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Nesta sexta-feira, 14 de março, o auditório da sede nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) transformou-se num espaço privilegiado para um diálogo franco entre lideranças sociais e o Governo Federal, no que tange ao debate sobre a realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil, permeado de polemizações e críticas.  Numa iniciativa das fundações Maurício Grabois e Perseu Abramo, a oficina trouxe, na parte da manhã, o secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luis Fernandes, e o secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, Diogo de Santana. Participaram do diálogo lideranças de movimentos sociais, intelectuais, entidades, esportistas, parlamentares, gestores, blogueiros, entre outros.

O presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, enfatizou a preocupação de promover esse encontro para debater a Copa do Mundo, já que todos os grandes eventos são alvo de luta de ideias e disputa política.”A polêmica sobre a Copa é impactada pela sucessão presidencial  e mesmo pela contraofensiva que o imperialismo empreende na América Latina para interromper o ciclo progressista iniciado em 1998 na Venezuela seguido de outras vitórias do povo, como a de Lula, em 2002.”  As manifestações contra a Copa se sucedem. Não temos problema algum com manifestações, muito ao contrário, a esquerda nasceu nas ruas, e mais do que nunca, temos a certeza que as mudanças precisam do povo nas ruas com suas bandeiras. Divergimos de quem em nome de todos resolve proclamar “que não haverá Copa” e nos opomos à minúscula parcela que usa a violência nas manifestações não se preocupando, inclusive, se esta violência vai atingir o próprio povo. Igualmente nos opomos à repressão policial contra movimentos sociais.”

“Pretendemos com essa oficina esclarecer dúvidas, propiciar um diálogo visando esclarecer controvérsias que envolvem a Copa e, através disso, potencializar uma ação na sociedade de apoio a realização do evento no Brasil”, afirmou. Segundo ele, as duas fundações têm opinião de que a Copa é importante para o Brasil, e criam um ambiente para que controvérsias venham a tona e propiciem subsídios para contribuir com um conjunto de ações dos movimentos e da intelectualidade, para fortalecer uma corrente de opinião, que tenha visão crítica sobre aspectos da Copa, mas que defenda que o evento é importante para o Brasil.

Caráter progressista

Fernandes defende a realização de megaeventos esportivos no país como uma oportunidade ímpar para alavancar o Projeto Nacional de Desenvolvimento. “Tivemos uma dupla vitória, com a Copa e a Olimpíada, pois não é simples implementar um projeto nacional de desenvolvimento, que prevê crescimento econômico, distribuição de renda e redução da desigualdade, num contexto em que herdamos um mecanismo de transferência de renda do setor público para o capital, por meio da dívida pública”, explica ele, referindo-se à pressão do setor financeiro pelo aumento da taxa de juros. Segundo o jornal O Globo, citou ele, o impacto da flutuação do juros representou R$ 41 bi pagos da dívida pública, em 12 meses, o que equivale a cinco vezes o investimento nas arenas da Copa. “Através do destravamento dos investimentos, queremos nos contrapor a concentração de recursos no setor financeiro”.

Esta pressão financeira se reflete nas grandes corporações de mídia nacional, que atuam contra gastos públicos, estimulando as políticas fiscais neoliberais, que burocratizam os investimentos. Com a realização dos eventos, o Governo pôde trabalhar para destravar a burocracia e acelerar licitações de obras de infraestrutura para avançar o desenvolvimento de todo o país. “Eram obras já previstas, mas que, em circunstâncias normais, demorariam mais tempo para serem executadas. Com a Copa, mesmo as obras que não serão entregues a tempo do evento, já estão sendo encaminhadas”, disse Fernandes. As novas condições de investimento, explica ele, não são contabilizadas como mecanismos de gastos, além de haver um regime diferenciado de contratação para superar os entraves da burocracia do aparelho de estado.

