Rio de Janeiro – “Com maior integração entre as economias, os estímulos gerados pelo crescimento de um país se tornam incentivos ao crescimento dos outros”, disse o professor do Instituto de Economia da Unicamp Antonio Carlos Macedo e Silva, que apresentou o relatório. Segundo ele, é preciso dar mais crédito ao setor produtivo no plano nacional e internacional.
Antes da crise econômica, o mercado aquecido dos países desenvolvidos permitia importar manufaturados de outros países na mesma situação, mas industrializados, que, por sua vez, compravam produtos primários de outras nações em desenvolvimento, em um modelo que, de acordo com o relatório, era insustentável. No novo cenário, as economias mais desenvolvidas frearam as taxas de crescimento e os formuladores de políticas precisarão dar mais peso à demanda doméstica, política que já vem sendo adotadas por países como o Brasil e China, ressaltou o professor.
A busca conjunta desse objetivo, diz o relatório, pode fortalecer a opção de comércio regional Sul-Sul, tornando os mercados consumidores dos países em desenvolvimento mais receptivos às exportações deles próprios.
O relatório da ONU rebate um argumento muito comum, o de que a demanda interna dos países em desenvolvimento é insuficiente para tornar viável esse tipo de política, afirmando que o crescimento da classe média em países emergentes e populosos pode ser suficiente para aumentar o consumo privado e compensar o declínio da demanda dos desenvolvidos. De acordo com Macedo e Silva, na próxima década, 2 bilhões de pessoas devem entrar na classe média nos países em desenvolvimento.
A mudança econômica necessária para o novo foco requer, inicialmente, o aumento do poder de compra doméstico e equílibrio no  consumo das famílias, do investimento privado e dos gastos públicos. O professor ressaltou que, na política exportadora, o aspecto de custo dos salários tem sido enfatizado, mas, num cenário com papel maior da demanda doméstica, em que o consumo das famílias é o principal componente, o aspecto do salário como renda poderia ganhar mais destaque.
Conforme o relatório, impulsionar a demanda interna com facilitação ao crédito de consumo pode levar, entretanto, a um endividamento excessivo e à falência das famílias, como ocorreu em países desenvolvidos. Um caminho mais seguro poderia ser o aumento do emprego público e do investimento em empresas, com mudanças na estrutura tributária e na composição das despesas públicas para distribuir o poder de compra. Com o aumento da demanda, acrescenta o relatório, empresários se sentiriam estimulados a investir no aumento da capacidade produtiva.
Aos países dependentes de commodities, o estudo pede cuidado ao avaliar se os preços estão em “superciclo” e, caso estejam, em que ponto do ciclo. Apesar disso, o relatório considera improvável o colapso no preço das commodities ou o rápido retorno a uma tendência de deterioração. O relatório da ONU recomenda, nesse caso, usar a renda obtida com recursos naturais para reduzir desigualdades e estimular produção industrial.
Coordenação internacional
A aceleração mundial do crescimento econômico e comercial depende de uma coordenação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, para evitar um período prolongado de expansão lenta e fraca. É o que também aponta o Relatório de Comércio de Desenvolvimento 2013.
Segundo o professor Antonio Carlos Macedo e Silva, do Instituto de Economia da Unicamp, que apresentou o documento no Brasil, os países desenvolvidos precisam pisar no acelerador. “O que é aconselhável fazer é a adoção coordenada por vários países de medidas que incentivem o crescimento da demanda, em um plano integrado de instituições multilaterais, como as Nações Unidas e o próprio Banco Mundial. Aos países desenvolvidos, cabe crescer. Principalmente aos que têm crescido pouco e são superavitários na balança de pagamentos. É preciso pisar no acelerador”.
Segundo o relatório, há três cenários possíveis: quando todas as políticas atuais são mantidas, há um crescimento fraco em todo o mundo. Por outro lado, com ações coordenadas de todos os países, ocorre um cenário de crescimento bem maior. A terceira hipótese é a mudança nos países em desenvolvimento, que beneficiará também os desenvolvidos, mas com menos força do que o cenário em que a articulação é global.
O relatório aponta a austeridade e a fraca demanda privada como os principais fatores que estão impedindo os países desenvolvidos de superarem as dificuldades econômicas por meio de políticas monetárias expansionistas.
“Pisar no acelerador é desistir de uma austeridade fomentada pelo pânico e pela paranoia dos mercados financeiros em relação a sustentabilidade de dívida pública. A ideia é ganhar a confiança dos mercados não pela austeridade, mas pelo crescimento. A tentativa de ganhar a confiança dos mercados financeiros pela austeridade é frequentemente contraproducente como tem sido o caso de vários países do continente europeu”, criticou.
