Depois de 1945, sobretudo com o fim da luta entre Estados Unidos e Alemanha, o primeiro país emerge como dominante e centro do sistema capitalista que podemos definir como tradicional. Mas ao mesmo tempo, se formou o chamado campo socialista ( tendo como centro inicial a União Soviética ) – um conjunto de países com aparelhos institucionais bastante similares: um partido comunista, na prática, o único partido e eixo da esfera política, se fundiu com o Estado, tornando-se o elemento dominante daquelas sociedades. Assim, nele formou-se uma oligarquia dominante – ainda que incapaz de exercer uma efetiva hegemonia sobre toda a sociedade -, cujos mecanismos de reprodução eram de tipo predominantemente políticos. De qualquer modo, o poder dessa oligarquia se fundava sobre uma ideologia precisa e seus elos com as “massas populares” em países bastante atrasados. Massas formadas sobretudo por camponeses e, inicialmente, por pequenos grupos de operários. Por vários motivos, essa oligarquia política deu início a um intenso processo de industrialização, favorecendo aquilo que podemos indicar como acumulação primitiva e lançando as bases de um desenvolvimento não diferente daquele dos países capitalistas avançados, pois fundado essencialmente sobre a indústria ( realmente a indústria pesada ).

O bloco dominante, como se autoreproduzia na esfera política ( com métodos autoritários e cooptação de dirigentes ), não teve condições nem de “construir o socialismo” – objetivo ideologicamente declarado pela “revolução” -, nem de dar origem a uma autêntica estrutura de relações capitalistas, em cujo âmbito a esfera econômica deve assumir posição predominante, caracterizada pela intensa competição entre os grupos empresariais estratégicos, como condição de um desenvolvimento não simplesmente qualitativo ( o volume de crescimento do rendimento nacional, por muitos anos tema preferido dos países “socialistas” que partiam de posições bem atrasadas ), mas sobretudo capaz de uma grande diversificação e multiplicação dos setores produtivos em razão de amplas inovações, sejam nos processos, sejam nos produtos.  

Não apenas por razões ideológicas, mas por conta de seus mecanismos particulares de auto-reprodução, os blocos dominantes dos países “socialistas” tinham o seu poder apoiado em uma substancial aliança com as classes populares ( a classe operária estando em forte crescimento ), permitindo ritmos de trabalho baixos e muitas “honras verbais” em lugar de remuneração, e, consequentemente, com níveis de vida especialmente baixos.  Também os cientistas e técnicos foram sacrificados e tinham um nível de vida e de status sociais modestos ( com exceção daqueles ligados ao aparelho militar ), e ainda os que trabalhavam na administração das empresas. Tudo isso provocou, após os primeiros grandes êxitos de ordem justamente quantitativa, a estagnação da economia “socialista”, elevando o ressentimento e a oposição de certos intelectuais e de membros da classe média, preparando a putrefação e finalmente o colapso generalizado daquele sistema social.

Os dois campos – o capitalista centrado até então nos Estados Unidos e o “socialista” tendo a União Soviética como país mais forte -, foram de fato efetivamente “inimigos” durante todo um período histórico porque estavam apoiados sobre estruturas de relações sociais caracterizadas por mecanismos de auto-reprodução diferentes dos blocos dominantes. A sua rivalidade fui positiva no que diz respeito à  intensa luta de libertação nacional nos países de terceiro mundo, com a consequente aceleração dos processos de descolonização. Isso influenciou também – ainda que a sua importância não tenha sido sempre enfatizada – as relações de força entre as classes nos países capitalistas avançados, favorecendo o chamado “compromisso social” ( entre capitalistas e classes trabalhadoras ), com aumento dos salários, ainda que indiretamente por meio das várias políticas do Estado de bem-estar social, as chamadas políticas keynesianas, das quais hoje muitos “comunistas” se sentem órfãos.

Diga-se, mais uma vez, que de tais políticas se via apenas o aspecto indiferenciado da crescente intervenção do Estado na economia, sem considerar o seu substrato formado pela constituição de blocos dominantes dos quais eram uma emanação. Os estudiosos das ciências sociais ( e os políticos ) pensaram que tudo o que ocorreu no campo capitalista desenvolvido, no país central ( os Estado Unidos ) e naqueles não centrais, foi apenas resultado da intervenção crescente do Estado, considerado como um estágio quase irreversível da história do capitalismo – e para muitos marxistas se tratava do novo “último estágio”, pois a intervenção estatal seria a última trincheira da burguesia -, para atingir dois objetivos fundamentais: o compromisso social já indicado, e esconjurar uma nova e mais grave crise que a de 1929, interpretada como crise de falta de demanda nos sistemas econômicos com excessiva capacidade produtiva. Incorremos todos, me parece hoje, em um grave erro de perspectiva; se devia pagar pela incapacidade de sair do fetichismo do político, e do Estado em particular. Não se foi capaz de ser verdadeiramente marxista, de indagar as relações sociais subjacentes à crescente intervenção do Estado.

