Regulação e controle das pesquisas nos países periféricos

Na parte final desta primeira série de artigos sobre o assunto, é apresentada uma proposta para o desenvolvimento de sistemas de regulação e controle social de pesquisas nos países periféricos, de importância decisiva para que o quadro atualmente constatado sofra transformações significativas, em benefício das populações mais vulneráveis. A presente proposta foi apresentada para a Red Latino-Americana y del Caribe de Bioética da Unesco – REDBIOÉTICA – e incluída em seu Primeiro Curso de Ética en la Investigación en Seres Humanos do Programa de Educación Permanente a Distância, com sede em Córdoba, Argentina (2).

A construção de um sistema de regulação e controle social da pesquisa nos países pobres e em desenvolvimento, capaz de promover pesquisas internacionais de caráter cooperativo e de coibir o imperialismo moral e investigações internacionais com o caráter de exploração, passa por uma reformulação desse sistema em dois planos principais: 1) O plano da formulação propiamente dita de normas adequadas ao contexto socioeconômico e cultural dos países, no três eixos de proteção da ética em pesquisa (obtenção do consentimento, minimização dos riscos e maximização dos benefícios); 2) O plano sociopolítico, relacionado com a criação de instrumentos normativos de regulação, representados por leis e normas éticas de pesquisa e a abertura de espaços democráticos de controle social, representados por comitês institucionais ou regionais e por comissões nacionais de ética em pesquisa.

Em relação ao tópico 1 – Formulação de normas éticas adequadas às características contextuais dos países periféricos – existem três níveis a ser enfrentados: a) Adequação do processo de obtenção dos termos de consentimento informado, diminuindo a importância do aspecto neoliberal contratualista e aumentando o significado de visão comunitária da autonomia para populações com baixos níveis de instrução; b) Adequação dos procedimentos de maximização dos benefícios, pela mesma razão do item anterior.

A respeito do tópico 2 – Criação e validação de documentos normativos nacionais – existem também três níveis a serem considerados: a) Participação sociopolítica na criação de documentos, com foros independentes e interdisciplinares, na busca de consensos nacionais sobre limites éticos das pesquisas; b) Criação de espaços nacionais e/ou institucionais de avaliação ética dos protocolos, incluindo independência nas decisões e supervisão ética da condução dos ensaios; c) Capacitação adequada dos membros dos comitês e comissões, que incluem: aa) O desenvolvimento de conhecimentos no mesmo nível para todos os participantes, relativo às normas éticas de pesquisa e sua interpretação ajustada aos contextos locais; bb) O desenvolvimento de conhecimentos sobre o grau de risco da participação humana nas principais técnicas metodológicas de pesquisa, o que se pode realizar mediante técnicas de vulgarização científica para membros que não sejam pesquisadores no campo da saúde; cc) O treinamento em regras de argumentação comunicativa e de análise de validade de argumentos como métodos operacionais para as tomadas de decisão.

Esta série de artigos tem origem em conferência apresentada na mesa redonda “Libertad y responsabilidad en la investigación”, ocorrida no V Congresso Mundial de Bioética promovido pela Sociedad Internacional de Bioética (SIBI) na cidade de Gijón, Espanha, em maio 2007. O texto apresentado na conferência, publicado aqui em várias partes, saiu também em Cadernos de Saúde Pública, 2008. Volume 24 (10): 2219-2226.