na Zona Leste de São Paulo – um dos mais populosos e ricos em tradição da capital.
Neste trabalho a autora mostra a trajetória da empresa, de origem americana e associada com os grupos brasileiros Klabin e Votorantim, produtora de fios, seda artificial e outros produtos químicos e têxteis.

Num primeiro momento, devido à demanda de mão-de-obra, a indústria incentiva a migração de nordestinos e, em menor contingente, de mineiros. Através de empreiteiros contratados, seus caminhões transportam como gado centenas de retirantes famintos. A exemplo da experiência de outras fábricas, esta é a saga de milhões de trabalhadores brasileiros.

A empresa teve momentos de altos e baixos na economia. Sempre gozando das benesses do Estado, inclusive com a isenção de impostos quando da transferência das máquinas dos Estados Unidos, a fábrica ficou conhecida pela péssima qualidade dos produtos fabricados e, principalmente, pela violenta exploração dos trabalhadores. Era a fábrica da morte.

A Nitro Química também ficou conhecida pela rigidez de seus regulamentos internos. Mesmo as idas ao banheiro têm seu tempo controlado. O trabalhador é proibido de ler jornais ou livros nos momentos de folga. As conversas em rodinhas de operários são dissolvidas pelos supervisores. Citando Michel Foucault, a autora fala da “(…) micropenalidade do tempo, que reprime atrasos, ausências, interrupções das atividades e tudo aquilo que signifique redução do ritmo de exploração do capital”.

O relato da resistência dos trabalhadores à situação de explorados na fábrica e marginalizados no bairro da periferia é um dos pontos altos da pesquisa. A autora demonstra que “(…) os habitantes de São Miguel Paulista sempre se mantiveram na oposição política”, mesmo sem maior consistência ideológica. Já no espaço fabril a luta será hegemonizada pelos militantes do Partido Comunista, que têm atuação intensa e criativa no interior da empresa.

A primeira greve dos operários da Nitro Química ocorreu em 1946. Arrancou algumas conquistas, mas foi seguida de implacável repressão. A indústria, dirigida por José Ermírio de Moraes, demite os líderes, fecha o restaurante interno e discrimina os filhos de alguns grevistas na creche da empresa. Começa a vigorar a lista negra. Os comunistas desencadearam então, no bairro, a campanha da fome.

Repressão intensa mais ação paternalista foi a receita seguida pela Nitro. Núcleo residencial, restaurante interno, berçário, clube de regatas. “A fábrica mascarada foi aos poucos descaracterizada como o locus da opressão e exploração, ao contrário, mostrou-se para muitos como uma grande família, um segundo lar muito feliz”, comenta a autora.

A leitura desta pesquisa revela a formação de classe dos operários da Nitro Química. Ela estuda todas as contradições deste processo. De um lado, a empresa e seus eficazes instrumentos de manutenção da hegemonia, procurando criar “(…) um operário dócil, submisso e economicamente produtivo”. De outro, o trabalhador – tanto no espaço fabril como no local de moradia – questionando o sistema de exploração capitalista.
Altamiro Borges

Einstein, cientista e filósofo
PATY, Michel. Eisntein Philosophe – La physique comme pratique philosophique. PUF, Paris.

Livros sobre Einstein existem vários, a maior parte deles dedicada às contribuições de seus trabalhos nos vários campos de conhecimento científico. O livro do professor Michel Paty é interessante justamente por revelar um aspecto do trabalho do físico pouco considerado pela maioria dos pesquisadores, ou seja, aquele de analisar sua obra científica não apenas como fonte a posteriori para reflexões de fundo filosófico, mas como uma prática filosófica em si mesma.

Como o autor menciona no capítulo inicial de seu livro, a época dos grandes filósofos naturais, onde a prática do que hoje se define como ciência não podia ser separada da filosofia, parece terminada. Leibiniz e Descartes, no século XVII, foram talvez os últimos representantes dessa categoria, produzindo contribuições importantes nesses dois domínios. A separação que iria se instaurar nos tempos posteriores distancia as duas atividades e mesmo a obra de Newton pendeu para o lado da prática científica, legando, no entanto, uma massa considerável de resultados que alimentaram as preocupações dos filósofos de várias gerações.

Michel Paty, em seu trabalho, procura justamente resgatar não as implicações filosóficas do trabalho de Einstein, aspecto já bastante analisado em especial naquilo que diz respeito às modificações dos conceitos de espaço e tempo, mas a unidade e profundidade de seu pensamento, desnudando todo seu alcance epistemológico e sustentando, como uma de suas teses, que sua maneira de fazer ciência é de natureza filosófica, onde os problemas físicos são objetos de reflexão sobre o conhecimento em geral.

Nessa direção, o autor promove um estudo extremamente rigoroso, tecendo considerações epistemológicas sempre vinculadas a análises históricas precisas da produção científica de Einstein, obtendo uma complementaridade importante entre esses dois aspectos de sua obra, que justamente revela a unidade e profundidade de seu pensamento. O livro destina-se, pela natureza de seu conteúdo, a pesquisadores e estudiosos das áreas de ciências e filosofia. Ao limitar os aspectos do formalismo matemático ao mínimo necessário, valendo-se de notas explicativas suplementares, e procurando tornar as análises filosóficas o mais claras possíveis sem, contudo, perder o rigor, o livro torna-se acessível a um público mais amplo, não exigindo uma formação sólida nas duas áreas de conhecimento consideradas, científica e filosófica. Entretanto, não se pode dizer que o livro seja de fácil leitura, exigindo do leitor muita atenção, um conhecimento ao menos superficial das grandes questões científicas do início do século e um pouco de sensibilidade para com as problemáticas de ordem filosófica.

A análise, desenvolvida no livro sobre o pensamento de Einstein, estende-se aos trabalhos em física molecular, radiação, eletrodinâmica, relatividade restrita e geral, cosmologia e teoria do campo unificado, deixando para um segundo volume aqueles

EDIÇÃO 31, NOV/DEZ/JAN, 1993-1994, PÁGINAS 81

Einstein, cientista e filósofo

O estudo desses trabalhos se faz em torno de três temas sobre a física.
a) Contribuições e descobertas, englobando estilo de pesquisa e características filosóficas;
b) conceitos e preposições, abrangendo a questão da significação e da epistemologia; e
c) filosofia do conhecimento em geral e sua relação com a física.
Segundo as palavras do próprio autor, “Eisntein Philosophe não se refere somente ao pensador, criador e crítico da física na sua realidade profunda, mas também à epistemologia e à filosofia das ciências, formulando, em correlação com seu trabalho sobre os objetos de ciência propriamente ditos, considerações mais gerais sobre a natureza e as condições do conhecimento que procuram explicitar as significações mais essenciais”. Mergulhar nas profundezas desse pensamento tão rico de significação é o que o livro do professor Michel Paty, pesquisador do CNRS/equipe Rehsks de Paris, propicia. O interesse despertado por esta obra nos faz esperar com ansiedade seu próximo volume, sobre Einstein e os quanta, que permitirá desvendar um pouco mais o rico pensamento de uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos.
Mauricio Pietrocola de Oliveira

EDIÇÃO 31, NOV/DEZ/JAN, 1993-1994, PÁGINAS 82