Sérgio Amadeu, sociólogo e militante pelo Software Livre, foi o primeiro convidado a falar. O sociólogo comentou a existência de uma crise de representação a partir da indústria cultural, que, na música, por exemplo, teve que se reestruturar. Essa crise abarcaria ainda a propriedade de bens imateriais, a imprensa, a educação e os partidos políticos. Para Amadeu, a democracia representativa lida mal com a instantaneidade, porque tem uma baixa capacidade de interação com os meios sociais. Um dos lados que não seria entendido é a trollagem, vista como um mal para o debate. “A trollagem é democrática”, afirmou. Amadeu exemplifica com a foto tirada em uma das manifestações de junho em que um policial jogou gás de pimenta em um manifestante, o que virou meme. “Essa trollagem é voltada a derrotar o outro lado”, argumentou.

Amadeu apontou para a presença em peso de manifestantes em junho chamados pelas redes socais e relacionou com o afastamento da vigilância do Estado desses meios. “Qual o controle público de uma plataforma que não é pública, é privada?”, questionou. “Elas [as redes sociais] precisam ter regras de liberdade de expressão, o que elas não têm”, afirmou. O papel das tecnologias no debate, para o sociólogo, é o de qualificar a democracia. O Gabinete Digital é um exemplo disso, de replicar solução de ampliação da esfera pública. “As tecnologias permitem ampliar a infraestrutura comunicativa”, argumentou. Amadeu concluiu que o uso da tecnologia é uma luta política para tornar a democracia mais interativa.

Wilson Gomes, professor e pesquisador de Teoria da Comunicação na Universidade Federal da Bahia, falou em seguida. “Eu acho que a representação política não está em crise”, provocou logo no início. Para o professor, a representação democrática só estaria em crise se fosse admitido que a democracia é um sistema em permanente dificuldades. Não pensar nisto seria pressupor que houve uma “Era de ouro”. “Tenho impressão que a representação política brasileira não foi tão boa quanto neste momento”, afirmou, alegando que haveria transparência e liberdade. O problema brasileiro estaria em quem vigia, o que a tecnologia poderia resolver ao aumentar os instrumentos de vigilância. “A invisibilidade protege o mais forte, a visibilidade o mais fraco”, afirmou. Para Gomes, as pessoas estão conectadas o tempo todo, e essa conexão dá força para as populações minoritárias. O que falta são os canais de participação para as pessoas que não se sentem representadas pelos partidos ou pelos movimentos sociais.

Natália Viana, fundadora da Agência Pública de Jornalismo, por sua vez, concordou com Gomes, no sentido de haver democracia na mídia, mas, para a jornalista, ela não é tão plena quanto poderia, e a falta de legislação é um problema no Brasil. Para Viana, a crise da representação da mídia está relacionada com, assim como comentou Amadeu, a indústria da música, que não morreu, mas se renovou. “O jornalismo está em crise econômica e em crise de legitimidade”, afirmou. Destacou a atuação do Mídia NINJA, que demostra que há um afastamento profundo entre o que é o conteúdo da mídia tradicional e o que é o desejo das ruas. Para a jornalista, a crise da legitimidade se expressou na discordância do que é escândalo para os veículos de comunicação e para que as pessoas pensam que ele seja. “Há uma ansiedade por outros tipos de ângulo e de escândalo”, afirma. O Mídia NINJA estaria mais conectado com o que as pessoas acreditavam que era um escândalo. Já a crise econômica pode ser notada nas demissões em massa e na dificuldade dos jornalistas em se expressas pela indústria da comunicação. Viana apontou, ainda, para a importância do jornalismo investigativo, que é feito pela agência Pública, que precisa ser feito para melhorar a democracia, mas não está sendo suprido pelo mercado de jornalismo.

Na última fala dos convidados antes da intervenção do público, Marco Cepik, professor da Ufrgs e diretor do Centro de Estudos Internacionais sobre o Governo (CEGOV), apontou para a dificuldade de deliberação democrática, determinante na crise da representação. “Só a participação não nos leva necessariamente a mais democracia”, afirmou. A qualidade da democracia só seria melhorada ampliando-se a interação e o debate democrático, o que deve ser construído aqui, nesta sociedade, e agora. Para o professor, as novas tecnologias não seriam opostas aos Estados, mas forçariam que esses recursos fossem utilizados em prol de setores menosprezados. Sem entender as tecnologias como parte do esforço de reforma do Estado e da transformação das prioridades, arrisca-se a restringir as experiências de participação e de deliberação pelos meios digitais em uma parte isolada acessória das relações sociais. Para Cepik, as tecnologias devem ser articuladas com as mudanças nas esferas social e política.

Na interação com o público, Wu afirmou que a crise da democracia não representa que ela está em estágio terminal, mas que há um déficit que precisa ser discutido. Cepik argumentou que o risco da representação democrática advém da desigualdade social. Viana afirmou que há exemplos de ações democráticas e antidemocráticas, mas o discurso de que a mídia é antidemocrática é arriscado, o que pode ser exemplificado com a agressão contra o jornalista Caco Barcellos em uma das manifestações. Para a jornalista, o problema, no Brasil, seria que a produção de conteúdo jornalístico está, em sua maioria, nas mãos das empresas. “O que não se investiga no Brasil são as empresas”, afirmou. Gomes criticou o romantismo político e se disse descrente da suposta antidemocracia na mídia indagada por um participante. Para o professor, há uma diversidade de visões, e a possibilidade de escolher entre elas.

Para encerrar, Amadeu replicou ao público que há um discurso ideológico mascarado pelo discurso técnico. Problematizando com Gomes, declarou que é ingenuidade pensar nessa suposta opção em relação à grande mídia. O sociólogo criticou a ação da mídia tradicional nas manifestações e a mudança de discurso ao longo dos protestos. Além da atuação dos veículos, apontou para a interferência do capital na comunicação. “Não há opinião pública livre dessas influências dramáticas do capital”, afirmou. Confirmou que a crise existe há algum tempo, mas, agora, a tecnologia pode intervir para melhorar a democracia. “Agora ela [a democracia] tem uma crise que tem ferramentas para adaptá-la”, concluiu.

O Seminário Crise da Representação e Renovação da Democracia é um evento promovido pelo Gabinete Digital do Governo do Rio Grande do Sul. Nos dias 5 e 6 de setembro, no Palácio Piratini e na Casa de Cultura Mário Quintana, 25 convidados debatem sobre as possibilidades de renovação em instituições como o governo e a mídia, em resposta à insatisfação popular demonstrada pelas manifestações de junho ocorridas em todo o país.