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    Comunicação

    Férias vencidas

          Péssimo, o meu estado de espírito. Cansado de tanta lida, tanto trampo, tanta agonia – de prazos, metas, dívidas, compromissos sociais – amanheci disposto à indisposição. Intolerante, respondo monossilábico a cada questionamento. "Não" é o que mais digo. E dispenso um ar de tédio quando me comunicam o óbvio.       Mesmo assim, Marília resolve […]

          Péssimo, o meu estado de espírito. Cansado de tanta lida, tanto trampo, tanta agonia – de prazos, metas, dívidas, compromissos sociais – amanheci disposto à indisposição. Intolerante, respondo monossilábico a cada questionamento. "Não" é o que mais digo. E dispenso um ar de tédio quando me comunicam o óbvio.

          Mesmo assim, Marília resolve me contar da festa.

          Venho eu arrastando minha modorra pelo corredor e ela dispara:

          – O-íí!!

          – Como vai?

          – E você não foi à festa, hein!?

          – Você não me viu lá?

          – Não… – responde confusa.

          – Então, é porque não estava.

          – Eu estava sim!

          – Eu não estava.

          – É mesmo! – devolve com um riso álacre.

          – Té mais…

          – Mas você perdeu uma festona! – insiste atrás de mim pelo corredor.

          – Que pena. – retruco, tentando acelerar a marcha.

          – Pena mesmo. Você fez falta.

          – Como, se nem estava no jogo?

          – Que jogo – parou diante de mim, novamente confusa.

          – Esquece.

          – Ah, não tem como. Uma big festa. Foi até diretor geral! Foi com a mulher. Enjoada, mas chiquérrima! E a diretora do RH? Tava até bonita, apesar do nariz chato. As meninas perguntaram muito de você.

          – Meninas…

          – Isso! As meninas, lá da seção…

          – Ah, aquelas adolescentes de quarenta anos?

          Outro riso álacre:

          – Ah, você não tem jeito. É por isso que a gente adora você.

          – Impressionante.

          – Não acho. Acho normal, natural.

          Segundos de silêncio constrangedor. Ela me olhando com um sorriso de boneca, eu tentando decifrar o absurdo. Não suportando mais, pergunto:

          – Você conhece o Dirceu?

          – Dirceu?

          – Foi o que disse: Dirceu.

          – Eu não disse nada.

          – Eu disse.

          – Ah… Não. Quem é ele?

          – É um pastor…

          – Credo! O que eu ia querer com um pastor? Olha, tem três coisas que eu não discuto: uma é política; a outra, religião.

          – E a terceira?…

          – Que terceira?

          – Você disse: "Tem três coisas que eu não discuto". Você mencionou duas.

          – Ah, não lembro. Mas esses pastores de igreja são uns falsos. Falo de cadeira: já namorei um. Ele era inclusive diretor do sindicato. Eles chegaram a fazer greve uma vez.

          – E Deus ficou sem glória por quantos dias?

          – Não sei. Mas a greve durou uma semana. Bom, deixa eu trabalhar um pouco. Ó: vê se não falta no amigo secreto! Tchau.

          Estala um beijo em cada uma de minhas bochehcas mal barbeadas e se vai, álacre…

          Como nos versos de Gonzaga?

          Ah, que se danem os árcades, dirceus, marílias e suas estrelas!

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