A multiplicidade que caracteriza a nação implica em conviver com elementos que são verdadeiros entraves ao progresso, ao mesmo tempo em que estimulam a procura de caminhos flexíveis para o desenvolvimento com justiça social. A ampliação da democracia nas administrações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva mostrou com mais nitidez a existência de vários “países”, superpostos ou enfileirados, que trazem consigo as mais variadas formas de consciência e comportamento políticos. 

Essa característica brasileira parece não existir para aqueles setores que se dedicam a criar e vender falsas imagens de ordem, progresso e moralidade. A pregação monolítica desses extratos sociais pretende, à força da repetição, condicionar atitudes, formar hábitos e conter os anseios populares em limites por eles estabelecidos. Uma complexa engrenagem publicitária se encarrega de fazer campanhas dessa natureza, mostrando um país com ares de gente rica, que compra mais carros e mais eletrodomésticos, que viaja mais, que festeja mais, graças a suas doutrinas e aos seus mandamentos.

Comunistas e os filo-comunistas

Os métodos desses arautos da mentira, que vivem de jogadas financeiras e de notórias negociatas, nada ficam a dever ao nazi-fascismo. Tenho sempre presente na memória esse fato porque as fórmulas da direita invariavelmente recorrem a tais práticas. Para documentar-me, procuro estudar o que foi aquela experiência, tão bem retratada em obras como Diário — últimas anotações, 1945, de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Adolf Hitler; Ascensão e queda do Terceiro Reich, de William Shirer; e Por Dentro do Terceiro Reich, de Albert Speer. Nelas é fácil verificar, em inúmeras passagens, como se produzem ondas de mentiras ou de meias-verdades.

Hitler e Goebbels puseram a culpa dos seus atos de loucura nos “judeus internacionais” e nos “comunistas”. Os porta-vozes do conservadorismo brasileiro repetem monotonamente que os comunistas e os filo-comunistas são os culpados por não termos um país sustentado em bases morais ditadas por eles. Trata-se, sabemos muito bem, de espetacular hipocrisia. O que eles não toleram mesmo é a luta por uma vida melhor, mais justa e mais digna para o povo. Isso fica evidente nos ataques à vida política brasileira. Não se conhece outra forma para fazer o país avançar sem a ampliação da democracia, com partidos organizados e representativos, com vida regular das instituições e com amplo direito à informação.

O sistema partidário brasileiro, desde a política regional das oligarquias, tem sido caracterizado por organizações político-eleitorais de representação, predominantemente, das classes dominantes. Em poucos interregnos sobressaíram, como forças dominantes, partidos de raízes populares. As arenas decisórias sempre ofereceram alternativas que não ameaçavam o satus quo. Nas poucas ocasiões em que as forças progressistas se apresentaram com condições reais de assumir as rédeas do processo histórico brasileiro, essas representações dominantes reagiram com violência. Foi assim em 1937, com o golpe do Estado Novo após a insurreição de 1935; foi assim na década de 1940 com a densidade eleitoral do Partido Comunista do Brasil (então PCB); foi assim com a efervescência das massas no início da década de 1960; está sendo assim agora.

Atitude de Juscelino Kubitschek

Em poucos meses de governo da presidenta Dilma Rousseff a direita já acumulou um farto material que será usado nas campanhas eleitorais de 2012, cujos resultados serão decisivos para a sucessão presidencial de 2014. Essa condensação tem como fio condutor, que perpassa e une essas etapas golpistas, o que a etimologia define como mass media, “meios (de comunicação) de massas”, instrumento mediador, elemento intermédio. Ou por outra: aquilo que medeia uma ideologia. No Brasil, essa ideologia, que já foi chamada de “pensamento único”, expressa o propósito político e os usos e costumes dos conservadores — a elite brasileira.

Conferir credibilidade ao seu projeto equivale a fundar, hoje, um partido a favor do colonialismo. A ideologia conservadora guerreia com o Brasil em transformação pelo menos desde o início da década de 1940 do século XX, quando as forças populares começaram a deixar de ser marginais para tornarem-se capazes de influir no grande jogo político do país. Um exemplo disso foi a atitude de Juscelino Kubitschek que, por conta do sentimento patriótico entre o povo desenvolvido pelos setores progressistas da sociedade, em sua campanha eleitoral para a Presidência da República foi forçado a reformular a sua proposta de governo sobre o petróleo, conforme ele mesmo disse.

