Sindicalistas e estudiosos do direito trabalhista mostram porque é importante combater a proposta de terceirização da atividade-fim aprovada na Câmara dos Deputados. O debate ocorrido nesta quinta-feira, 13, na sede do Comitê Central do PCdoB, foi promovido pela Fundação Maurício Grabois e sua seção paulista.

Contribuiram com as apresentações e análises, o advogado e mestre em filosofia pela Unicamp, Hudson Marcelo da Silva, também editor do site Direito e Sindicalismo, além do sociólogo da Unicamp, Sávio Cavalcante e o vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, Nivaldo Santana. André Bezerra, o secretário de Organização do PCdoB-SP, coordenou a mesa.

A agenda patronal
Nivaldo Santana, apresentou os dados de estudos sindicais que apontam para salários muito baixos e alta rotatividade entre profissionais terceirizados. Um “raio x” do mercado de trabalho mostra que ele encontra-se bastante desregulamentado, de acordo com o sindicalista. Os profissionais celetistas ou estatutários são apenas metade do conjunto. “São cerca de 11 a 12 milhões de terceirizados, subempregados, que ganham menos e têm precária representação sindical. O objetivo do PL é trazer os demais trabalhadores para o patamar desses 11 milhões”, revela ele.

Segundo Santana, a perda de produtividade da economia brasileira é principalmente atribuída ao custo dos salários, ainda que sejam baixos comparativamente, mas também a fatores como câmbio, burocracia, logística, entre outros. “Segundo os setores patronais, o custo do trabalho no Brasil é um obstáculo à modernização e ao aumento da produtividade e melhora da competitividade no país”.

No mundo sindical, há um consenso de que a universalização da terceirização tem como objetivo principal desmontar todo o arcabouço de proteção trabalhista conquistado ao longo da história do país. “Além da jabuticaba, vamos ter outra peculiaridade brasileira, a empresa sem empregados, apenas com terceirizados”, ironizou.

Santana ressalta que o trabalho maior da CTB, como central sindical, é lutar por desenvolvimento e valorização do trabalho, mantendo e ampliando direitos, formalizando as relações de trabalho, missões que se enfraquecem brutalmente diante da aprovação do PL 4330/2004. “O projeto da terceirizaçãovai na contramão de tudo isso”.

“Não somos contra regulamentar alguns aspectos da terceirização”, pondera o líder sindical, referindo-se ao avanço na garantia de direitos para os atuais profissionais terceirizados. Mas ele tem clareza de que este projeto se insere numa lógica conjuntural de crise internacional, que exige a desregulamentação e aprofundamento da exploração do trabalho, regredindo avanços civilizacionais alcançados no último período.

Outro aspecto abordado por ele, frente ao debate sobre a estrutura sindical, foi que a alta rotatividade detectada entre terceirizadas, possibilita que o trabalhador não tenha identidade de categoria. “Antes, o Lula ia na frente da Volks e nem precisava convocar, já tinha 40 mil trabalhadores numa assembleia. Essa fragmentação tornou mais difícil o trabalho sindical”, comparou.

Ele também “mal-comparou” a defesa da unicidade e da contribuição sindical com a reforma política que defendia o financiamento público de campanhas eleitorais para evitar a intervenção privada nos mandatos políticos. “Se o movimento sindical não tiver a sustentação dos próprios trabalhadores, alguém vai financiar. Quem tem dinheiro?”, indagou ele, referindo-se ao risco de intervenção do poder econômico empresarial sobre a luta dos trabalhadores, como já ocorre na Força Sindical.

A estratégia sindical
Hudson Marcelo da Silva aponta a estratégica da defesa da estrutura sindical como um fator determinante para o combate à terceirização do mercado de trabalho. Se os artigos segundo e quarto do PL prevêem a terceirização da atividade fim, o artigo oitavo é ainda mais preocupante, na opinião do advogado, por alterar a estrutura sindical.

Ele citou o caso dos metalúrgicos, que, mesmo quando são terceirizados, são protegidos pelo mesmo manto de normas coletivas negociadas entre a empresa e o sindicato. “A aprovação do projeto elimina esses direitos coletivos de imediato. Isso pode acabar, pois vai de encontro ao conceito de categoria”, sentencia ele.

Desta forma, ele conclui que o combate à terceirização passa pela defesa da estrutura sindical brasileira atual. O debate sobre a reforma sindical deve entrar na pauta e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) defende a liberdade sindical, contra a unicidade, favorecendo a agenda que enfraquece o movimento sindical. “É tudo ao mesmo tempo, agora! Por isso é preciso ter uma estratégia clara”, alertou. “Os ataques vêm de todos os lados contra o sindicalismo. Como se exercer o movimento sindical sem nenhuma estrutura protetora?”

