Alberto Fernández tem como companheira de chapa Cristina Kirchner, senadora, ex-presidente (2007-2015) e viúva do também ex-presidente Néstor Kirchner, falecido em 2010 e que é um ícone nacionalista.

Bastante emocionado, Fernández, que foi chefe de governo de Néstor (2003-2007), agradeceu: “Obrigado, Néstor, onde você estiver, você semeou o que estamos vivendo”. A homenagem não pairava solta no ar, se fazia presente em camisetas com a sua imagem de braços abertos, “Insuportavelmente vivo”, em banners, fotografias e botons.

Saudando a multidão que tomou o bunker da Frente de Todos e lotava as ruas ao seu redor, o presidente eleito frisou que “hoje marcamos o fim de um ciclo que só fez enriquecer uns poucos e machucar o nosso povo”. Mas no dia 10 de dezembro, assinalou, quando tomarmos posse, “começaremos a reconstruir o país porque não somos a Frente de nós mesmos, mas a Frente de Todos”, “Devemos convocar todos que querem construir os mesmos horizontes que queremos alcançar. Não vai ser fácil a tarefa. Mas faremos juntos, todos e todas”, enfatizou.

A crise econômica se agrava a olhos vistos, vitaminada com um pacotaço de US$ 57 bilhões assinado no ano passado com o FMI, que já impôs uma série de medidas que aumentaram em mais de 1.000% (mil por cento!) as tarifas de água e energia. É visível pelas ruas da capital, Buenos Aires, a multiplicação da pobreza, o agravamento da miserabilidade e da delinquência.

Um ponto chave do futuro governo, adiantou Alberto Fernández, diante do sequestro da democracia pelas oligarquias financeiras, será a defesa do interesse nacional e produtivo, demarcando campo com os especuladores, como fez Néstor Kirchner. “Quando Néstor pagou o Fundo Monetário Internacional e nos liberou da política do FMI, não foi Néstor que pagou. Foi o povo argentino. Estou convencido que, comigo e Cristina, construiremos a Argentina que merecemos”, frisou, sob aplausos.

Para Cristina Kirchner, “o que está passando no Chile e o que passou recentemente no Equador tem de abrir nossa cabeça. Não só a nós, políticos, mas dirigentes sociais, dirigentes empresariais, sobre o modelo que queremos para as nossas sociedades”. O que acontece hoje na Argentina e em toda a região, alertou a vice-presidenta eleita, “é a demonstração clara que precisamos de mais democracia e que a economia também seja democratizada”.

Resultado do agravamento da crise, responsável pelo fechamento de 45 empresas diariamente, pelo crescimento da inflação, do arrocho salarial e do desemprego, o macrismo também foi derrotado na província de Buenos Aires, onde o novo governador será Axel Kicillof. Ex-ministro de Economia do segundo governo de Cristina, Axel conquistou mais de 50% do eleitorado com sua trajetória e compromisso desenvolvimentista.

“A Argentina deixada por Macri é de terra arrasada”, assinalou Axel, frisando que “qualquer leitura dos números mostra que, após quatro anos, houve uma queda brutal no Produto Interno Bruto (PIB)”. “É um retrocesso de quase 10% em apenas quatro anos. A taxa de desemprego foi duplicada. Não é um número vazio”, condenou.

Atuando abertamente pela sabotagem do futuro governo, os grandes conglomerados privados de mídia passaram a alertar Fernández e Cristina para que não mexam nos “acordos com o FMI”, uma vez que “mudanças na política econômica” – como uma renegociação soberana da dívida – poderia vir a abalar os “mercados”, “trazer problemas” e “incertezas” para a Casa Rosada.

PÁTRIA OU DÓLAR

No seu livro “Pátria ou dólar – Banco Central, corporações e especulação financeira”, o economista argentino Alejandro Vanoli avalia os governos peronistas de Néstor e de Cristina, dando inúmeros exemplos de recuperação da soberania e da dignidade a partir do “enfrentamento ao poder corporativo nacional e multinacional”.

Ex-presidente dos dois principais organismos para a regulação monetária e financeira da Argentina, o Banco Central e a Comissão Nacional de Valores (CNV), Vanoli aborda casos emblemáticos. Entre outras medidas, durante sua gestão na CNV, ocorreu a reestatização/nacionalização das Jazidas Petrolíferas Fiscais (YPF) – a Petrobrás do país vizinho – que havia sido “vendida” por Carlos Menem à espanhola Repsol, caso que abordaremos nesta página.

Já há dois anos, o patriota argentino defendia que diante do “aprofundamento neoliberal” feito pelo governo Macri, era “preciso ajudar a pensar, debater e atuar, para clarear a máquina de mentiras, desinformação, ocultamento e confusão de tantos cidadãos, e assim podermos reverter o mais rápido que se possa o retrocesso sofrido desde o final de 2015”.

Pelo que pudemos assistir na noite de hoje, diante do rufar dos tambores da militância peronista e dos olhares e aplausos esperançosos das famílias que se somaram à festa da vitória, Alberto e Cristina chegam com o compromisso de virar a página de traição e submissão.

* Leonardo Wexell Severo é jornalista do HP e integra o Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul, que está cobrindo as eleições na Bolívia, Argentina e Uruguai com o apoio das seguintes entidades: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Hora do Povo, Diálogos do Sul, SaibaMais, Fundação Perseu Abramo, Fundação Mauricio Grabois, CTB, CUT, Adurn-Sindicato, Contee, CNTE, Sinasefe-Natal, Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região, Sindsep, Sinpro-MG e Apeoesp.

Foto: Elineudo Meira/ComunicaSul