O documento pede que os países desenvolvidos ajam de forma mais decisiva para combater causas da crise, que ainda persistem: aumento da desigualdade de renda, diminuição da participação do Estado na economia, papel predominante de um setor financeiro mal regulado e um sistema internacional propenso a desequilíbrios globais.
Na União Europeia, as políticas monetárias não conseguiram induzir os bancos a concederem mais crédito para o setor privado e, nos Estados Unidos, os cortes nos gastos públicos agem no sentido contrário da recuperação da demanda doméstica privada, destaca a ONU, que aponta o Japão como uma exceção à tendência atual de austeridade.
O relatório ressalta que a expansão da produção mundial diminuiu de 4,1% em 2010 para 2,2% em 2012 e deve desacelerar ainda mais – para 2,1% em 2013, com apenas 1% correspondentes aos países desenvolvidos, já que a zona do euro enfrenta contração; os Estados Unidos enfrentam uma desaceleração moderada; e o Japão, uma taxa de crescimento estável. As economias desenvolvidas ainda sofrem com os impactos da crise que começou em 2008, com geração de emprego insuficiente e compressão salarial, por exemplo.
O cenário também freou o crescimento do comércio internacional, que foi de menos de 2% em 2012 e nos primeiros meses de 2013, em grande parte por conta dos países desenvolvidos. A queda, no entanto, também se estende às economias emergentes.
Macedo e Silva destacou que a próxima década deve inserir dois bilhões de pessoas na classe média, o que precisa ser aproveitado com investimentos e políticas distintas do ponto de vista fiscal e monetário.
Controle da inflação
Os bancos centrais e de desenvolvimento devem buscar formas de canalizar o crédito para o investimento produtivo, recomendou a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Com o novo direcionamento, os recursos poderão ser usados para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar desafios do mundo pós-crise, em que as demandas interna e regional ganharão maior importância.
“Não é razoável que o Banco Central se preocupe apenas com a inflação e a estabilidade dos preços usando somente um único instrumento, que é a taxa de juros de política econômica. A ideia é a de que o Banco Central tem outras responsabilidades a cumprir. Ele é o responsável pela estabilidade financeira e isso passa por um crescimento equilibrado. Ele deve atuar em coordenação com outras instâncias governamentais”, disse o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Antonio Carlos Macedo e Silva, que apresentou a publicação no Brasil.
O relatório chama atenção para a oferta de crédito antes e durante a crise financeira iniciada em 2008, que muitas vezes foi direcionada ao consumo e a bolhas de ativos como a do setor imobiliário, em vez de privilegiar em longo prazo a indústria, a agricultura, os serviços e a infraestrutura.
De acordo com o estudo, os países em desenvolvimento deverão acelerar o ritmo de acumulação de capitais, o que requer maior organização e gestão dos sistemas financeiros, para garantir financiamento estável e de longo prazo para a expansão da capacidade produtiva. Para a ONU, as mudanças propostas devem ser implementadas considerando o papel maior dos mercados domésticos e regionais com os novos padrões de demanda internacional.
As políticas dos países em desenvolvimento devem incentivar o investimento doméstico dos lucros e a alocação de crédito para atividades que levem à criação de emprego e ao crescimento sustentável e possibilitem menos vulnerabilidade ao cenário externo. Segundo o relatório, será preciso contar cada vez mais com as fontes de financiamento internas, pois, nas últimas três décadas, a dependência excessiva de fluxo de capital privado aumentou a instabilidade em vez de apoiar o crescimento de longo prazo.
O documento também pede maior regulação do sistema financeiro para garantir estabilidade financeira e monetária, com papel mais ativo para os bancos centrais, para os bancos de desenvolvimento e para instituições de crédito especializadas. Essas medidas governamentais devem ser usadas também em situações normais e não apenas em casos excepcionais, como crises.
Segundo o relatório,  papel principal nessa mudança cabe aos bancos centrais, que devem incentivar ou obrigar os bancos privados a garantir mais empréstimos para o setor produtivo. Já os bancos de desenvolvimento devem oferecer empréstimos e serviços financeiros que as instituições privadas não podem ou não querem fornecer, como a novas empresas, empresas de pequeno porte e empresas inovadoras, ou projetos de desenvolvimento de longa maturação em pesquisa e infraestrutura.
A publicação defende que essa maior variedade de fontes de crédito tem maior probabilidade de direcionar os empréstimos a usos produtivos do que um sistema dominado por grandes bancos globais que não são apenas “muito grandes para falhar”, mas também “grandes demais para gerir” e “grandes demais para regular”.