O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse nesta segunda-feira (8) acreditar que a violação de dados de telefonemas e e-mails de brasileiros pelo governo americano tenha sido feita sem a participação das empresas do setor no país. ”Eu acho que o mais provável é que tenha sido monitoramento via cabo submarino, satélite, que se faz de fora, porque ter um convênio para uma empresa entregar dados eu acho muito mais complicado, porque isso, claramente, é crime.”
O ministro informou ter conversado com o diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, que negou a participação das empresas no monitoramento de informações pelos Estados Unidos. No entanto, Bernardo não tem dúvidas de que dados de cidadãos brasileiros foram monitorados.
“Até o Parlamento Europeu foi monitorado. Você acha que nós não fomos? Agora, as circunstâncias em que isso se deu, a forma exata, a data, isso temos que verificar”, ressaltou.
Paulo Bernardo reuniu-se no início da tarde de hoje com o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, e pediu que o órgão regulador verifique se existiu participação das empresas no fornecimento dos dados. Paulo Bernardo também pediu ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que a Polícia Federal abra um inquérito para investigar o episódio.
Reportagem publicada domingo (7) pelo jornal O Globo revelou que as comunicações do Brasil estavam entre os focos prioritários de monitoramento pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês), segundo documentos divulgados pelo ex-agente norte-americano Edward Snowden. Os dados eram monitorados por meio de um programa de vigilância eletrônica altamente secreto chamado Prism.
O ministro avalia que o episódio poderá ter reflexos na confiança dos usuários de internet nos serviços. “A internet sempre teve uma aura importante de ambiente livre, no qual se pode navegar e pesquisar, e hoje estamos vendo que está se tornando instrumento de espionagem. Evidentemente, isso vai gerar insegurança para o cidadão, as pessoas vão começar até a se coibir, a se cercear em suas comunicações, o que é um absurdo, porque não tem nada demais em se comunicar.”
Para o ministro, o episódio não prejudica as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. “Somos países amigos, mas isso não elimina a necessidade de exigirmos explicações, temos que ter explicações sobre o que está acontecendo”, afirmou Paulo Bernardo.
Paulo Bernardo disse que o caso reforça a necessidade de existir uma entidade multilateral para controle da internet no mundo todo. “Tem que ter uma mudança na governança da internet, ela não pode ser regida apenas por uma entidade privada americana, quando a gente sabe que ela é controlada pelo governo americano.”
Diplomacia
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que foram pedidos esclarecimentos aos Estados Unidos por intermédio da Embaixada do Brasil em Washington e também ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil. O chanceler ressaltou que recebeu com “grave preocupação” a notícia de que contatos eletrônicos e telefônicos de seus cidadãos estariam sendo monitorados.
Patriota disse que o governo brasileiro lançará iniciativas na Organização das Nações Unidas (ONU) pelo estabelecimento de normas claras de comportamento para os países quanto à privacidade das comunicações dos cidadãos e a preservação da soberania dos demais Estados. O Itamaraty pretende ainda pedir à União Internacional de Telecomunicações (UIT), em Genebra, na Suíça, o aperfeiçoamento de regras multilaterais sobre segurança das telecomunicações.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, disse hoje (8) que as informações publicadas sobre o monitoramento de informações de brasileiros pelo governo americano apresentaram uma imagem “que não é correta” sobre o programa de inteligência dos Estados Unidos. Shannon reuniu-se na tarde de hoje com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, para discutir o assunto e disse que o governo americano está “contestando as preocupações do governo do Brasil”.
“Temos um excelente nível de cooperação com o Brasil na área de inteligência e também na área policial. Infelizmente, os artigos de O Globo apresentaram uma imagem do nosso programa que não é correta, então estamos trabalhando com os brasileiros para contestar suas [dos artigos] perguntas”, disse Shannon.
O embaixador não respondeu às perguntas dos jornalistas sobre a veracidade das informações sobre o monitoramento dos dados dos brasileiros. Ele disse que se reuniu com a Secretaria-Geral do Itamaraty e deverá encontrar-se ainda hoje com o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), general José Elito Carvalho Siqueira.
As informações sobre espionagem aos cidadãos brasileiros vieram à tona a três meses da primeira visita de Estado da presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos. A visita da presidenta está prevista para 23 de outubro e foi confirmada pelas autoridades. A visita de Estado é considerada especial pelos norte-americanos por ser autorizada apenas a alguns parceiros.
Por e-mail, o Departamento de Estado norte-americano informou que será dada a resposta apropriada ao pedido brasileiro. “O governo dos Estados Unidos vai responder apropriadamente a nossos parceiros no Brasil pelas vias diplomáticas e de inteligência. Não vamos comentar publicamente ou especificar supostas atividades de inteligência. Como política, deixamos claro que os EUA obtêm inteligência estrangeira do tipo coletado por todas as nações”, diz o texto.
Direito constitucional
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) instaurou procedimento de investigação para apurar se empresas de telecomunicações sediadas no Brasil violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A decisão, anunciada hoje (8), é em resposta a denúncias sobre um suposto sistema de espionagem de cidadãos brasileiros, feito pelo governo dos Estados Unidos por meio da internet e da telefonia.
A Anatel terá ajuda da Polícia Federal e de outros órgãos federais para investigar o caso. De acordo com a agência, o sigilo de dados e de comunicações telefônicas “é um direito assegurado na Constituição, na legislação e na regulamentação da Anatel”, e sua violação “é passível de punição nas esferas cível, criminal e administrativa”.
As empresas
O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) divulgou nota hoje (8) na qual afirma “categoricamente” que nenhuma prestadora de serviços de telecomunicações associada ao sindicato fornece ou facilita informações que possam quebrar o sigilo de seus usuários, salvo mediante ordem judicial na forma da lei brasileira. O sindicato se diz “perplexo e indignado” com notícias de eventuais espionagens nas comunicações telefônicas e de dados de cidadãos brasileiros.
Segundo o SindiTelebrasil, qualquer quebra de sigilo ou acesso de dados só é feita pelas empresas mediante ordem de juiz criminal. “O SindiTelebrasil reforça, com veemência, o fato de que as teles que operam no Brasil agem estritamente de acordo com a lei e que não mantêm nenhum tipo de parceria com empresas ou órgãos estrangeiros para fazer escuta telefônica, acesso a dados privados dos clientes ou que contrarie qualquer outra determinação prevista na legislação brasileira”, diz a entidade, em nota.
O sindicato informa também que guarda as informações de conexão dos usuários por cinco anos e esses dados ficam à disposição da Justiça, para eventualidade de uma investigação criminal. Na prática, são informações que permitem identificar quando e quanto tempo o usuário ficou na ligação ou conectado, para quem ele telefonou ou mandou o torpedo e que site acessou, sem, no entanto, saber qual foi o teor da comunicação.