O homem do Ray Ban Verde
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O Calixto era um rapaz órfão, criado desde os tenros anos por uma tia-velha. Era tido como "destrambelhado".Certa feita, um estranho homem de Ray-ban verde aproximou-se do Calixto, este bêbado, e perguntou:
-Você quer ficar rico, Calixto?
Aturdido pelo álcool, o Calixto nem pestanejou:
-Quero, né!
E o misterioso homem do Ray-Ban Verde sorriu um sorriso irônico. O Calixto, além de bêbado, tinha um sangramento na boca, cuja razão era resultado de sua mania de comer cacos de vidros, coisa que ele se vangloriava, pois achava fenomenal. O homem misterioso pediu então ao Calixto para que o seguisse. Atravessaram a vila todinha.
Nenhum ser vivente presenciou o fato. Ao longe, ouviam-se os atabaques do terreiro de Mãe Maria de Nanã. Hinos eram entoados em homenagem a Exu, guardião do terreiro.
Ofegante, Calixto seguia aquele misterioso homem por picadas em meio 'a mata. A noite já ia adiantada. Na verdade, beirava a meia-noite. O Calixto, naquela empolgação devido ao efeito do álcool, seguia os passos rápidos de seu antecessor. Chegaram numa clareira. A escuridão era total. No centro da clareira, Calixto só via a própria sombra, iluminado pela lua cheia. Daquele homem misterioso, pouco se via além da capa preta que cobria todo o corpo e aquelas enormes lentes verdes do Ray-Ban na cara. O homem do Ray-Ban Verde colocou as mãos sobre a cabeça do Calixto, novamente lhe fez a pergunta, naquele sorriso de incredulidade e zombaria:
-Você quer ficar rico, Calixto?
-Quero, respondeu o Calixto.
-Calixto, disse-lhe o homem misterioso, vê esta pedra no chão? Ela é de ouro, e será sua; no entanto você vai ter que vender sua alma para mim!
O Calixto, num momento de consciência, fugiu daquele lugar em um átimo de segundo. Correu como louco. Em meio aos sons da floresta, ouvia a risada estridente do homem do Ray-Ban Verde e dos espíritos da floresta, cantando:
"Oxalá, meu pai/ Tem pena de nós, tem dó/ A volta do mundo é grande/ Seu poder ainda é maior"… .
Assim passaram-se os dias. No entanto, meia noite de uma sexta feira qualquer, escuro como breu, o Calixto ouviu alguém chamando por seu nome, lá no portão da casa:
-Calixto, vem buscar seu ouro!
O Calixto armou-se e saiu. Procurou, procurou, e nada! Rodou em volta da casa nada! Foi dormir!
Duas da manhã; ouviu-se o lamento de uma voz lá fora:
-Calixto, vem buscar seu ouro!
Novamente o Calixto armou-se, procurou, procurou, procurou…, nada! Foi dormir.
Quatro da manhã:
-Calixto, vem buscar seu ouro!
Agora, acompanhado por toda a família, o Calixto foi lá fora: nada! Ninguém 'a vista.
Porém, o movimento de entra e sai da casa acabou por alertar toda a vizinhança. Até a Mãe Maria de Nanã, negra, catimbozeira e umbandista a qual todos respeitavam e temiam, foi ver o quê estava sucedendo. Depois de informada do caso, Mãe Maria de Nanã pediu que o Calixto a levasse ao local onde o homem misterioso o havia levado e mostrado a pedra de ouro. Mãe Maria providenciou comidas dos espíritos, ebós, farofas e etc. sua intenção seria libertar o Calixto daquele espírito errante que lhe atrapalhava as idéias. Calixto levou aquele estranho cortejo até a clareira da mata, onde havia fugido do encontro daquela alma penada, em que lhe foi oferecido a pedra de ouro em troca de sua alma.
Mãe Maria preparou-se para fazer a encomenda, o despacho. Todos ficaram silenciosos enquanto a preta velha trabalhava com seus apetrechos religiosos. Primeiramente Mãe Maria distribuiu as oferendas que levava nos sete cantos da clareira. Depois, chamou pelos orixás; a seguir entrou em transe. Então, o espírito que estava em Mãe Maria tomou um pote de enxofre e com este fez um círculo. Calixto "camboneou" Mãe Maria, para que ela não se machucasse, nem pegasse no pesado. O doutor José Pedreira apareceu do nada e tomou seu lugar de ogã de terreiro, auxiliando o Cambono de Mãe Maria.
XANGÔ E SUAS TRÊS ESPOSAS
Então a preta velha pediu ao ogã que pusesse fogo no círculo de enxofre: mal começou, o fogo se espalhou; a fumaça subiu, fedorenta, amarela. No anel do círculo apareceu um ancião negro sentado numa pedra, tendo ao lado um leão de bela e dourada juba. Nas mãos trazia a tábua dos dez mandamentos. O ancião sorriu para todos e fez um sinal para Mãe Maria. Ela estremeceu dos pés 'a cabeça; o Calixto também sentiu um calafrio, igualmente o Dr. José Pedreira: xangô estava presente!
O feitiço do homem misterioso estava quebrado!
A visão de xangô desapareceu em meio 'a fumaça. Mãe Maria reassumiu sua própria identidade. O fogo apagou. A fumaça esvaiu-se.
Tão logo foi possível o local ter visibilidade, Mãe Maria entrou na região do círculo de fogo. Abaixou-se e apanhou algo do chão, bem no centro do local do círculo de fogo.
-Era o Ray-Ban Verde!!!!!!!
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.