Não há custos inscritos no programa da Grécia, e por isso não há forma de calcular a quantidade de “folga orçamental” que o país ganhou em relação à antiga troika. “Folga orçamental” na crise grega é o termo usado para não-austeridade: que quantidade de alívio da austeridade ganhou o eleitorado grego ao pôr no poder a coligação Syriza-ANEL?

Não saberemos a resposta até que seja preenchido um espaço em branco fundamental. A Grécia supostamente deveria obter um superavit primário no seu orçamento – isto é, o oposto a um défice – na casa dos 4% do PIB. Como a economia está em retrocesso devido à incerteza, e as receitas fiscais secaram nos últimos dois meses do anterior governo, esta meta é impossível – e para atingi-la seria necessário aplicar ainda mais cortes aos gastos públicos.

Assim, quando soubermos qual o orçamento global da Grécia para este ano – e Varoufakis quer um superavit de apenas 1,5% do PIB – teremos a base para calcular os custos do que planeiam fazer.

Como se disse antes, parece que as autoridades gregas vão ser autorizadas a avançar o aspecto humanitário do chamado programa de Salónica – isto é, medidas para combater a pobreza. Isto, e uma das mais agressivas ofensivas contra a evasão fiscal jamais planeada no mundo ocidental, são a peça central do plano de Varoufakis.

Se lhes permitirem usar os € 10.000 milhões de um fundo reservado a recapitalizar os bancos, as questões que sobram são as que separam a esquerda radical do centro: privatizações, direitos sindicais, serviço nacional de saúde universal e salário mínimo.

Em todas estas questões, as implicações orçamentais são completamente dependentes da forma como forem implementadas. Reverter as privatizações, por exemplo, sempre teria uma prioridade baixa na lista do Syriza; deixar que se concretizem as que já estão em processo soa como uma retirada. Mas privatizar um porto onde os trabalhadores têm garantidos os direitos sindicais e onde o governo se recusa a aceitar comissões e tem apoio moral, é muito diferente do antigo sistema. O meu palpite é que essas privatizações que estão em processo vão prosseguir muito lentamente.

Quanto às pensões, limitar a tradição grega de reformar-se cedo vai exigir um “rendimento básico garantido” para os mais de 50 anos – uma linha de promessas não menos radicais.

Outra promessa – acesso universal ao sistema de saúde num país onde dezenas de milhares o tinham perdido – seria uma das mais importantes reformas. Libertaria o mercado de trabalho para os jovens, porque estabelecer-se com trabalhador independente implica reduzir os custos do auto-seguro para manter o acesso à saúde pública.

É comum ouvir políticos ocidentais prometer a retomada do crescimento e o equilíbrio das contas através de poupanças conseguidas pela eficiência e por uma guerra à burocracia. Mas a Grécia é um país onde a ineficiência e a burocracia estão tão entrincheirados que poderia realmente ter sucesso. E vai ter de ter, porque com ou sem tecla de €, as folhas de cálculo do sr. Varoufakis não vão fechar de outra forma.

O acordo com os credores ainda deixa a Grécia sob um controlo semana a semana, já que o governo tem pouco dinheiro em caixa. E se as receitas fiscais não recuperarem, o país pode precisar de mais em termos de empréstimos de curto-prazo.

Mas a parte orçamental desta história não é a história toda. O que aconteceu em 25 de janeiro foi uma revolução social e psicológica: o fim de um período que começou em dezembro de 1944, quando a esquerda foi excluída do poder na Grécia.

Muitas pessoas que votaram no Syriza estão, em privado, contra o nível da retirada – mas culpam em primeiro lugar a Alemanha, em segundo lugar a Europa e o seu governo num terceiro lugar muito distante. Por enquanto, engolirão a evisceração do programa do seu partido com duas condições: uma, que o governo continue a aplicar políticas sem impacto orçamental. Não custa nada, por exemplo, dissolver a detestada polícia de choque DELTA, criada depois das mobilizações de 2008. O plano atual é “fundi-la” com a mais estabelecida, menos infiltrada por fascistas polícia de choque comum. Também esperaria que as autoridades tributárias fortalecidas usassem mão pesada nalguns membros simbólicos da chamada oligarquia.

Um sucesso nestas questões mal seria notado pelo BCE, mas seria visto como um cumprimento de promessas pelos 42% dos eleitores que votaram na esquerda em 25 de janeiro.

No fim, porém, pode ter de haver uma segunda grande viragem na Grécia. A direção do Syriza calculou mal o nível de apoio que teria da Itália, da Alemanha, do Reino Unido e dos Estados Unidos – todos eles queriam que as instituições tratassem o governo grego com menos severidade do que fizeram.

O choque nos escalões superiores do Syriza, simbolizados pela expressão no rosto de Alexis Tsipras quando discursou para a nação no sábado, foi real. Foi o choque da tomada de consciência de que a Alemanha era mais forte do que a Itália e a França juntas, e que não há espaço dentro do euro para um governo de esquerda radical.

Desde que isto ficou claro, muitos gregos comuns, e alguns políticos e conselheiros que antes eram pró-euro chegaram à conclusão de que o Syriza devia preparar a Grécia para uma “saída controlada”. Em vez de “sermos empurrados para fora”, deveria ser apresentada como “escapámos” – e penso que por mais positivo que seja o acordo atual, a pressão para o Grexit vai crescer à medida que os constrangimentos se tornarem óbvios.

Publicado no blog de Paul Mason no Channel Four.

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net