 

Fernandes apontou as falsas polêmicas presentes na mídia, que ele acredita serem intencionais e terem motivação política. Ele citou os números de investimentos em obras de mobilidade urbana, aeroportos, portos, segurança e defesa, telecomunicações e capacitação para turismo, totalizando cerca de $ 26 bi, que setores dominantes da mídia contabilizam como “custo Copa”. “Não são custos da Copa, mas opções do governo para o desenvolvimento do país”, reitera ele, enfatizando que as únicas especificações da Fifa para realização do evento no país dizem respeito à readequação das arenas e estruturas complementares em torno do evento. “Ainda assim, mesmo os estádios ficam como importantes legados esportivos e são arenas multiuso para shows, convenções e outros eventos, além de jogos”.

Outro “falso antagonismo” presente no debate, diz respeito à contraposição entre gastos da Copa e investimentos em saúde e educação. “Um antagonismo falso, porque  nunca se investiu tanto nestas áreas, como nesse período recente”, afirmou.  Segundo planilhas apresentadas, são R$ 311 bi para educação, até 2013, e R$ 447 bi para saúde, só do governo federal, neste mesmo período.

“Trata-se de uma empulhação politicamente motivada, que não corresponde aos fatos e dados da questão”, acusa ele, mencionando as tais “remoções da Copa”. Segundo afirma Fernandes, as remoções de famílias de áreas que se tornaram canteiros de obras relacionados com a Copa, “é zero”. “Há remoções associadas aos projetos de mobilidade urbana, que seriam realizados independente da Copa, uma dimensão que procuramos evitar. São menos de 10 mil atingidos, com todos os seus direitos garantidos e preservados”, garante ele, ressaltando que muitos desses projetos de transporte público atendem a reivindicações das manifestações, que estavam interditados por tanto tempo, que foram colocados na ordem do dia.

Fernandes citou um pequeno exemplo de legado desses investimentos alavancados pela Copa, em que o Programa Nacional de Banda Larga integrou a região Amazônica com o resto do Brasil via cabos de fibra ótica de alta velocidade. Até então, as cidades da Amazônia dependiam de serviços caros e inferiores via satélite.

Fernandes insiste na importância da militância de esquerda dominar “os números e conceitos básicos”, pois a luta política em torno do evento não está superada. “Vai se aprofundar, e não esmaecer, como ponto central até as eleições”. Para ele, muitos “companheiros” embarcam no discurso fácil, presente na mídia, de que a Fifa é uma entidade corrupta e imperialista, que manda e desmanda, impondo condições, enquanto o governo se dobra e faz tudo que a Fifa quer. “Identificam um adversário e descrevem o governo como inepto. No entanto, o grosso das nossas decisões foram soberanas, sobre onde investir e antecipar temas que explodiram nas manifestações, como mobilidade urbana”.

Diante de críticas de que não haveria um legado para o esporte nacional, Fernandes atacou apresentando a agenda do desenvolvimento do esporte nacional, parcialmente potencializada pela Copa do Mundo. “Existe uma meta de massificação do esporte  através da escola, com um conjunto de iniciativas voltadas para isso”. A modernização e reforma do futebol é outro diálogo mantido entre o governo e movimentos como o Bom Senso Futebol Clube, que critica o monopólio de mídia sobre os jogos. “Como viabilizar que pequenos clubes não sejam destruídos com a logica da terceirização de jogadores por empresários?” indaga ele, apontando um dos questionamentos que move o Ministério em sua atuação.

Ele também acolheu as críticas à comunicação do Governo, por ter ficado na defensiva diante das críticas, acreditando que a paixão brasileira pelo futebol fosse suficiente para dirimir os focos de resistência. “Temos que ter algumas mensagens fortes de cunho social associadas a Copa. Não podemos nos dispersar em dezenas de mensagens, e o combate ao racismo e à discriminação no contexto da Copa, criando um ambiente de congraçamento dos povos e não de ódio, pode ser a grande deixa para esta estratégia de comunicação”.

