circunstâncias adversas, várias etapas da transição do capitalismo ao socialismo foram vencidas. Lá, o socialismo, sim, conheceu um processo de edificação. E o legado dele, nessa sua fase inaugural na história, é precioso.

O próprio capitalismo se viu impelido a fazer concessões aos trabalhadores. A democracia burguesa na Europa sob a pressão da luta operária que cresce pós-Outubro é obrigada a pôr fim ao voto censitário e garantir o voto feminino. A democracia socialista veta as discriminações étnicas e promove a luta pela igualdade de direitos às mulheres. Para além dos direitos políticos ela canaliza a riqueza à elevação da qualidade da vida material e cultural do povo. Por meio de uma espécie de “segundo dia da criação” se dá um vertiginoso processo de industrialização, impulsionando um crescimento econômico com índices de produtividade competitivos em relação aos de países de capitalismo avançado. Um oceano de vidas soviéticas pereceu na jornada vitoriosa contra a peste do nazi-fascismo. A URSS impulsiona as grandes revoluções nacionais na Ásia e na África que libertaram os povos do jugo do colonialismo.

Mas, embora frondosa, a experiência fracassou. E se a conquista inaugural dos proletários influenciou positivamente a marcha da humanidade, o seu fim em 1991 tem impacto oposto. À época, Bush, o pai, proclama ao mundo que com “o fim do comunismo” o planeta conheceria um período de paz e prosperidade. Sem a URSS e o campo socialista para confrontá-lo o imperialismo recrudesceu sua ofensiva contra os povos e a exploração capitalista se exacerbou sobre os trabalhadores.

Contraditoriamente, dessa supremacia do capitalismo que ascendentemente centraliza e concentra as riquezas num pequeno conjunto de países e de megacorporações; agiganta a financeirização do capital; espalha o desemprego e super-exploração do trabalho; empreende guerras e ameaças; enfim, não consegue dar respostas aos elementares anseios da humanidade, dessa realidade emerge uma nova luta pelo socialismo.

Essa nova luta, simultaneamente, ganha corpo com a elevação da consciência social. A própria sistematização das respostas à pergunta do porquê do fracasso e da derrocada da URSS e as lições derivadas desse processo autocrítico foram o ponto de partida dessa nova jornada libertária. Desse esforço veio à luz um socialismo renovado pela crítica da história e sustentado pelo avanço progressivo da luta de resistência dos povos.

Assim como a gênese, o crescimento e a expansão do capitalismo se deram num processo histórico longo com idas e vindas, a construção de um mundo formado por um conjunto de “pátrias sem amos” se revelou um processo muito mais complexo, porém não impossível, como bem o demonstram China, Cuba, Vietnã e outros países.

Outros “Outubros” virão segundo a singularidade de cada país e por caminhos os mais variados, mas com a mesma perspectiva!

EDIÇÃO 92, OUT/NOV, 2007, PÁGINAS 3