Jandira Feghali: Taxar os super-ricos é uma questão de sobrevivência
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) defende uma reforma tributária que crie o imposto sobre grandes fortunas.
Semana passada, a Câmara dos Deputados rejeitou a taxação de grandes fortunas na reforma tributária. A proposta previa uma alíquota de 0,5% para fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões; 1% entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões; e 1,5% acima de R$ 80 milhões. Quem tem bens no valor de R$ 10 milhões, por exemplo, pagaria proporcionalmente R$ 50 mil de imposto. Ainda assim, foi rejeitada pela Câmara por 262 votos a 136 (e 112 ausências), numa votação que (re)confirmou que boa parte do Congresso legisla apenas a favor do andar de cima do Brasil.
Os parlamentares das federações progressistas do PCdoB-PT-PV, Rede-PSOL e do PSB que compareceram à sessão votaram integralmente a favor da emenda. Entendemos que esta é uma pauta definidora do Brasil que somos e do país que desejamos e podemos ser, em bases menos desiguais. Além disso, taxar os ricos é um tema urgentíssimo no mundo contemporâneo. E também uma questão de sobrevivência para bilhões de pessoas.
Nos últimos 30 anos, a distância entre os mais ricos e os mais pobres só fez crescer em todo o planeta. Um estudo recente da Oxfam constatou que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 5 bilhões de pessoas (cerca de 60% da população global) diminuiu nesse período. No Brasil, 63% dos bens estão nas mãos de 1% da população. Pior: apenas os 3.390 indivíduos super-ricos (ou 0,0016%) detêm 16% de todo o patrimônio do país. Para os 50% mais pobres, sobram apenas 2%.
A concentração cada vez maior de riqueza nas mãos de poucas pessoas é uma marca do capitalismo contemporâneo, indecorosa e insustentável. Em todo o mundo, há uma discussão intensa sobre a taxação de grandes fortunas como forma de reequilibrar a discrepância entre quem só se desloca em jatos particulares e quem não tem dinheiro nem para a passagem de ônibus. Esta redistribuição não seria inédita. Após a Segunda Guerra Mundial, novos modelos de tributação progressiva foram essenciais para a reconstrução da Europa, e geraram recursos para a criação de estados de bem-estar social, com redução de desigualdades e crescimento das economias nacionais. Nos EUA, o 1% mais rico detinha 16% da renda nacional antes da guerra, mas o índice caiu para 8% após os acordos, e permaneceu em patamar semelhante pelos 30 anos seguintes (até a ascensão do neoliberalismo).
Hoje, porém, os EUA rejeitam a proposta do governo brasileiro de taxar globalmente os super-ricos. Sob a presidência do Brasil, o tema será levado pela primeira vez para a mesa de negociação das principais economias do mundo no G20, que acontece este mês no Rio de Janeiro. O principal objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que seria subsidiada com a taxação de 2% das fortunas dos 3 mil maiores bilionários do mundo. Apenas esta medida geraria US$ 250 bilhões (R$ 1,44 trilhão) por ano para ajudar a reduzir a desigualdade entre os países e mesmo internamente. Donos do maior PIB do mundo, os EUA são contrários à proposta. Mas outros países do Norte Global, como Espanha e França já se posicionaram a favor. Cada vez mais consolidado e ativo, o Sul Global também exige novas soluções. A África do Sul, que assumirá a liderança do G20 após o Brasil, é outra nação a favor da ideia.
Por aqui, já poderíamos ter avançado neste tema há décadas. A Constituição Federal de 1988 já previa que o país deve instituir um imposto sobre grandes fortunas. Estamos, portanto, 36 anos atrasados. Neste tempo, mais de de 20 projetos de lei complementar relacionados à criação de um imposto sobre grandes fortunas já tramitaram na Câmara dos Deputados e no Senado. A resistência das elites econômicas e políticas do país tem travado esse avanço até aqui na construção de um país mais justo. “Quando os super-ricos não pagam impostos, é o resto da população que paga”, explica o economista francês Gabriel Zucman, hoje uma das principais vozes mundiais a favor da taxação de grandes fortunas, e que trabalha com o governo brasileiro na proposta que será apresentada no G20.
Outro economista de renome que não reza pela cartilha neoliberal, o indiano C. P. Chandrasekhar acredita que os governos do Sul Global devem aprender uns com os outros “estratégias fiscais eficazes em um mundo no qual a geração de recursos domésticos pelo setor público se tornou mais essencial do que nunca”. Na Colômbia, por exemplo, a reforma tributária de 2022 eliminou diversas isenções fiscais corporativas, restringiu benefícios fiscais de grandes empresas, criou impostos sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados, aumentou as taxas sobre dividendos e recriou um imposto sobre riqueza. No Brasil, onde dividendos não são taxados e o imposto sobre grandes fortunas é demonizado, tentamos projetos semelhantes, retirados de pauta por força do reacionarismo do Congresso atual e do lobby de setores que seriam diretamente impactados pelas medidas. Eu mesma já apresentei e defendi um projeto de lei complementar que estabelecia a taxação de grandes fortunas como fonte para a Saúde, mas nunca consegui avançar com a pauta.
O mal-estar com o atual estágio do capitalismo é global. As turbulências que vivenciamos nos últimos anos são reflexos de 30 anos de desmonte neoliberal e concentração primitiva de riqueza. É preciso muito esforço para lutar contra as novas oligarquias, que extraem seu lucro das desigualdades crescentes e da destruição do planeta. Não é por acaso que boa parte dos super-ricos já se aliou, direta ou indiretamente, aos extremistas de direita – que têm como uma de suas bandeiras a redução e eliminação de impostos (especialmente para as elites). Por trás de seu discurso vazio de “liberdade” só existe desregulação e miséria. Nossa tarefa é outra: garantir que ninguém morra de fome, viva sem dignidade e acesso aos seus direitos básicos. Debater o capitalismo e suas alternativas é uma tarefa inescapável. Não desistiremos!!
Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB-RJ
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG