As letras minúsculas (Marta Eugênia)

O dia tartarugou o quanto pôde
até desfazer-se do verniz.
Os quadros da sala retiraram a voz das paredes,
obstantes.
Havia um tiro certeiro da solidão na paisagem da tela.
Ou balas perdidas em existência e confusão
na mobília que decorava a personagem sem rosto.
Assim, pelos olhos, engasgava-se com palavras,
atravessadas na garganta feito um osso;
e não podia engolir algumas delas.
Então, na cozinha, ela apagou o fogo,
a ebulição do molho cessou.
Enfim, podia chorar.
Agora viria uma noite que rastejava em lagarto,
a interpretá-la.
Porque ossos eram exatos e a carne temperada de indecisão.
Não eram sobres as mesas expostas as ceias, as refeições?
Observou formigas embaralhando migalhas de pão
na toalha xadrez, grata pelo chão das miniaturas.
Era outro solo possível para se pensar.
A campainha tocou enquanto ela abria o vinho.

Marta Eugênia é Especialista em Linguística e Professora de Língua Portuguesa na cidade de Arapiraca em Alagoas.