Segundo o presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo, as “narrativas triunfais” da mídia, que festejou a expedição dos mandatos de prisão dos réus da Ação Penal 470 pelo presidente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, lembram a Idade Média, quando condenados em ritos da Inquisição eram lançados à fogueira.

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A tentativa de criar na “opinião pública” um clima de regozijo ignorou preceitos básicos da Justiça, como a negação aos réus do direito de serem julgados por duas instâncias do Poder Judiciário e a emissão de ordens de prisão mesmo para réus que ainda aguardam o julgamento de embargos infringentes, disse Renato Rabelo antes de iniciar a leitura do seu Informe Político do 13º Congresso do PCdoB. É o caso, por exemplo, do ex-ministro José Dirceu, que não tinha cargo eletivo e deveria ser julgado pela Justiça comum, em primeira instância. Mas o STF decidiu manter numa mesma ação todos os réus, com ou sem foro privilegiado, e realizou diretamente o julgamento.

Jusrisprudência

A decisão difere do tratamento dado aos acusados de envolvimento no “mensalão” do PSDB em Minas Gerais — apenas o deputado Eduardo Azeredo (PSDB), ex-governador, e o senador Clésio Andrade (PMDB) poderão ser julgados pelo Supremo. “O fundamento para recorrer à Corte Interamericana é que ele não teve o duplo grau de jurisdição. O Brasil assinou vários tratados internacionais que asseguram a qualquer acusado o duplo grau de jurisdição”, disse o advogado de José Dirceu, José de Oliveira Lima.

Ele denunciou que o ex-ministro está sendo vítima de uma decisão “arbitrária e ilegal”. “A primeira ilegalidade contra meu cliente já foi praticada, uma vez que o mandado de prisão não determina o regime fechado”, informou. “Como advogado, respeito a decisão do Supremo, mas respeitar não quer dizer que concorde. O STF fechou os olhos para centenas de depoimentos, para a inexistência de provas e depoimentos que incriminassem o ex-ministro José Dirceu”, argumentou. “A determinação da execução da pena pelo crime de corrupção ativa, entendemos que esse fracionamento do trânsito em julgado não corresponde ao melhor Direito e não corresponde à jurisprudência do STF.”

Casuísmo

Renato Rabelo sublinhou que juristas de renome se pronunciaram mostrando que muitos dos réus foram condenados sem provas a penas desproporcionais. “O PCdoB não vê motivos para festa e nem julga que a justiça esteja sendo feita. No dia de hoje, reiteramos a posição que tomamos em dezembro de 2012. Este julgamento, desde o seu fato desencadeador, foi eminentemente político com o fito de desestabilizar o ciclo progressista iniciado em 2003. O processo tramitou sob forte pressão midiática que, a priori, execrou e condenou os acusados, independentemente de provas”, destacou.

O presidente do PCdoB lembrou que o STF já adotou decisões favoráveis à democracia e à garantia dos direitos individuais, mas, como os outros Poderes, não é infalível. “Neste caso chegou a alterar a jurisprudência, adotando a chamada ‘teoria do domínio funcional do fato’ que, tal como foi interpretada, abriu brecha para condenações sem comprovação de culpa”, afirmou. Renato Rabelo disse que, além do Partido dos Trabalhadores (PT), entre os partidos apenas o PCdoB se pronunciou oficialmente sobre este processo.

Em nota, Rui Falcão, o presidente do PT, disse que a determinação do STF para a execução imediata das penas constitui casuísmo jurídico e fere o princípio da ampla defesa. “Embora caiba aos companheiros acatar a decisão, o PT reafirma a posição anteriormente manifestada em nota da Comissão Executiva Nacional, em novembro de 2012, que considerou o julgamento injusto, nitidamente político, e alheio a provas dos autos”, registrou. Rui Falcão reiterou que nenhum dos filiados ao PT comprou votos no Congresso Nacional, nem tampouco houve pagamento de mesada a parlamentares. “Reafirmamos, também, que não houve da parte dos petistas condenados utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal para enriquecimento”, destacou.

Dignidade

As arbitrariedades atingiram também o deputado federal José Genoino (PT-SP). Em entrevista a Agência Brasil, Wadih Damous, representante da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), condenou a detenção do deputado José Genoino (PT-SP) em regime fechado, o que configura “uma ilegalidade e uma arbitrariedade”. “É sempre bom lembrar que a prisão de condenados judiciais deve ser feita com respeito à dignidade da pessoa humana e não servir de objeto de espetacularização midiática e nem para linchamentos morais descabidos”, observou Damous.

Em nota, ele lamentou a decisão de Barbosa. “O estado de saúde do deputado José Genoino requer atenção. A sua prisão em regime fechado por si só configura uma ilegalidade e uma arbitrariedade. Seus advogados já chamaram a atenção para esses dois fatos mas, infelizmente, o pedido não foi apreciado na mesma rapidez que a prisão foi decretada.

O líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, José Guimarães — que é irmão de Genoino — disse que Joaquim Barbosa atuou no episódio final do caso do mesmo modo que se comportou durante todo o julgamento da Ação Penal 470: de olho no espetáculo e na repercussão midiática. O deputado federal petista Paulo Teixeira também criticou a atuação sensacionalista do presidente do STF. “O que está acontecendo demonstra desejo de Joaquim Barbosa produzir imagens. Ele tem um objetivo político e o realizou à revelia da lei que deveria cumprir”, afirmou. “O STF deveria preservar a Constituição, mas passou a dialogar com certos setores que exigiam um linchamento. Barbosa cumpriu o roteiro midiático.”

Vale tudo

O presidente do PT em São Paulo, Emídio de Souza, disse que o partido “está indignado com a maneira como estão sendo conduzidas as prisões e com o aprisionamento em regime fechado”. “Especificamente a prisão do Genoino (por sua condição de saúde), é um escândalo, um escárnio. O ministro Joaquim Barbosa está agindo como não deve agir a Justiça: com postura de vingança”.

O partido distribuiu “nota de conjuntura”, em que reitera que “parte significativa do esforço da oposição política, partidária, midiática e social tem sido a repercussão à exaustão das condenações”. No comunicado, a direção da legenda aponta que “vale tudo” para tentar barrar a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. “Contam a seu favor neste momento com a ação orquestrada na mídia monopolizada, bem como com a simpatia de setores do grande capital, e de altos funcionários do aparelho judiciário e do Ministério Público”, conclui o documento.

Em mensagem por intermédio do seu advogado, José Genoino também denunciou a arbitrariedade da decisão do presidente do STF. “Estamos presos em regime fechado, sendo que fui condenado ao semiaberto. Isso é uma grande e grave arbitrariedade, mais uma na farsa surreal que é todo esse processo, no qual fui condenado sem qualquer prova, sem um indício sequer. Sou preso político e estou muito doente. Se morrer aqui, o povo livre deste país que ajudamos a construir saberá apontar os meus algozes!”