Vez em quando me concedo um passeio pelo centro de São Paulo, ora por necessidade – quando preciso comprar algo, por ser mais fácil adquiri-lo no “centrão” – ora pelo simples prazer de caminhar no miolo desta cidade-monstro que tanto adoro. Como uma autêntica babel arquitetônica, onde o povo na rua é quase que uma síntese do que é o povo brasileiro e (por que não) do mundo, tal qual como são as metrópoles, traz consigo o passado e o futuro ao mesmo tempo…  caminhar, caminhando percebo essa São Paulo que também nos traz alegrias, lembranças, angústias…

Dia desses… primeira parada: Poupatempo da Luz, na Praça Alfredo Issa, ali na junção da Cásper Líbero com a Avenida Ipiranga, para pegar uma segunda via do RG  novinha em folha, mas, sempre com aquela foto 3×4 que raramente nos deixa minimamente bonitos. Bom, um problema burocrático a menos na vida, depois de tanto falarem que meu RG estava velho, imprestável (um nojo, na verdade), fui lá e cumprir minha tarefa. Ponto pra mim!

Sigo a empreitada de bom cidadão… na fila para retirar o dito RG sinto um negócio estranho no pé, ao olhar para o sapato (desses de “deiz real” mesmo) vejo que o danado simplesmente estava estourado. É, o barato me saiu caro, afinal de contas! A única solução é passar na primeira loja de sapatos e comprar alguma coisa para repor o pisante danificado. Algum tempo depois… finalmente pego meu novo RG e sigo (naquela situação que imaginas) para a próxima parada: loja Clóvis na Av. Ipiranga (fazer o que, né?). Feita a compra, logo calcei o dito cujo do sapato novo, mas eis que ganho de brinde, para minha surpresa, um calendário muito bonito com uma foto da Praça da Sé, em 1930. Legal! Agora o calendário enfeita meu armário ao lado da mesa na qual batuco essas palavras. Ponto para a preservação da memória!

Saio da Clóvis, chuva! Na verdade uma garoa mais grossa e imediatamente vêm à lembrança a clássica “São Paulo da Garoa, São Paulo de gente boa”. Cruzo a Avenida Rio Branco e chego à esquina mais famosa da cidade, Ipiranga com a São João –  “alguma coisa acontece no meu coração” (a mais caetanista esquina paulistana).

Entro na São João e não consigo deixar de sentir certo aperto no coração ao ver o antigo prédio do Cine Metro (inaugurado em 15 de março de 1938). Da adolescência ao início da vida adulta foram tantos os filmes assistidos ali e noutros daquela região, da chamada Cinelândia Paulistana… bons tempos! Hoje o Cine Metro é ocupado por uma dessas igrejas evangélicas que com seus “pastores eletrônicos” enche seus bolsos esvaziando a bondade alheia. Menos um ponto para a memória! Pena, pois raros são os cinemas de rua que sobrevivem e passam alguma coisa que preste.

Continuo minha caminhada central e entro na Rua Aurora, onde me deparo com pessoas estateladas no chão, sob as marquises de prédios, em situação total de indigência na rua, à mercê da própria sorte, acendendo um dos mais tristes vícios que estalam na cidade: crack, crack…  em farrapos, muitos ali provavelmente têm seus dias contados, devastados pela droga, assim, acabam esquecidos pela sociedade e pelo poder público – em parte por despreparo com tal situação em parte por cegueira com tão grave problema. Dói no peito, por me incluir na parte despreparada da sociedade, como pela mais pura sensação de impotência.

Volto a mim, então, e me lembro de que o tempo urge e preciso voltar à rotina, à correria que nos faz esquecer de olhar a cidade, rememorá-la. Ponto pra rotina!

*Altair Freitas é professor de história