Concebido o final do primeiro ato
Na gestão do governo, nos temas da campanha, nas relações políticas, todas as peças da reta final deste mandato da presidente Dilma Rousseff estão concebidas, inclusive o que se vai produzir no último ano do mandato, seus planos e estratégias. Não é muita coisa e nada de impeditiva complexidade, tudo fácil para ser executado e digerido pelo eleitor, o senhor da razão em 2014. Porém, há algo fora da ordem e, sobretudo, fora do controle da presidente, ainda: a Copa do Mundo e o que dela e do país farão os black blocs.
Embora não tenha ideia precisa do que é esse movimento de vândalos unidos que o poder público não consegue vencer, há no governo um conjunto de informações, ainda ligeiras, suficientes para apontá-los como detentores do poder de entortar a campanha da sucessão presidencial, podendo levar ao chão ou ao topo uma candidatura.
É a grande incógnita, a que tira o sono dos profissionais de campanha porque representa risco real de mudança do status quo, não só nas pesquisas, como na expectativa de sucesso dos programas que vão sustentar a candidatura à reeleição até o fim, inclusive e principalmente a Copa do Mundo: “Esse é o Rubicão, o resto é bobagem”, diz um integrante da campanha de Dilma.
Só os blocs podem alterar o curso do voo da reeleição
Os blocks são um grupo violento com atuação definida pelo governo Dilma como “muito inteligente”. Eles nada fazem sozinhos, não têm reivindicação a ser atendida, não estão reclamando, não apresentam propostas ao diálogo ou à negociação, não têm sua própria agenda. Seu sucesso e eficácia decorrem das alianças que fazem com os movimentos legítimos da sociedade. São alianças formais, que interessam aos grupos ditos pacíficos pois, segundo avaliam os analistas, os manifestantes consideram-se “apoiados” pelos blocks.
Fizeram alianças, por exemplo, com os professores do Rio, com os petroleiros em greve no leilão de Libra, com os protetores dos Beagles, em todas assumindo a inconsequência, o quebra-quebra sem agenda. Anotou-se, no governo, uma frase de apresentação registrada no movimento dos professores: “os companheiros black blocks estão aqui para nos ajudar, nos apoiar”, disseram os mestres.
As autoridades acompanham tudo e têm mais informações do que tinham há quatro meses, mas continuam no escuro quanto ao caráter imponderável da ação do grupo. A Copa vai ter blocks ou não? Onde? Abrigados em quais movimentos? Como reagirão as delegações estrangeiras?
Por isso é que, no plano das definições para o último ano do mandato, confundido com a campanha da reeleição desde o início do ano em curso, atribui-se à Copa o fator que pode mudar o quadro eleitoral.
Do ponto de vista político, os arranjos para o último ano estão feitos. A reforma ministerial já tem critérios definidos e começa a se efetivar em dezembro. A lógica da mudança é a da campanha, da solução melhor para a candidatura Dilma: o aumento do tempo de propaganda gratuita na televisão. Não se trata, mais, de uma reforma para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso. Aliás, o governo constata que nada vai lhe interessar na agenda do Congresso no ano que vem. Por isso a aliança determinante da reforma tem base na soma do tempo de propaganda gratuita na campanha reeleitoral.
O discurso, prontíssimo e em teste nas viagens – a uma média de dois Estados por semana -, abriga, na ausência de razão para manter a linha antiprivatista de muito sucesso no PT, o resgate do Fora FMI, reafirmando-se a independência do Brasil: “o FMI não manda mais em nós”. Velho? Caduco. Mas as pesquisas internas certamente ainda apontam apelo popular para esse ranço, senão a candidata não insistiria.
Entram no palanque os programas construídos com a marca da campanha. A grande ferramenta será o Mais Médicos, que transformou-se ao longo dos meses de concepção e acabou em contratação de profissionais cubanos para atuar no interior do Brasil sem exigências de validação do diploma ou critérios funcionais qualitativos. E como tal é a peça por excelência do palanque, é o programa prioritário, o número um da gestão Dilma na reta final do primeiro mandato. Servirá ao mesmo tempo à campanha da reeleição e à campanha da eleição do candidato ministro da Saúde para o governo de São Paulo, até aqui carente de realizações na sua área.
Até agora o Mais Médicos não conseguiu aparecer sem seus problemas e questionamentos legais. O governo está confiante, porém, em que, no ano que vem, com um homem de branco atendendo a uma criança, a uma grávida, a um índio nos rincões no Brasil, tudo embalado por João Santana para o horário eleitoral gratuito da TV, Dilma terá o seu equivalente Bolsa Família, o programa que vai identificá-la.
Outra iniciativa a dividir o palco deste último ano é o Pronatec, também com vocação da ambivalência, para funcionar na campanha e na prestação de contas. O governo considera que, na era PT, a gestão Fernando Haddad na Educação foi o Prouni (bolsas de estudo para universitários) e criação de cursos superiores. A gestão Aloizio Mercadante foi a formação técnica, para ter emprego e “subir na vida”.
Não se considera esse um programa pequeno para o palanque da reeleição: 4,2 milhões de profissionais técnicos já se formaram, e há um esforço novo de ligação entre o Pronatec e o Bolsa Família, para que o primeiro funcione como porta de saída do segundo. O governo enxerga no casamento da política social com a política de emprego um ato eficaz de campanha com potencial para ser exibido como resultado da gestão.
As concessões, a grande meta e prioridade do governo Dilma neste segundo semestre de 2013, entrarão ainda por 2014, com o adiamento do programa para ferrovias e rodovias, embora se espere que estejam funcionando efetivamente as privatizações de portos e aeroportos com seus resultados claros.
Quanto à economia, que determina todas as coisas no mundo das eleições, não há planejamento especial no governo ou no grupo da reeleição. Além de rezar, é a brincadeira que se faz ali. O que pode desviar o governo desse voo que imagina em céu de brigadeiro é a Copa. E o que dela fizerem os blocs.
Rosângela Bittar é chefe da Redaçãodo Valor Econômico, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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