Lênin: suas ideias revolucionárias seguem vivas no século 21
Há 90 anos, em 21 de janeiro de 1924, morria Vladimir Ilitch Lênin, o mais destacado líder revolucionário do século 20. Sob o impacto de seu falecimento, o Partido Comunista da Rússia (bolchevique) emitiu a seguinte mensagem aos trabalhadores do mundo: “Nunca desde Marx a história do grande movimento libertador do proletariado produziu uma figura tão gigantesca (…) cujo nome se tornou, do Ocidente ao Oriente, do sul ao norte, o símbolo do novo mundo”.
Tal afirmação, aparentemente altissonante, correspondia inteiramente à verdade. Podemos afirmar que o pensamento revolucionário de Lênin transbordou no tempo: depois de marcarem grandes acontecimentos históricos do século 20, suas ideias seguem a fertilizar o chão do século 21 para novas revoluções e novas primaveras para os povos. Essa constatação confirma a predição dos versos do poeta soviético Maiakovski, também escritos em 1924, quando filas de milhares e milhares de trabalhadores, sob a neve, se despediam:
“Da pessoa mais terrestre
de todas
que passaram pela Terra”
“Não devemos
nos derramar
em poças de lágrimas,
Lênin ainda está mais vivo do que os vivos”
Líder da grande vitória inaugural dos proletários
Lênin foi o grande arquiteto da Revolução socialista na Rússia em 1917. Esta, por sua vez, marcaria profundamente o século 20 e iniciaria uma nova fase da história da humanidade. O mundo que começaria a ser construído pós-Outubro seria bastante diferente daquele existente antes dele. Alguns historiadores chegam mesmo a afirmar que o século 20 teria começado, de fato, com o estrondo da 1ª Guerra Mundial e com fulgores da Revolução Russa, a grande vitória inaugural dos proletários.
O historiador Eric Hobsbawm sublinhava com frequência que o Estado de Bem-Estar Social, nascido na Europa Ocidental, não teria sido possível sem a “ameaça comunista”, representada pela existência do Estado Soviético e, posteriormente, do campo socialista. Essa “ameaça” era proveniente dos relevantes direitos políticos e sociais proporcionados ao povo pelo jovem poder socialista – conquistas que exerciam forte apelo e mesmo fascínio junto às massas de trabalhadores dos países capitalistas. Seguindo na mesma linha (e baseando-se em documentos oficiais), o filósofo italiano Domenico Losurdo afirmou que a própria conquista dos direitos civis dos negros estadunidenses estava ligada ao medo do comunismo em solo americano.
Luta contra o colonialismo e a concepção de uma única humanidade
Quando os bolcheviques assumiram o poder, grande parte da humanidade vivia sob o tacão do domínio colonial. O planeta possuía naquela época aproximadamente 1,657 bilhão de habitantes. Destes, 930 milhões viviam em países aviltados e saqueados pelo colonialismo. Foi Lênin e um elenco de bravos e lúcidos camaradas que asseveraram o direito inalienável à autodeterminação das nações oprimidas e conclamaram os povos oprimidos a se levantarem contra o jugo do colonialismo e do imperialismo. Assim, os movimentos de libertação nacional, desde então, passaram a contar com o apoio decidido do primeiro Estado socialista e dos jovens partidos comunistas que foram se formando, inclusive nos países imperialistas.
O pensamento de Lênin e as ações políticas dele derivadas contribuíram para que todos os “humanos” fossem, sem distinção, tratados como integrantes de uma única humanidade. Explica-se. Antes de Lênin, as nações vítimas de opressão se reduziam – aos olhos da 2ª Internacional – a um seleto elenco de povos civilizados, sobretudo de nações europeias. Tal seletividade excluía povos da Ásia e da África, humilhados e explorados pelo colonialismo. De Lênin em diante, o programa emancipacionista nacional e social passou a abarcar a humanidade como um todo, rompendo a abjeta separação que havia entre brancos e negros, e entre europeus e asiáticos. Em decorrência desta concepção de Lênin, o lema da Internacional Comunista se alarga para: “proletários e povos coloniais do mundo inteiro, uni-vos”.