Por não expressar os anseios do povo, as organizações partidárias da ideologia conservadora sempre foram efêmeras, no mais das vezes formadas para disputar eleições. O que tem dado sustentação ao seu programa de governo, desde tempos remotos, é exatamente a mídia. Em torno dela se organizam movimentos que, por não ter nada a oferecer ao povo em termos de futuro, apelam para a hipocrisia, para as campanhas difamatórias, para os falsos moralismos. Numa palavra: para o golpismo. Nessa trajetória golpista, há uma data determinada para se ter uma referência da mídia que existe hoje no Brasil — 1º de abril de 1964, quando os conservadores consolidaram o golpe que tentavam há muito tempo.

Jornalismo americano

Os golpistas promoveram substanciais reformas legislativas com a outorga dos Atos Institucionais (AIs) que submeteram a mídia ao completo domínio da ideologia conservadora. O AI-2, de 27 de outubro de 1965, dizia que não seria “tolerada propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça e de classes”. Para o regime, “subversão”, conceito não definido na legislação, era tudo aquilo que as forças progressistas defendiam. A Constituição de 1967 consolidou todos os atos discricionários anteriormente preparados. O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, reforçou ainda mais o controle do regime sobre a liberdade de expressão.

A mídia tratou de se adequar rapidamente ao novo sistema. Nelson Werneck Sodré, em sua obra História da imprensa no Brasil, publicada em 1966, insinua — possivelmente para fugir da censura e da repressão — que o jornalismo conservador se integrou facilmente às novas regras. “O desenvolvimento da imprensa no Brasil foi condicionado, como não podia deixar de ser, ao desenvolvimento do país. Há, entretanto, algo de universal, que pode aparecer mesmo em áreas diferentes daquelas em que surgem por força de condições originais: técnicas de imprensa, por exemplo, no que diz respeito à forma de divulgar, ligadas à apresentação da notícia”, escreveu.

Segundo ele, o jornalismo americano criou o lead, cujos princípios se fundaram na regra dos cinco W e um H; qualquer foca americano sabe que a notícia deve conter, obrigatoriamente, os seguintes elementos: Who, que; When, quando; Where, onde; Why, por quê; e How, como. “Qualquer jornalista sabe, por outro lado, estabelecer a distinção entre o que é a notícia e o que não interessa, dentro daquela malícia de Charles Dana que, para ensinar a alguém essa diferença elementar, contou: ‘Se um homem vai andando pela rua e um cão o morde, isso não é notícia, a não ser que esse homem tenha projeção política, social, financeira, notoriedade por qualquer motivo; mas se um homem morde um cão, isso é notícia’”, afirmou.

Orientação empresarial

Sempre se referindo ao jornalismo americano, Nelson Werneck Sodré escreveu que o “foca” (jornalista principiante), utilizando aplicadamente a técnica do lead, “transforma qualquer sinal de um problema social constante em fatos isolados que se repetem diariamente e cujas raízes reais ficam apagadas sob os detalhes específicos de cada história”. É o que se vê na mídia, um veículo repetindo o outro, todos divulgando as mesmas coisas, com a mesma conotação. A criminalidade, os efeitos da pobreza, a corrupção, os problemas ambientais e o que mais for de relevância para a sociedade se perdem entre doses diárias maciças de propaganda ideológica conservadora.

A informação fragmentada, sem mostrar a relação de um acontecimento e sua causa, na verdade é uma técnica de encobrir os interesses e as relações econômicas dos grupos monopolistas que controlam a mídia na estrutura da sociedade de classes. O golpe de 1964 moldou essa configuração de maneira mais sólida, mas ela vinha sendo ensaiada desde quando o movimento nacionalista no Brasil começou a ganhar projeção com o objetivo de combatê-lo. Em 1948, chegou ao país a Seleções do Reader’s Digest, uma publicação de matérias selecionadas em diversos veículos mundiais. Em 1950, foi a vez do grupo Vision Inc criar a revista Visão e várias publicações corporativas.

No golpe, segundo René Armand Dreifuss no livro A conquista do Estado — ação política, poder e golpe de classe, os clãs midiáticos eram o centro do que ele definiu como ”elite orgânica”, de “orientação empresarial”, que atuou intensamente na desestabilização do regime democrático pré-1964 para pôr no lugar a ”ordem empresarial” após o ”golpe de classe”. O exemplo mais evidente é o da TV Globo, conforme relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada na época para apurar o papel do grupo Time-Life no surgimento da rede de televisão.