Silva lembra que os processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), sinalizando para a necessidade liberar a terceirização, dependem que o movimento sindical tenha força e mantenha a defesa da estrutura sindical para que a resposta jurídica seja negativa. “Não sei o que é pior, a terceirização ou estabelecer o pluralismo sindical!”

As contradições retóricas
O professor Sávio Cavalcante, da Unicamp, partiu de uma análise sociológica para detectar as contradições que se apresentam conforme evolui o discurso em defesa da terceirização. Para ele, é importante ter claras essas contradições e a precisão no significado real da terceirização, para que os próprios trabalhadores não embarquem na lógica tergiversa do patronato.

Ele também acredita que há um risco efetivo de aprovação da terceirização da atividade fim por meio do Poder Judiciário, e não apenas do Legislativo. “Os processos em tramitação opuseram o STF ao TST e visam a quebrar a espinha dorsal do direito do trabalho no Brasil.”

Cavalcante explica que a terceirização vem constituindo-se e definindo formas de contratação do trabalho, nos últimos 25 anos, por meio de justificativas  que se alteram conforme avanço o tempo. “Antes, os autores da proposta defendiam que era necessária a terceirização para dar segurança jurídica às empresas e trazer ao mercado de trabalho mais eficiência, agilidade e produtividade.

No entanto, esse discurso empresarial vem sofrendo mudanças. “O sentido era de terceirizar as atividades-meio da empresa para serem mais eficientes na sua atividade fim”, recorda ele. Em 2000, o discurso de terceirizar o que as empresas achassem necessário, saíram da atividade-meio e fim para atividades irrestritas.

As mudanças no discurso revelam as motivações de forma mais explícita. Se havia uma divisão tênue entre atividade meio e atividade fim, agora ficam mais borrados os limites conceituais. “A terceirização não é a externalização de partes do processo produtivo, mas na pesquisa fica claro que o fenômeno de externalização ou transferência da contratação de trabalhadores visa apenas a redução de custos, tanto econômicos, mas principalmente políticos”.

Desta forma, diz o sociólogo, a definição geral de terceirização acaba criando uma dificuldade até para a luta contra ela. A divisão do trabalho, conforme ele analisa, é uma necessidade inerente das empresas, desde o início do capitalismo, quando surgiram o taylorismo e o fordismo, avançnado para o toyotismo, emq eu a desverticalização sem perda de controle central, criou um setor secundário de trabalhadores. “Mas a terceirização não é sinônimo da divisão do trabalho, pois ela não delega totalmente as condições gerais da produção. O que ela transfere é a colocação de uma empresa, a terceira, entre a central e os trabalhadores no final do processo. É um amortecedor entre os que produzem riqueza e quem decide como a riqueza será produzida”, explica ele.

Com isso, a “marca” principal não tem que arcar com as consequências sobre a contratação de trabalhadores. A terceirização como forma de contratação, tem como objetivo último reduzir os custos da contratação e reduzir a organização política dos trabalhadores. Ele lembra que todos os avanços foram conquistados quando havia formas de responsabilizar as empresas pelo resultado final da produção. “Havia um reconhecimento de qual era a empresa com a qual você estava lidando. Mas o capitalismo busca formas de desresponsabilizar as empresas pelo resultado final da produção. Desvincula os trabalhadores da marca que se coloca como socialmente e ambientalmente responsável. Desta forma, ela pode dizer que ‘isso’ [trabalho escravo, por exemplo] não tem nada a ver comigo, foi uma terceirizada”, relata ele, contando que a empresa se restringe à gestão da marca e terceiriza a exploração da mão de obra.

Há ainda a defesa de que a terceirização é boa para o consumidor, pois barateia os produtos, esquecendo-se que o consumidor também é trabalhador assalariado. “A atividade fim de uma Louis Vuitton não é fazer bolsas, mas ter lucro. E isso está mais explícito com a terceirização”.  Para garantir qualidade do serviço para o consumidor, a marca precisa criar controle sobre as terceirizadas, uma contradição que derruba o discurso de que ela não tem nada a ver com os crimes cometidos pela parceira.

É possível notar a contradição nesse processo, de acordo com Cavalcante, pois percebe-se o controle da empresa principal sobre a forma como a terceirizada produz. Os índices de aumento de acidentes e morte ocorrem nas terceirizadas, dados que tornam-se cada vez mais difíceis de medir e fazer comparações para observar os aumentos da precariedade, devido à alta terceirização do trabalho ao longo do tempo.

“Setores localizados, médios, vêem a terceirização com bons olhos por achar que podem negociar melhor seus salários”. Mas o sociólogo menciona que a experiência internacional revela um aumento da desigualdade econômica e social em sociedades com alta terceirização do trabalho. “A empresa e os trabalhadores se colocam em níveis iguais e simétricos, como se estivessem em condições similares de negociação”.

Frente ao debate sobre a estrutura sindical, Cavalcante mencionou o fato de haver parcelas do movimento sindical que defendem a terceirização, por ver nela nichos para seu crescimento.