Imperialismo: época do capital financeiro, era das revoluções
O nome de Lênin entrou definitivamente para a história mundial quando ele se levantou contra a guerra imperialista, iniciada em agosto de 1914, e denunciou a traição dos chefes social-democratas europeus, que capitularam vergonhosamente diante da carnificina promovida por seus respectivos governos burgueses. Ele e um pequeno grupo de marxistas revolucionários passaram a se constituir como os principais defensores da paz entre os povos e da independência nacional.
Diante da bancarrota da 2ª Internacional, Lênin abraçou a tarefa de renovação do marxismo e da estratégia revolucionária dos socialistas. Nesse esforço intelectual, redigiu vários trabalhos seminais, entre eles Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Nesta obra, publicada em 1916, apontou a tendência do capitalismo em concentrar a produção e o capital em grandes monopólios; e fundir o capital industrial e bancário formando o capital financeiro. Nesta fase do capitalismo, a exportação de capital sobrepujaria a simples exportação de mercadorias. E o resultado seria a divisão e dominação econômica e territorial do planeta pelas grandes potências imperialistas. A luta pela conquista de mercados e territórios entre elas levaria o mundo às guerras de conquista e interimperialistas.
Lênin, de maneira original, apresentou a tese (confirmada pela história) segundo a qual as revoluções não começariam, necessariamente, onde o capitalismo era mais desenvolvido, como se pensava até então, e sim eclodiriam nos elos mais fracos da corrente imperialista. Os fenômenos decorrentes da lei do desenvolvimento desigual do capitalismo poderiam criar as condições para a vitória da revolução e dar início à construção do socialismo num único país, ou num pequeno número de países, da periferia do sistema. De fato, foi isso o que se viu ao longo do século 20, como bem o demonstra o colar de revoluções vitoriosas na China, Vietnã, Coreia, em Cuba e outros países da África, Ásia, América Latina.
Apoiado na teoria de Lênin sobre o imperialismo, o PCdoB destaca que, na atualidade, está em marcha uma nova luta pelo socialismo. Essa nova jornada libertária brota da resistência do movimento revolucionário, do avanço da consciência e luta dos trabalhadores, do enriquecimento da teoria revolucionária, e dos paradoxos e contradições do capitalismo contemporâneo. Essa nova luta pelo socialismo se gesta e se realiza num mundo em transição cuja essência é marcada pelo declínio relativo do imperialismo estadunidense e pela ascensão da China socialista. A grande crise do capitalismo, ora em curso, acelera tais tendências de mudanças na realidade mundial numa dinâmica instável, carregada de ameaças, de golpes contra a democracia e a soberania dos povos, mas também de acumulação crescente dos fatores de mudanças progressistas e revolucionárias.
Teoria e prática da construção do socialismo
Contribuições inestimáveis à teoria do socialismo foram os trabalhos de Lênin sobre a Nova Política Econômica (NEP), o capitalismo de Estado e a transição ao socialismo – textos que, em geral, foram subestimados depois de sua morte. O processo de construção do socialismo, sobretudo nos países relativamente atrasados, deveria ser longo e conhecer várias etapas. Num primeiro momento se combinará elementos socialistas e capitalistas, planejamento e mercado. O principal objetivo seria alcançar um maior desenvolvimento das forças produtivas em proveito dos componentes socialistas da economia e do poder operário.
Outra lição deixada pelo leninismo (e esquecida por largo tempo pelo movimento comunista) é o fato de não existirem modelos únicos de revolução ou de transição socialista. Cada povo (a partir de suas condições objetivas e subjetivas) deverá construir os seus próprios caminhos.
O PCdoB, desde o seu 8º Congresso, realizado em 1992, empreendeu um esforço para resgatar e mesmo atualizar o legado teórico de Lênin acerca da transição do capitalismo ao socialismo. Esforço este liderado por João Amazonas. As ideias que floresceram a partir deste resgate tiveram grande importância para o PCdoB reafirmar o socialismo em bases novas a partir de suas análises sobre o fim da União Soviética e a queda dos governos do Leste europeu. De igual modo, foram determinantes na elaboração de um Programa Socialista para o Brasil do século 21.