Intermediação de Victor Civita

O caso foi resumido pelo jornalista Genival Rabelo, em artigo publicado na Tribuna de Imprensa, em 1966, com o título “O exemplo americano de ‘liberdade’ de imprensa”, onde se lê:

“As investigações sobre a invasão ianque na imprensa brasileira, ou melhor, sobre o complexo processo de alienação da consciência brasileira, no sentido de nos levar a admitir que a ‘solução está nos Estados Unidos’, chegarão, forçosamente, às seguintes conclusões:

1 –  A Constituição foi brutalmente burlada desde que Seleções obteve permissão para ser impressa em português no Brasil, acelerando, desde então, o processo de manipulação da opinião pública com objetivos políticos-ideológicos.

2 – Depois de dominar praticamente o setor de revistas, os americanos voltam suas vistas para os jornais, estações de rádio e televisão.

3 – A TV Globo, inequivocamente, foi financiada pelo grupo Time-Life.

4 – A discriminação publicitária, exercida por agências americanas (J. W. Thompson, McCann-Erickson, Grant Adversiting, International Adversit-ing Service, Multi Propaganda etc.), compromete a grande imprensa brasileira, quase toda ela constituída de jornais que baseiam suas receitas em mais de 80% de publicidade.”

A trama para a criação da TV Globo foi intermediada por Victor Civita, da Editora Abril. Ele quase foi convencido a criar a TV pretendida pelo grupo Time-Life, mas o temor de ser flagrado em delito por ser estrangeiro e possuir um grupo de comunicação — um impedimento legal, e por isso ele vivia no anonimato — o fez transferir o negócio para o amigo Roberto Marinho. Pelo acordo, a Globo comprou equipamentos a uma taxa de dólar um terço mais baixa do que o valor de mercado em vigor. O grupo Time-Life daria assessoria técnica à emissora.

Escândalo instaurado

De acordo com o contrato principal, o grupo norte-americano obteria parte dos lucros líquidos da Globo — ou seja, um ato ilegal, já que não podia haver participação estrangeira nos lucros de empresas brasileiras de comunicação. No contrato de assistência técnica constava a “obrigação” de o grupo Time-Life “colaborar” na elaboração do conteúdo da programação e noticiários — mais uma prática proibida.

Era uma violação do código brasileiro de telecomunicações da época. O acordo sequer foi apreciado pelo Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel). Apenas dois anos após a assinatura dos contratos a Globo enviou um deles — o de assistência técnica — para a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) — hoje com o nome de Banco Central (BC). Mesmo assim, os documentos não puderam ser lidos porque continham muitas rasuras. O contrato sem rasuras só seria entregue, por ordem do Contel, em julho de 1965.

Novamente para burlar as leis, a Globo, com o escândalo instaurado, trocou o contrato principal por um de arrendamento de um terreno onde se localizava a sede da televisão. Pelo contrato, a Globo seria locatária de um prédio vendido ao grupo Time Life. O problema é que o documento foi feito antes da venda do local aos norte-americanos. A Globo alugou um prédio que era seu. Em troca do uso, a televisão se comprometeu a pagar 45% do lucro líquido da empresa pelo aluguel. Somado aos 5% do lucro liquido, destinado à assessoria técnica, o grupo norte-americano detinha 50% da Globo.

Condenação por unanimidade

Para impedir qualquer tipo de fiscalização, alguns documentos da transação desapareceram. Depois de muita insistência do Contel, a Câmara dos Deputados, contrariando os golpistas, decidiu instaurar a CPI para investigar o caso. O assunto ganhou dimensão de escândalo público.

Em 22 de agosto de 1966, a CPI divulgou a condenação, por unanimidade, da Globo. ”Os contratos firmados entre a TV Globo e o grupo Time-Life ferem o Artigo 160 da Constituição, porque uma empresa estrangeira não pode participar da orientação intelectual e administrativa de sociedade concessionária de canal de televisão; por isso, sugere-se ao Poder Executivo aplicar à empresa faltosa a punição legal pela infrigência daquele dispositivo constitucional”, dizia o parecer do relator, deputado Djalma Marinho, que pertencia à Arena, o partido que sustentava a ditadura.

O primeiro presidente do ciclo golpista, Humberto Castelo Branco, pedira que o caso fosse investigado. Mas seu sucessor, Artur da Costa e Silva, decidiu não acatar a decisão da CPI e apoiar oficialmente a Globo. Em 1969, o grupo Time-Life desistiu dos contratos. A emissora de televisão da família Marinho, no entanto, já era um poderoso meio de comunicação — posição conquistada por meio de linhas de créditos abertas pela então estatal Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto ao noticiário, porque na Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz”, disse o terceiro general no poder, Emílio Garrastazu Médici.