“As críticas sobre a elitização do futebol são procedentes, e representam uma preocupação do Governo em criar políticas públicas, por exemplo, na gestão das arenas da Copa”, admitiu. O vice-ministro refere-se à lógica do lucro, em que, para agregar valor ao consumo nos estádios, é preciso elitizar a frequência. “Hoje, a maioria dos frequentadores é de classes C, D e E e mudar o perfil do torcedor é o desafio desses empreendedores do futebol”. O Governo quer garantir a presença deste torcedor com renda menor nas arenas.

O legado político

Um dos responsáveis, no Governo Federal, pelo diálogo com os movimentos sociais, Santana expressou preocupação com os efeitos da radicalização das manifestações contra a Copa, que ocorrerá “num momento de muita melhora das políticas públicas e vigor democrático e participação da sociedade civil”.

Ele destacou que as “manifestações de junho” jogaram luz num conjunto importante de reivindicações dos movimentos sociais e da juventude. “Muito mais que explicar a Copa como um todo e os números positivos e de investimento, também precisamos discutir as insuficiências do Brasil para avançar. Nesse sentido, o Governo teve que se posicionar firmemente em favor do projeto. A Copa é um evento muito importante do ponto de vista do projeto democrático e popular para o Brasil, mas apresenta potencialidades e perigos detectáveis.”

Quando se debruça sobre estes elementos, Santana diz observar que grande parte das reivindicações têm forte atendimento do Governo, além de já estarem na agenda nacional de maneira muito intensa.

De quem partiu o tema da mobilidade urbana, da reforma urbana e da justiça nas cidades, senão do Governo, ao agendá-los a partir da criação do Ministério das Cidades? O tema da mobilidade urbana tematizado pelo Movimento Passe Livre já contava com investimentos da ordem de R$ 93 bi, antes das manifestações, que aumentou mais R$ 50 bi, a partir do diálogo com os movimentos. “Foram as manifestações que permitiram que o governo lançasse o programa Mais Médicos, e permitiu trazer os médicos cubanos”, lembrou.

Antes de mencionar os perigos detectados após manifestações, Santana considera importante observar que a atuação da presidenta Dilma foi muito elogiada internacionalmente. No prefácio de seu livro mais recente, Redes de Indignação e Esperança, Manuel Castells destaca a reação de diálogo e respeito da presidenta com os manifestantes, diferenciando-se de outros governos na mesma situação.

Num segundo momento das manifestações, por erro político das lideranças de esquerda e do Governo, houve uma “troca de narrativas” com rumo bastante conservador, segundo a avaliação de Santana.  “O slogan Não Vai Ter Copa é um equívoco histórico, péssimo para o país. E não dialoga, pois se apresenta como negação, perdendo a oportunidade de afirmar a educação e saúde, em vez disso”.

Santana aponta que a tática política violenta dos black bloc nao gerou resultados positivos em nenhum lugar do mundo para a população mais pobre. “É uma tática que afasta a população das manifestações, deslegitima-as e acaba se transformando em caso de polícia. Somada às dificuldades do campo da segurança pública em lidar com movimentos de massa, gera química difícil de administrar no país”.

Ele garante ter feito o diálogo, inclusive, com o movimento Não Vai Ter Copa, quando procura dizer da necessidade de uma estratégia de defesa de contribuições para a população. “O maior debate que temos enfrentado hoje é o da afirmação da institucionalidade para avanço das reivindicações dos movimentos sociais. Que rumo seguir? A tática da ação direta, de negação do governo, para questionar o capitalismo, ou combinar ação na institucionalidade para gerar resultados positivos para a população brasileira?”

Santana parafraseou João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Sem Terra (MST), em sua síntese sobre a maneira com que a questão da Copa tem sido conduzida. “A Copa é um evento esportivo que passa. O que fica? Uma herança de endurecimento da segurança policial e da deslegitimação dos movimentos sociais.”

Ele citou um exemplo de como “sair da retranca” e avançar tanto na defesa do evento, como no legado social. O Movimento dos Recicladores de Materiais foi na Coca-Cola e exigiu estar nos estádios, no que teve o apoio do governo. Ele citou outras iniciativas da Abong e da Ação Educativa, no sentido da inclusão de jovens, além da campanha “Chute no Preconceito” do Tinga, que chegou a afirmar que, como jogador, fica envergonhado da sua classe não liderar esse movimento.

Diálogo franco

Ao final das apresentações, os gestores públicos ouviram comentários críticos de Carla Bueno, secretária-geral do Levante Popular, que apontou para temas como a apropriação do futebol pelas grandes corporações capitalistas, a questão do turismo sexual, que é “uma forma de vender a Copa”.

André Tokarski, presidente da UJS, lembrou que o cenário da Copa em 1950 era similar, com o Lacerdismo fazendo oposição ferrenha ao evento no Brasil. Também afirmou que o movimento Não Vai Ter Copa tenta ser a continuidade do movimento da Jornada de Junho, tendo parcela de legitimidade para isso, mas não repetindo o caráter e amplitude daquele. “A Oposição tenta tornar a Copa o principal tema de derrota eleitoral com cobertura ao vivo de todos os grandes veículos para uma pequena manifestação contra a Copa.” Para ele, o Governo não pode vacilar com legislação antiterrorismo, que contribui para turvar o debate das reformas democráticas que o Brasil precisa fazer. “O Brasil tem patrimônio legislativo mais do que suficiente para garantir segurança em eventos.”

João Brandão, especialista em políticas públicas da Universidade do Rio de Janeiro, chamou a atenção da mesa para o legado para a cultura do esporte brasileiro. Ele admitiu a importância de políticas como Bolsa Atleta, mas lamentou as condições precárias da escola pública para a prática esportiva. “A proposta do Segundo Tempo é bela, e boa onde funciona, mas não dialoga com o histórico da escola e oferece apenas o futebol”.

Nivaldo Santana, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), diz que o Governo tenta empatar o jogo, já que levou duas bolas nas costas. Para ele, o debate é umbilicalmente ligado a sucessão presidencial e questiona o modo como temas impostos pela mídia para negativar a Copa acabavam virando agenda dos movimentos sociais, como a questão do turismo sexual. O sindicalista sente falta de propaganda institucional para disputar de forma decidida a luta de ideias. “O governo sentiu que a Copa virou um problema e foi pra defensiva para não se contaminar. Quem joga na defensiva não faz gol”.

Eduardo Granja, coordenador do Setorial de Esporte e Lazer do PT, criticou a ausência das Conferências de Esporte e Lazer durante o Governo Dilma, quando mais precisaria, quando fez três encontros similares durante o Governo Lula. “Uma grande perda de oportunidade de dialogar com a sociedade sobre a Copa”. Entre as ofensivas que apresentou, o militante sugere um plano nacional de recuperação de campos de várzea integrados no projeto de reforma urbana, aproveitando a Copa. Também propôs a realização integrada com o evento principal, de uma Copa de Futebol de Várzea. “Ainda dá tempo”.

Vivian Farias, da Executiva Nacional do PT, disse que não há como tergiversar de que estamos diante de uma disputa de projetos. Ela ressaltou que Dilma fez um “gol de placa” ao atacar o racismo no futebol.

Marcos Bocardo, da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol, também membro do Setorial do PT de Santo André, culpabilizou pela crise simbólica da Copa tanto os protagonistas do esporte que não participam da política, quanto das lideranças políticas e sociais, que sempre deixam o esporte em segundo plano. “Esportistas têm como prática defender a imagem do Brasil. E não fomos chamados para essa tarefa”. Vágner Mancini, idealizador da Federação, também se expressou dispondo-se  a contribuir para o debate.

Walter da Silva, assessor de esporte da liderança do PT na Assembleia Legislativa lamentou o atraso na realização do diálogo com a sociedade.  Para ele, este debate pode chegar à população desinformada através de jornais de bairro, rádios comunitárias, em contraponto à grande mídia “que recebe dinheiro do Governo para falar mal da gente”.

O evento ainda dedicou um minuto de silêncio para a morte repentina do jovem militante do movimento comunitário, Marinho de Assis Toledo, diretor da UJS.