O que diria Fidel Castro na Cop29?
No momento em que a questão climática assume protagonismo na agenda global, Theófilo Rodrigues recupera o histórico discurso de Fidel Castro na ECO-92 realizada no Rio de Janeiro em 1992.
Ex-presidente cubano e um dos maiores líderes dos séculos XX e XXI, Fidel Castro faleceu há exatamente 8 anos, em 25 de novembro de 2016.
Castro é sempre lembrado por sua trajetória heroica e revolucionária na construção do socialismo. Importante que se diga, fazia isso de um pequeno país que fica bem ao lado da maior potência mundial do imperialismo.
O que pouco lembramos é de seus fortes posicionamentos em defesa da questão ambiental e da superação do divórcio entre o homem e a natureza promovido pelo capitalismo.
Em tempos de aquecimento global e catástrofes ambientais, podemos imaginar como seriam os discursos de Fidel em encontros como a Cop29 – a Conferência do Clima que aconteceu na semana passada em Baku, no Azerbaijão. Certamente seriam intervenções fortes, vigorosas e radicais no sentido de ir na raiz do problema. Estivesse vivo, certamente seria uma voz potente na liderança do Sul Global pela preservação do planeta.
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Fidel Castro foi, provavelmente, a primeira grande liderança global a trazer a questão ambiental para o centro da agenda. Seu discurso na Conferência da ONU para o Meio Ambiente, a ECO-92, que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1992, é um verdadeiro documento histórico.
“As sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente”, asseverava Castro em um discurso ouvido por centenas de lideranças de países de todo o mundo. “Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente”, conclamava o cubano.
Ele sabia que a solução para reverter o problema não seria impedir o desenvolvimento, mas sim torná-lo mais equilibrado entre as nações. “A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam”, alertava.
Isso significa dizer que os países mais ricos, do Norte Global, precisam assumir com maior ênfase a responsabilidade econômica pelo combate às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que os países do Sul Global avançam no desenvolvimento sustentável – ou seja, econômico, social e ambiental – para garantir mais qualidade de vida para suas populações. Infelizmente, esse não foi o resultado da Cop29.
Como podemos ver, o discurso de Fidel Castro foi feito há 32 anos, mas permanece muito atual.
Leia abaixo a íntegra do discurso:
Discurso de Fidel Castro na Conferência da ONU para Meio Ambiente – ECO-92
Sr. Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello;
Sr. Secretário Geral das Nações Unidas, Butros Ghali;
Excelências:
Uma importante espécie biológica está em perigo de desaparecer devido à rápida, progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o homem. Agora estamos cientes deste problema, quando é quase tarde para impedi-lo.
É preciso salientar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles coloniais e de políticas imperiais que, pela sua vez, engendraram o atraso e a pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade. Com apenas 20% da população mundial, elas consomem as duas terceiras partes dos metais e as três quartas partes da energia que é produzida no mundo. Envenenaram mares e rios, contaminaram o ar, enfraqueceram e perfuraram a camada de ozônio, saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer.
As florestas desaparecem, os desertos estendem-se, bilhões de toneladas de terra fértil vão parar ao mar cada ano. Numerosas espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para ainda sobreviver à custa da natureza. É impossível culpar disto os países do Terceiro Mundo, colônias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje, por uma ordem econômica mundial injusta.
A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam. O real é que tudo o que contribua atualmente para o subdesenvolvimento e a pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia. Dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças morrem todos os anos no Terceiro Mundo em conseqüência disto, mais do que em cada uma das duas guerras mundiais. O intercâmbio desigual, o protecionismo e a dívida externa agridem a ecologia e propiciam a destruição do meio ambiente.
Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição, teremos que fazer uma melhor distribuição das riquezas e das tecnologias disponíveis no planeta. Menos luxo e menos esbanjamento nuns poucos países para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente. Faça-se mais racional a vida humana. Aplique-se uma ordem econômica internacional justa. Utilize-se toda a ciência necessária para um desenvolvimento sustentável sem contaminação. Pague-se a dívida ecológica e não a dívida externa. Desapareça a fome e não o homem.
Quando as supostas ameaças do comunismo têm desaparecido e já não há pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?
Cessem os egoísmos, cessem as hegemonias, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde demais para fazer aquilo que devimos ter feito há muito tempo.
Obrigado, Fidel Castro.
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Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É membro do Grupo de Pesquisa sobre Transformação Ecológica e Diversificação Energética da Fundação Maurício Grabois.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.