Devidamente recompensados

Outras negociatas favoreceram os grupos que hoje dominam a mídia — como O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo, a Editora Abril, que também deram amplo respaldo ao regime de 1964 e foram devidamente recompensados pelos golpistas. O rompimento de Júlio de Mesquita Filho, do grupo O Estado de S. Paulo, com a ditadura, por exemplo, começou quando Castelo Branco não contemplou todos os seus interesses na formação do ministério. Quem conta a história é ninguém menos do que Armando Falcão, homem das entranhas do regime, no livro Tudo a declarar. O grupo de Júlio Mesquita Filho continuou apoiando o regime, mas a relação com o governo começou a se deteriorar, explica Armando Falcão.

No dia 1º de abril de 1964, O Estado de S. Paulo saudou o golpe com um editorial intitulado “São Paulo repete 32” — uma alusão à chamada “revolução constitucionalista”, da qual o principal líder civil era o então dono do jornal, Júlio de Mesquita Filho, para quem “o império da lei e da justiça” só poderia ser restabelecido no dia em que São Paulo voltasse “à sua condição de líder insubstituível da nação”. Era o pensamento da direita brasileira, insatisfeita com a Revoluçãode de 1930 liderada por Getúlio Vargas, já manifestado por Hipólito da Costa em 1808 quando surgiu o primeiro jornal brasileiro, o Correio Brasiliense — mesmo ano da criação da imprensa no Brasil. “Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis, mas ninguém se aborrece mais do que nós que essas reformas sejam feitas pelo povo”, disse ele.

Quando se aproximava o período mais duro da ditadura, em 11 de junho de 1968, O Estado de S. Paulo defendeu, em editorial, a censura a peças teatrais. “Foi uma oportuna manifestação a que se registrou recentemente na Assembléia Legislativa, pela palavra do deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado em representações teatrais no terreno do desrespeito aos mais comezinhos preceitos morais. O mundo teatral — tanto os atores e atrizes como os autores — vêm movendo uma campanha sistemática contra a censura, e como esta nem sempre é exercida por autoridades à altura de tão graves e, às vezes, tão delicadas questões, a tendência de muitos é cerrar fileiras entre os que combatem”, disse o jornal.

Cooptação de jornalistas

O alinhamento da mídia com os métodos daquele governo da ideologia conservadora também se deu com a formação de jornalistas no plano organizado pelo então diretor do Departamento de Projetos Sociais do Instituto Americano para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre — “American Institute for Free Labor Development” (AIFLD) —, William Doherty Jr., um célebre agente da Central Intelligence Agency (CIA). Ele foi diretor do AIFLD durante 30 dos 34 anos de existência daquela organização. Depois foi embaixador dos Estados Unidos na Guiana e ativo membro do fascista “Centro Por Uma Cuba Livre”.

O AIFLD surgiu no governo do presidente John Fitzgerald Kennedy por meio da Direção de Planificação da CIA para cercar a influência da revolução cubana na América Latina. Segundo o seu então presidente, George Meany, era “dever dos Estados Unidos contribuir para o desenvolvimento dos sindicatos livres na América Latina”. Foram ministrados cursos para 243.668 sindicalistas latino-americanos — muitos deles, jornalistas. Alguns receberam “capacitação especial” no “instituto de formação”, o Front Royal School, no Estado da Virginia.

A especialidade era, além da formação sindical, o comércio exterior norte-americano e a propaganda anticomunista. Um de seus braços era a Federação Interamericana de Organizações de Periodistas Profissionais (FIOPP). Seu secretário, o jornalista argentino Artur Scthirbu, esteve no Brasil por cerca de dois anos para cooptar o movimento sindical jornalístico brasileiro. A própria história da FIOPP explica a sua finalidade.

Interesses da categoria

Em 1959, o American Newspaper Guild, que é um sindicato de jornalistas dos Estados Unidos, e uma intitulada União de Jornalistas Livres, formada por exilados dos países do Leste Europeu, dirigiram um apelo a todo o continente americano para que os profissionais da imprensa participassem de uma reunião no Panamá, em 1960, quando seria criada uma entidade interamericana de organizações jornalísticas profissionais. Era uma resposta à tentativa de criação de uma federação latino-americana de jornalistas profissionais, com uma evidente linha de defesa dos interesses da categoria e de viés progressista.