Política justa: refuta o oportunismo de direita e de esquerda
Depois de demarcar o campo com o reformismo da 2ª Internacional no pós-1914, Lênin abraçou a tarefa de combater o “esquerdismo” que ganhava corpo no jovem movimento comunista. Desnudar os equívocos e malefícios do “oportunismo de esquerda” passou a ser uma exigência essencial para a construção de partidos revolucionários com influência de massa e capazes de, efetivamente, se constituírem enquanto vanguardas do grande processo transformador que se abrira com a Revolução Russa. Como disse Renato Rabelo, presidente do PCdoB: “passava à ordem do dia a luta contra o isolacionismo sectário, as impaciências esquerdistas, os principismos doutrinários”. Os partidos comunistas só poderiam consolidar sua influência junto às massas ao intervirem nos grandes acontecimentos políticos e não fugindo deles. Era necessário tirà ¡-los do gueto no qual muitos procuravam colocá-los.
O esquerdismo rejeitava quaisquer compromissos com outras classes ou forças políticas não-comunistas. Lênin, ao contrário, advogava que não se deveria renunciar a explorar os antagonismos existentes entre os inimigos nem renunciar, de antemão, a acordos e compromissos com possíveis aliados ainda que temporários, instáveis, vacilantes, condicionais. A obra de Lênin ajudou os jovens partidos comunistas a derrotarem o esquerdismo em suas fileiras e se forjarem como partidos verdadeiramente revolucionários, capazes de articular os princípios do marxismo e uma prática política ampla e flexível.
O Partido Comunista do Brasil, decorrente de um aprendizado sinuoso, mas frutífero, avançou na elaboração de seu pensamento estratégico e tático. Tem um rumo definido e um caminho traçado para a conquista do socialismo. Sua orientação tática, permeado pelo pensamento leninista, a um só tempo tem por objetivo congregar forças políticas avançadas e amplas e alcançar extensa influência e prestígio entre os trabalhadores e o povo. Ou seja, uma concepção que rejeita o gueto político que o impediria de ter influência no curso político e nas massas e refuta as pressões que atuam para torná-lo um agrupamento possibilista e pragmático.
Partido: forma mais elevada de organização dos trabalhadores
Já nos primeiros anos do século passado, Lênin analisou a complexa relação entre o fator consciente e o movimento espontâneo das massas populares. Afirmou ele: “A classe operária, pelas suas próprias forças, não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários, etc.”. É justamente devido aos limites estruturais da luta exclusivamente econômica que a consciência socialista não poderia nascer diretamente dela. A verdadeira consciência de classe só pode nascer da luta política, na relação “de todas as classes e categorias da população com o Estado e o governo, o domínio das relações de todas as classes entre si”.
A partir da constatação de que a luta política era a forma superior de luta de classes, Lênin concluiu que o partido é a mais elevada forma de organização dos trabalhadores. Por isso, ele se voltou para esse desafio e deu valiosa contribuição à construção da teoria de partido de vanguarda nas condições da etapa imperialista do capitalismo. Contudo, via o Partido Comunista como um instrumento a serviço das transformações sociais, e não como um fim em si mesmo. O desenvolvimento das formas organizativas estava intimamente ligado ao desenvolvimento da própria revolução.
Portanto, também não existiria um modelo único de organização partidária leninista. O que existia eram alguns princípios gerais que norteariam o seu funcionamento como um partido revolucionário e de vanguarda: a orientação marxista (programa revolucionário e política justa), internacionalismo, a vinculação orgânica com a luta do proletariado, compromisso em relação à ruptura com a ordem capitalista e à conquista do poder político para os trabalhadores. Um partido que organiza a partir do centralismo-democrático, visto de maneira dialética, tendo em conta as diversas conjunturas políticas de maiores ou menores liberdades democráticas.
Da longa trajetória de 90 anos do Partido Comunista do Brasil, se destaca a lição de que um partido comunista de feição e prática revolucionária, condizente com as exigências da contemporaneidade, é a garantia para as vitórias táticas e estratégicas do projeto revolucionário. Para tal, o Partido deve ser forjado em firme unidade de ação baseada em uma política justa, comprovada no curso dos acontecimentos. Esta política é elaborada no aprofundamento do método democrático e participativo, no estímulo à criatividade e à livre expressão de opiniões individuais, tendo em alta conta a sabedoria e a acuidade crítica do coletivo militante, na atividade prática mobilizadora, sob a condução de um único centro dirigente.