Por trás das políticas de intervenção estatal, apoiadas na manobra da despesa pública – os déficits de balanço segundo os cânones do keynesianismo -, estavam diferentes blocos dominantes: o existente nos países centrais do campo capitalista e aqueles formados nos países capitalistas desenvolvidos não centrais, que saiam da luta e sofreram graves destruições na Segunda Guerra Mundial e mais sentiam os perigos de fortes tensões sociais ligadas à presença do novo campo “socialista”. No primeiro país ( os Estados Unidos), o bloco dominante, de modo bem convencional, era formado pelos grupos estratégicos das grandes empresas monopolísticas ( privadas ) e aqueles ligados à política exterior, visando  manter e sobretudo reforçar, com diversos meios de “agressão”, a própria esfera de influência. Nos segundos, colocados já sob a tutela militar do campo capitalista, aos grupos estratégicos das grandes empresas se associaram os agentes político-sociais com funções ligadas às políticas do Estado de bem-estar social, de tipo preferencialmente interno, voltados mais decisivamente para a finalidade do compromisso social e do aumento da demanda.

Ambos os blocos dominantes ampliaram a despesa pública, gerando assim uma maior influência das políticas estatais na esfera econômica, que permaneceu essencialmente privada. Porém, nos Estados Unidos, isso ocorreu sobretudo por meio de um forte gasto em armamento e pelo uso de outros meios de pesada intervenção externa ( ameaças, chantagens, golpes de Estado, corrupção de governos, etc. ), que aumentaram em muito as diferenças entre eles e os outros países do “primeiro mundo” em termos de capacidade de influência nas mais variadas regiões do globo. Nos outros países do campo capitalista avançado, ao contrário, a despesa pública levou a dois resultados: crescimento anormal de uma potente e corrupta “burguesia de Estado”, e fortalecimento da “burguesia monopolista privada” nas suas frações cada vez mais interessadas na simbiose com o Estado para obter diversos financiamentos públicos, com forte ofuscamento de sua capacidade competitiva e tendência a uma orgânica subordinação ao capitalismo central, evitando qualquer confronto forte com ele.

Esta estruturação do poder no campo capitalista favoreceu uma boa coordenação das várias economias, substancialmente controladas também pela intervenção dos organismos internacionais fortemente condicionados pelos Estados Unidos, com atenuação dos fenômenos competitivos e um aumento – passado o primeiro período da “reconstrução” dos países fortemente atingidos pela guerra – da capacidade de absorção dos mercados nos países não centrais, fenômeno inteiramente funcional para as grandes multinacionais, de início quase todas norte-americanas. Depois da metade dos anos setenta, e ainda mais radicalmente depois do colapso socialista e a remundialização do sistema capitalista, voltou a manifestar-se uma competição empresarial mais acentuada  ( intermonopolista ), também com a presença de grandes empresas dos países não centrais. Nestes últimos, foram adotadas políticas neoliberais com parcial dissolução do Estado de bem-estar social, privatização de parte da esfera pública da economia, consequente enfraquecimento da burguesia de Estado.

Apesar do início de tais processos, o velho bloco dominante não foi completamente desmantelado nos países não centrais; subsistiram partes importantes da burguesia de Estado, e sobretudo não foi radicalmente modificada a posição do grande capital monopolista privado incapaz de uma verdadeira concorrência no “exterior”, que em parte exigiria um progresso tecnológico mais acentuado com amplas inovações de processos e produtos, e em maior parte a vontade e a capacidade de formar aparelhos, com grupos particulares de agentes capitalistas “públicos”, em condições de compararem-se com o país central também de modo agressivo, a fim de reduzir suas esferas de influência no mundo. Esse grande capital continuava, porém a refugiar-se no uso dos próprios aparelhos estatais para se financiar ( através da dívida pública ), ou no acordo com o bloco dominante do país central para obter uma série de espaços de investimento que não estivessem em conflito grave com os seus interesses. Também a forte descentralização produtiva, o amplo desenvolvimento das iniciativas empresariais de pequenas e médias dimensões, com a formação em certos casos das tão faladas redes de ( pequenas ) empresas, são o sintoma da busca por parte das economias não centrais de espaços mercantis sob modalidades que não levem a um confronto aberto com o sistema econômico-político central.

No momento da queda do socialismo real (1989-1991), após um período inicial em que parecia estar se criando uma tri-polarização do capitalismo remundializado, ocorreu a mais evidente submissão da Europa e do Japão aos interesses norte-americanos. Primeiro, a guerra contra o Iraque, mas sobretudo a mais recente guerra nos Bálcãs e o incrível acontecimento do “bombardeamento” de Nova Iorque devolveram aos Estados Unidos uma supremacia esmagadora e assustadora, com um alinhamento vergonhoso das classes dominantes dos países não centrais que se mostram incapazes de se contrapor aos interesses “globais” desse país. Essa é a verdadeira causa do suposto fim das funções dos Estados nacionais. Os blocos dominantes dos países não centrais – que têm infelizmente uma hegemonia ainda forte e não prejudicada em seus países, graças às forças políticas de direita e esquerda totalmente consentidas com as políticas decisivas do neoliberalismo e do filoamericanismo –, estão de joelhos e são absolutamente incapazes de qualquer outra coisa que não seja contar com a benevolência por parte do sistema econômico-político dominante. Os Estados Unidos agem como verdadeiro Estado, pois é a expressão política do bloco dominante já analisado; os outros são Estados no plano interno ( a serviço das próprias classes dominantes pouco competitivas ), enquanto no plano externo não assumem as suas tarefas precípuas. Depois do 11 de setembro ( que provocou outros acontecimentos ainda mais graves, com os vários governos dos países capitalistas se lamentando junto aos Estados Unidos ), esta situação parece estar destinada a perdurar por longo tempo. Devemos nos preparar para novos e mais vergonhosos servilismos e capitulações por parte das classes dominantes, especialmente as europeias.