As entranhas da FIOPP foram expostas quando uma vasta rede de corrupção mantida pela CIA foi desmontada, revelando como a organização — além da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), sediada em Bruxelas —, era financiada. No Brasil, a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais denunciou a FIOPP quando uma “junta governativa” foi nomeada pela ditadura no lugar da direção eleita no X Congresso Nacional de Jornalistas, realizado em setembro de 1963. “Os mesmos grupos que em 1961 haviam sido derrotados (…), e que em 1963 não haviam logrado sequer compor uma chapa concorrente às eleições, alcançaram finalmente (…) o domínio da Federação”, dizia uma mensagem da diretoria destituída.

Sindicalismo jornalístico

Segundo o documento da Federação, a diretoria conhecia bem os planos dos agentes da FIOPP. Emissários do grupo teriam viajado pelo Brasil, “numa campanha de arregimentação sem precedentes”, financiados com recursos estrangeiros — conforme denunciou o jornal Correio da Manhã. “Os jornalistas e os demais trabalhadores reconquistarão as organizações sindicais para nelas trabalhar na defesa dos seus interesses que se confundem com os interesses do Brasil independente, democrático, soberano, progressista e fraternal”, finalizava a mensagem.

A ”junta governativa” logo filiaria a Federação à FIOPP. Para valorizar a decisão, o III Congresso da organização interamericana foi realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1964. Uma mensagem do presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, registrou a sua satisfação por “ver profissionais da imprensa empenhados na campanha por melhores meios de desenvolver a cooperação interamericana”. Terminado o evento, a diretoria nomeada da Federação começou a aplicar as diretrizes da FIOPP. Quem se der ao trabalho de ler a coleção do boletim da entidade da época verá claramente os esforços para enquadrar o sindicalismo jornalístico brasileiro na linha daquela organização.

A corrupção e o anticomunismo eram discutidos publicamente — como foi o caso de uma nota da redação do Jornal do Brasil publicada no dia 13 de julho de 1966, quando as eleições na Federação entraram na ordem do dia e dois grupos (um deles apoiado pela FIOPP) disputavam o comando da entidade. “Agora — e é o mais grave —, uma estranha organização norte-americana, a FIOPP, a pretexto de fazer anticomunismo, está despejando muito dinheiro nos meios sindicais, prejudicando o andamento natural das eleições na Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais”, disse o jornal. Apesar dos protestos, a chapa da FIOPP venceu as eleições.

Intolerância social

Graças às práticas dessa mídia golpista muita gente no Brasil vê a política como um gesto pouco nobre. Atribuem-se à sua lógica coisas como a depauperação dos valores. É comum se ouvir que política é feita pela escória da sociedade. Um marciano de boa índole que tivesse chegado à Terra pelo Brasil e estivesse estudando a humanidade munido do noticiário da mídia, certamente anotaria em sua agenda que política é uma das coisas ruins que se inventaram por aqui.

O nexo dessas práticas é o entrave conservador. Apesar de os ideais da Revolução Francesa e da Independência Americana ter estimulado movimentos como os inconfidentes de Minas Gerais e da Bahia, ainda hoje pode-se dizer que eles não se realizaram plenamente em nossa pátria. É do arcabouço filosófico dos ideais republicanos que advêm idéias como democracia, direitos individuais, liberdade de expressão. Ele gerou, entre outras coisas, a revolução industrial, os sistemas políticos modernos, o conceito de igualdade entre os cidadãos e o advento de governos contratuais e eleitos. Desde a Era das Luzes até hoje, essa lógica impulsiona a luta por justiça social e justeza política.

Uma sociedade democrática deve alargar ao máximo o leque de possibilidades individuais e garantir um lugar digno a cada um. Para isso, é preciso assegurar, por meio de um regime verdadeiramente democrático, o direito de a sociedade escolher seu destino. Remover entraves como esse representado pela mídia é uma necessidade que se impõe pela relevância da circulação de informações verdadeiras em uma sociedade civilizada. A democratização da comunicação não pode ser uma abstração com pouca relação com a realidade objetiva do país. Se esquecermos os ensinamentos da história, estaremos dando chance para o fortalecimento da tese de que um regime baseado na ideologia conservadora, de intolerância social e de homens autômatos, é insubstituível. Aí vem o fascismo.

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Editor do Grabois.org.br