Por Marcos Cintra

Por Marcos Cintra*, no jornal Diário do Grande ABC

Desde 2003, quando publiquei o artigo “It´s the spread, stupid” no jornal O Estado de S.Paulo, enfatizo que um dos principais problemas do Brasil são os escandalosos spreads cobrados pelos bancos. Através deles ocorre uma absurda transferência de riqueza das empresas e dos trabalhadores para o setor financeiro.

O Brasil tem um dos maiores spreads do mundo. A diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro e o que cobram nos empréstimos fechou em dezembro do ano passado em 30,6 pontos percentuais. Em média os bancos pagam 12,6% quando um investidor faz uma aplicação e cobram 43,2% quando emprestam aos seus clientes. Quando o spread se refere apenas às pessoas físicas ele é superior a 45 pontos percentuais.

O problema do custo do dinheiro no Brasil era equivocadamente focado quase que exclusivamente na redução da taxa Selic, que hoje é de 12,75%. Porém, gradualmente os analistas perceberam que os juros que sufocam a economia brasileira são os aplicados ao tomador final. Para as empresas as taxas anuais ultrapassam 38% para o financiamento do capital de giro, 45% no desconto de duplicatas e 76% na conta garantida. Para as pessoas físicas superam 60% no crédito pessoal e 175% no cheque especial. Ou seja, os bancos multiplicam a Selic de três a catorze vezes quando emprestam para seus clientes.

A baixa oferta de recursos disponíveis para empréstimos contribui para forçar os juros para cima, mas a forte concentração do setor bancário potencializa a capacidade dos bancos de defini-los quando emprestam. De 1994 a 2008 o número de bancos no Brasil caiu de 246 para 157. Em 2002 os dez maiores bancos concentravam 74% das operações de crédito e hoje esse grupo representa 86% das concessões.

Segundo o Banco Central, o spread, principal componente dos juros, é composto por 13,5% de custo administrativo, 19% de tributos, 3,6% se refere ao compulsório, 37% por inadimplência e 27% de margem do banco.

Mesmo sem avaliar a consistência dos números apresentados, a margem de 27% na composição do spread denota situação atípica relativamente a outros setores da economia. Cabe considerar que os custos de captação dos bancos limitam-se à taxa Selic e que significativa parcela dos recursos oriundos de depósitos bancários tem custo próximo de zero.

A sociedade já se convenceu que o problema da agiotagem praticada pelos bancos no Brasil tem muito a ver com a diferença entre o que eles pagam aos investidores e o que cobram de seus clientes. Não é a toa que os bancos têm lucros extraordinários todo ano.

O juro Selic pode ser reduzido em quatro ou cinco pontos percentuais pelo Copom e, mesmo assim, os juros finais continuarão inviabilizando as atividades produtivas se os spreads não caírem substancialmente. Mesmo que a Selic fosse zero os juros para as empresas e as pessoas físicas ainda seriam os mais elevados do mundo.

A Selic é alta e precisa cair. Mas isso é sintoma, e não causa dos problemas macroeconômicos brasileiros. O enfrentamento da verdadeira origem do problema dos juros exige reconhecer a distorcida mecânica na formação de preços pelos bancos.

*Doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. É secretário municipal do Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo.