O Syriza foi derrotado na primeira ronda de negociações. Após um período de provocação divertida, em que ganharam o apoio da esmagadora maioria do povo grego – 80% segundo uma sondagem feita antes do último acordo, publicada no jornal Avgi – eles regressaram com trocos. Levados a um ponto onde já estavam em risco de colapso do sistema bancário, e não preparados para a Grexit (por isso incapazes de usá-la como moeda de troca), levaram uma goleada total.

Tsipras tentou embelezar isto o melhor que pôde, mas o que ele disse foi delirante. Afirmou que o acordo mostra que a Europa defende compromissos com benefícios mútuos. Não há nada disso. Ela defende, como Schãuble se vangloriou, que o Syriza seja obrigado a pôr em prática a austeridade contrariando o mandato que obteve. Ela defende o esmagamento da democracia a nível nacional.

Tsipras disse que o acordo cria o enquadramento para o Syriza combater a crise humanitária. Ao comprometer-se com um excedente primário e com a supervisão da troika, não cria nada disso. Nem com a concordância do Syriza de não desmantelar “unilateralmente” a austeridade. Podemos admitir que um excedente primário de 1,5% é melhor que um de 4,5%. Mas mesmo 1.5% numa economia deprimida é duro, e junto com a avaliação da troika sobre as reformas para a sustentabilidade orçamental (segundo as máximas neoliberais), isto representa um repúdio da maior parte da agenda de reformas do Syriza.

Tsipras disse que a austeridade e o memorando ficaram para trás. Isso é precisamente o contrário do que aconteceu. O programa de Salónica, que já era uma agenda cuidadosamente aparada e privada dos objetivos mais radicais do Syriza, é que ficou para trás.

Mas o problema com o discurso de Tsipras vai mais longe. Não é apenas delirante. Ele vem recalibrar o discurso e objetivos do governo de forma a racionalizar não apenas esta destruição como as derrotas futuras. Ao dizer que a austeridade e o Memorando ficaram para trás com este acordo, o governo muda as balizas e os termos das negociações futuras.

E é parcialmente por isto que estão enganados os que falam em “ganhar tempo”. O tempo não é uma simples quantidade que um dos lados pode ganhar. As classes dominantes da UE também “ganharam tempo”, e elas dispõem dos recursos e estão ao ataque, enquanto o Syriza recuou. Não há motivo para achar que daqui a quatro meses a posição do Syriza será melhor que a que tem agora. Já enfraqueceu a sua postura, enquanto a sua posição política, após quatro meses de austeridade continuada, será provavelmente pior.

Mas dificilmente se pode pôr as culpas de tudo isto no Syriza. Eles estão numa posição de fraqueza e é duvidoso que qualquer governo tivesse conseguido melhor contra uma UE determinada a humilhar a Grécia. Ainda assim, a linha de Tsipras e Varoufakis é simplesmente insustentável. O seu compromisso em tentar resolver esta crise no quadro do euro só pode fracassar. Eles estavam errados ao pensarem que encontrariam um único aliado ou interlocutor na UE. Os governos do sul da Europa são ainda mais fanáticos que Berlim nesta matéria. Hollande, longe de ser uma cara amigável, disse logo ao Syriza para esquecer isso: ele tomou a sua decisão sobre a austeridade já há algum tempo.

A questão da moeda, então, não era apenas uma distração nacionalista como alguns diziam: conseguir a eleição de um governo com o objetivo concreto de confrontar a UE e lutar para derrubar a austeridade iria sempre confrontar-se com esta questão.

A alternativa, a que podemos chamar uma Grexit do Povo, está longe de ser simples, como sublinha Dave Renton no mais recente da excelente série de posts sobre a Grécia. Os riscos económicos seriam consideráveis. Iria ser necessária não apenas preparação económica, ou jogos de guerra secretos, mas também preparativos sociais e políticos enormes. Seria precisa a mobilização de um movimento de trabalhadores que tem estado relativamente sossegado desde 2012. E seria necessário um governo disposto a arriscar o isolamento político e económico dos parceiros comerciais e uma luta até ao fim com os oligarcas, a Direita e os aparelhos repressivos do Estado pelo futuro da sociedade grega.

Apesar disso, agora iremos assistir a uma enorme discussão interna no Syriza sobre a aceitação deste acordo, e o velho slogan do “nem mais um sacrifício pelo euro” estará de volta. Manolis Glezos, uma figura simbólica da resistência antifascista e destacada do Syriza, foi o primeiro a vir a público com a sua discordância. Ele apela a uma campanha de alto a baixo no partido para não aceitar este acordo eirá votar contra ele. Não será o último. Na próxima semana há um comício na Praça Syntagma, com o slogan “Não temos medo da Grexit”.

Não temos o direito de nos surpreendermos com isto. E não apenas porque fomos avisados por fontes bem informadas que estava a haver um recuo. Mesmo que ele fosse inevitável, sabíamos muito bem que o equilíbrio de forças favoreciam precisamente este tipo de derrota. Se não soubéssemos que um governo do Syriza iria estar em “crise perpétua”, ser um “enclave sob assalto constante do capital e dos media”, não devíamos estar neste jogo. Se não adivinhássemos que Berlim ia querer “fazer da Grécia um exemplo fosse como fosse”, e que quaisquer concessões dadas seriam provavelmente “deliberadamente insultuosas”, estaríamos mesmo distraídos.

Podemos ficar desiludidos, mas não admirados. Mas atirar a toalha ao chão também só é possível com um certo grau de desprendimento – o tipo de desprendimento que permite a alguns esquerdistas parecerem ainda mais triunfantes sobre a derrota do Syriza do que o próprio Schãuble. Esta ainda é uma situação bem melhor e bem mais em aberto do que se a Nova Democracia tivesse sido reeleita. Mesmo as reformas mais modestas a favor dos imigrantes, dos direitos negociais dos trabalhadores e de quem protesta – supondo que não serão desfeitas pela troika – valem a pena. E é apenas porque temos agora a experiência de um governo anti-austeridade a ser encostado à parede na sua tentativa de reverter a austeridade na zona euro que podemos considerar a emergência de um eleitorado anti-euro significativo na Grécia. Para mais, haverá oportunidades para o construir: de cada vez que a troika rejeitar uma reforma necessária, isso pode e deve ser mostrado como um ensinamento sobre o que a Europa significa.

Estamos perante, como foi previsto por quem ande com os olhos abertos, um ponto nodal e não o ponto final no caminho dos trabalhadores gregos para encontrarem uma solução para o seu dilema.

Richard Seymour é escritor, colunista e blogger. Artigo publicado no blogue Lenin’s Tomb. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.