A crise política atravessa o seu 10º mês, sem fim à vista. Nas suas marchas e contramarchas, nos últimos tempos, ela atingiu o paroxismo de uma ameaça permanente de golpe de Estado. Desta vez, com a truculência das armas substituída por uma torrente de violência política desferida pelo consórcio da oposição neoliberal que abarca a grande mídia e segmentos do aparato jurídico-policial do Estado.
Nunca é demais repetir: a crise política irrompeu e se prolonga porque o setor mais reacionário da oposição neoliberal não aceitou o resultado das urnas, voltou-se contra a soberania popular e — tal e qual os golpistas de 1954 e 1964, dos quais descendem —descambou para tentar derrubar uma presidenta legitimamente eleita, respaldada por mais de 54 milhões de votos.
Uma presidenta honesta, contra a qual não pesa nenhum crime de responsabilidade. Muito ao contrário, uma presidenta que empreendeu firme combate à corrupção e à impunidade. Uma presidenta que deu continuidade à diretriz do ex-presidente Lula de fortalecer as instituições da República encarregadas do combate sem tréguas aos corruptos e corruptores.
A crise política se entrelaçou com a crise econômica. O país está em recessão, depois de um período de baixo crescimento. Recessão derivada de três fatores principais: Primeiro, da crise mundial do capitalismo que nesta etapa afeta com mais peso os países em desenvolvimento. Em segundo, da ameaça constante de quebra da institucionalidade democrática e da tática “do quanto pior melhor” da oposição neoliberal que empurrou o país para uma espécie de reino da incerteza. E, por fim, de insuficiências e equívocos dos governos desse ciclo progressista que vigora há 13 anos no país.
Com a democracia em perigo, sob a mira da maquinação de um impeachment fraudulento, progressivamente a presidenta Dilma Rousseff reagiu à ofensiva golpista indo à luta com uma agenda ativa. Reuniu-se com governadores e prefeitos, procurou se aproximar de sua base no Congresso Nacional e constituir uma malha plural de articulação política. Dialogou com empresários, com as centrais sindicais e os movimentos sociais. No front externo fez importantes viagens internacionais defendendo os interesses do Brasil e firmou a participação destacada do país no grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Essa movimentação da presidenta Dilma se associou às jornadas de luta de uma frente social e política que empreende a resistência contra a investida reacionária. Desse modo, o governo e o campo político mais resoluto que a apoiam realizam o combate que vai contendo o golpe na medida em que busca empurrar as forças reacionárias para o leito margeado pela legalidade democrática.
Em 5 de setembro, em Belo Horizonte, nasceu a Frente Brasil Popular. Trata-se de um bloco que reúne partidos políticos de esquerda, personalidades progressistas e os movimentos sociais. Essa Frente se propõe a barrar o golpe, defender a democracia e os direitos sociais e lutar por um novo ciclo de crescimento econômico, assentado em novas bases.
Setores das classes dominantes, com receio de que uma eventual consumação da derrubada da presidenta pudesse afetar seus próprios interesses, por volta do mês de agosto chegaram a se pronunciar em defesa da normalidade política. Mas o grau de consistência dessa atitude sofre variações, posto que outro bloco dessa mesma classe dominante, em vez de amainar, radicaliza a conduta golpista no compasso da Operação Lava Jato.
Diante deste cenário de instabilidade e em consonância com as aspirações do povo, de largos setores da sociedade, diversos juristas, personalidades e entidades da sociedade civil, como apresenta esta edição da revista Princípios, se juntam às vozes de centrais sindicais dos trabalhadores e dos movimentos sociais quer seja em defesa do mandato da presidenta Dilma, quer seja em defesa do Estado Democrático de Direito.
São vozes que exigem firme combate à corrupção, fim da impunidade, punição na forma da lei de corruptos e corruptores, mas que têm a convicção de que esse combate deve ser feito pelas armas do Estado Democrático de Direito e não ao custo desnecessário de pisoteá-lo. Defendem um combate que não rasgue a Constituição, pelo contrário, que a reforce e a resguarde.
Mudanças no ministério reforçam base no Congresso Nacional
Apesar de toda a luta empreendida, o cerco golpista se fechou sobre o Palácio do Planalto. Setores mais reacionários de um quatrilho formado por PSDB, DEM, PPS e Solidariedade lançaram, no Salão Verde da Câmara dos Deputados, em 10 de setembro, uma “Uma Comissão Pró-Impeachment”, isto é, um comitê pró-golpe escancarado, com ares de oficialidade. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, os recebeu com pompa e circunstância.
Se não bastasse a ofensiva da direita, o governo – pressionado pela aguda crise política e padecendo ainda de ajustes na sua composição e condução – cometeu erros desnecessários.  Noutro plano, surgiu um pensamento político no âmbito da própria esquerda que, alheio às lições da história, teima em subestimar a ameaça golpista, além do que descarrega, erradamente, no governo da presidenta Dilma, a responsabilidade inteira pela recessão que o país atravessa.
Diante dessa situação crítica, a presidenta Dilma anunciou no dia 2 de outubro a recomposição de seu governo com o fito de reforçar sua base parlamentar no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados. Para isto, acertadamente, aumentou o peso do PMDB no Ministério e renovou o apoio do PDT, atraindo o respaldo de sua bancada na Câmara. O PT, através de ministros mais afinados com ex-presidente Lula, reforça seu papel em postos-chave da articulação política e da gestão do governo. O PCdoB foi transferido para o estratégico Ministério da Defesa. E mantém-se a presença do PSD, PTB, PP, PRB e PR.
Além disso, a presidenta reuniu-se com os governadores do PSB que assumiram o compromisso de se oporem ao impeachment.
Outro ganho da reforma é o reforço do papel de liderança da presidenta Dilma. Ela pessoalmente dialogou com os líderes e presidentes dos partidos da base. Cuidou da complexa engenharia de contemplar as diferentes alas do PMDB. Fez a reforma de seu governo, em harmonia com o PT, e em especial com seu principal líder, o ex-presidente Lula.
Fator extra que pode ajudar a luta contra o golpismo é a dificílima situação jurídica e política a que chegou o senhor Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.
A crise não cessará com a reforma ministerial, mas efetivamente se ela resultar no fortalecimento da base do governo no Congresso Nacional pode ser o começo do fim da instabilidade política. Condição indispensável para o país superar a recessão e retomar o crescimento econômico com progresso social.  As primeiras tentativas frustradas, pós reforma, de o governo manter os vetos no Congresso às matérias da chamada pauta-pomba já demonstram, todavia, que o desafio de se constituir uma nova maioria pró-governo é muito complexo.
Dois fatos no início de outubro retratam um imediato contra-ataque a positiva iniciativa da reforma ministerial. O Tribunal de Contas da União (TCU) deu parecer contrário à aprovação das contas do governo e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu abrir investigação sobre a prestação de contas da campanha da presidenta Dilma.  As decisões do TCU e do TSE, objetivamente, revigoram a investida golpista.
Noutro front de uma mesma “guerra”, a grande mídia em conluio com a Operação Lava Jato prossegue sua caçada contra o ex-presidente Lula, criando e manipulando fatos, atirando-lhe lama. A hipotética candidatura do ex-presidente em 2018 e a possibilidade de o atual ciclo político ter prosseguimento provocam pavor na quase totalidade das classes dominantes.
Por isso, o confronto em curso será longo e pedregoso. Mas é preciso encará-lo sem medo, pois uma derrota agora poderá colocar em risco conquistas fundamentais alcançadas na última década. É isto que está em jogo, nada menos que o futuro do país.
Adalberto Monteiro
Editor

Editorial da edição 138 da revista Princípios