As realizações e a atualidade dos partidos marxistas-leninistas
Esta concepção de partido se mostrou acertada e valiosa. Tanto é assim que os partidos comunistas regidos por esta concepção estiveram à frente das principais revoluções que sacudiram e moldaram a feição geopolítica do século 20. O vendaval anticomunista desencadeado a partir do fim da União Soviética inculcou nas mentes que o socialismo falira, que o marxismo-leninismo caducara e que os partidos comunistas tornaram-se arcaicos e superados. Todavia, a realidade desta segunda década do século 21 desmascarou o veredicto apressado que as classes dominantes haviam proclamado. Os partidos comunistas progressivamente vão readquirindo força popular e destacado papel político em países de vários continentes. Lideram, também, apesar das adversidades, importante jornada de construção do socialismo, como na China, Vietnã e Cuba.
Teoria viva, adversária do dogmatismo
João Amazonas e Maurício Grabois, históricos dirigentes do PCdoB, afirmaram que Lênin “não deixou sem resposta nenhuma tese ou opinião errônea, dentro e fora da Rússia, que circulasse no movimento operário. Em todos os campos de atividade, nos mais intrincados problemas da política e da filosofia, da arte e da literatura, da ciência e da economia ou da construção do socialismo, Lênin interveio para rechaçar as ideias e teorias falsas”.
Lênin era também inimigo do dogmatismo e das ideias estereotipadas. “A história em geral”, disse ele, “e a das revoluções em particular é sempre mais rica de conteúdo, mais variada de forma e de aspectos, mais viva e mais ‘astuta’ do que imaginam os melhores partidos, as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas”. Não se cansava de repetir que Marx e Engels haviam colocado apenas as pedras iniciais da construção, e caberia às sucessivas gerações de comunistas darem prosseguimento à obra daquele grandioso edifício.
Ele, mais do que ninguém, sabia se o marxismo não conseguisse dar conta dos novos fenômenos que iam surgindo no curso da vida, poderia petrificar-se, degradar-se e transformar-se num dogma incapaz de interpretar a dinâmica viva das lutas de classes e de apontar diretivas para a intervenção política no curso dos acontecimentos. Ou seja, o marxismo se tornaria algo inútil para os trabalhadores na sua luta para a conquista do socialismo.
O PCdoB no seu já citado 8º Congresso concluiu que o marxismo-leninismo no curso da degeneração da experiência soviética vitimado pelo dogmatismo, transformou-se em doutrina de Estado e deixou de se desenvolver em ligação com a realidade. Desde então, os comunistas e revolucionários se empenham para superar a crise teórica e prática do socialismo que se traduz na exigência de atualizar a teoria revolucionária para o século 21, vinculando-a à prática política e social avançada do período histórico atual.
Homenagear Lênin é fortalecer o caminho para o socialismo
Seguindo a trilha do pensamento leninista, devemos afirmar que o marxismo (a teoria revolucionária) não se esgota nas obras de Marx, Engels, de Lênin e de outros gigantes do pensamento e da luta transformadora. Este acervo, mesmo que monumental e germinal, exige permanente renovação. É da sua essência se renovar e se enriquecer; sempre.
O Partido Comunista do Brasil, ao homenagear o legado de Lênin, tem a convicção de que apesar das inúmeras alterações ocorridas no mundo nesses 90 anos, continuamos vivendo em plena época do imperialismo agravado em alta escala em seu parasitismo, especulação financeira, concentração de riquezas, exploração dos trabalhadores, autoritarismo, saques e guerras. E a grande crise desencadeada em 2007-2008 revela de forma dramática, pelo seu custo social e de vidas humanas, os limites históricos do capitalismo e a necessidade de se fortalecer, segundo a singularidade de cada país, a alternativa revolucionária e libertadora do socialismo. Mais do que nunca, são necessários os partidos marxista-leninistas, fortes e representativos, determinados a cumprir seu papel revolucionário. Vivemos numa época na qual o leninismo continua sendo fertilmente atual. Homenagear Lênin é ser coerente e consequente na atualidade, é fortalecer o caminho da revolução e do socialismo.
São Paulo, 21 de janeiro de 2014
Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil-PCdoB