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    Sociedade

    Combate às fake news é censura ou defesa da democracia? Resposta à falácia de Pondé

    Taki Cordas desmonta falácias, expõe citações falsas e distorções históricas em resposta ao texto do filósofo na Folha de S. Paulo, que compara o combate às notícias falsas à atuação da KGB, na URSS

    POR: Táki Athanássios Cordás

    Em 23 de fevereiro, o doutor em filosofia e professor Luiz Felipe Pondé publicou, na Folha de S. Paulo, o artigo* “Papo sobre combate a fake news em defesa da democracia só engana bobo: aniquilar reputações sempre foi uma prática da Tcheka, a futura KGB, a maior agência de inteligência da história”.

    Quando pensamos num filósofo temos em mente alguém preocupado com questões maiores da humanidade. Aos mais de 60 anos ando me corrigindo.

    Para Platão, Filosofia é, e sempre será, a busca de um saber e não meramente um certo saber que se condensa numa doutrina fixa e imutável.

    Sócrates dizia que uma vida não pensada não vale a pena ser vivida. “Pensada” como sinônimo de “filosófica”, uma vida analisada de forma distante do banal.

    Muitos exemplos podem ser dados, mas filósofos não são necessariamente pessoas “fofas” e candidatos à beatitude ou santidade. Heidegger, por exemplo, foi membro do partido nazista de 1933 a 1945. Expulsou ou alijou da vida acadêmica, enquanto reitor da Universidade de Friburgo, grandes professores oposicionistas ao regime, judeus (como seu mestre Husserl), casados com judeus (como Karl Jaspers), entre outras maldades. 

    Claro, quando aproximo Heidegger com Pondé, não estou querendo comparar produções filosóficas tão díspares, seria como comparar uma gigantesca sumaúma com um bonsai de tuia. Mas, talvez, reafirmar que nem tudo que sai da boca de um filósofo é bom para o homem. Pepeu Gomes diria que “Porque o mal é o que sai da boca do homem”, mas obviamente ele estava falando de outra coisa. 

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    Pondé chama de “blá blá blá” o combate às fake news em defesa da democracia e, como aparentemente tem dificuldade em sustentar longamente seu argumento, resolve tergiversar e dizer que o vizinho de quem não gosta é feio, cruel e espalhador de notícias falsas. Ele, sim, (Pondé) faz isso.

    Artigo de Luiz F. Pondé, na Folha de S. Paulo, em 23/02/25. Imagem: Reprodução

    No citado artigo, Pondé atribui a Lenin a frase: “Dizer a verdade é um hábito da pequena burguesia”.  Repete o pastor evangélico Heleno Bezerra, citando frases de Lenin e Gramsci retiradas de um site de direita, sem qualquer referência bibliográfica.

    Em matéria do Estadão de 17 de dezembro de 2021, a repórter Clarissa Pacheco entrevistou vários historiadores para saber da veracidade dessa e de outras frases pelo pastor (incluindo essa citada por Pondé).

    Osvaldo Coggiola, professor titular de História Contemporânea da USP, afiança que as frases citadas como sendo de Lenin não apresentam referências porque não são verdadeiras. “Essas frases de Lenin simplesmente não existem. Não se cita a fonte porque são pura e absurda calúnia”, afirma o Prof. Coggiola.

    Para ler a matéria do Estadão, brilhantemente escrita por Clarissa, acesse: Frases atribuídas por pastor a Lênin, Gramsci e ao Manifesto Comunista são falsas

    Parte o articulista a seguir, a lançar suas diatribes ao combate das fake news, afinal, deve acreditar que democracia é falar o que se quer sem necessariamente citar fontes confiáveis ou o contexto. Acredita que combater as fakes news é um ato de ditadura (talvez do proletariado) contra a liberdade de expressão. 

    O nada esquerdista filósofo Karl Popper, expoente do positivismo lógico, deixava claro que a tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da tolerância. Essa ideia é conhecida como o “paradoxo da tolerância”. A sociedade tem direito de autopreservação que supera o princípio da tolerância.  Mas, claro que citar Popper não interessa nessa hora ao Prof. Pondé, interessa-lhe muito mais falar dos gulags e dos crimes da URSS.                                     

    Muitos crimes foram cometidos em nome do comunismo e de algo que se tentou chamar de comunismo, assim como de todos os ismos. Mas o artigo, para defender as fake news, resolveu ir bem longe: invocou a Tcheka e a KGB; afirmou:

    “Lênin era cruel, impiedoso e violento. Trótski, aquele mesmo patrono dos ciclos de “cinema e revolução” entre artistas, estudantes e professores de classe média alta, era tão cruel impiedoso e violento quanto Lênin e Stálin.”

    Eu sou psiquiatra e não entendo nada de psicanálise, mas talvez um bom psicanalista diria que pesadelos repetidos com o fantasma (ou espectro) do comunismo causem muitos problemas e idéias obsessivas.

    Um dos possíveis problemas ocorre com a memória, em particular a memória histórica.

    Nos séculos XX e XXI, os EUA se envolveram em mais de 30 conflitos militares direta ou indiretamente, mandando armas e terceirizando mortes. Apenas alguns mais recentes: Panamá (1989), Iraque (1990), Iugoslávia (1995), Afeganistão (2001), Iraque (2003), Líbia (2011), Síria (2014), Ucrânia (2022), e por favor, é obrigatório lembrar da Palestina (2023).   

    Leia também: Fascismo contemporâneo cultua ignorância para se perpetuar                                        

    Lembrar de golpes contra governos populares, apoio a ditaduras e governos totalitários, treinamento de torturadores, promoção de massacres por parte dos americanos ao longo de mais de um século, não exige muita pesquisa bibliográfica: do Vietnã à Guatemala, da Grécia ao Chile . Afinal, quem se incomoda de derrubar repúblicas bananeiras, não é?

    O artigo é longo e, como sempre, muito bem escrito pelo prof. Pondé, tão bem escrito quanto falacioso.  “Dizer a verdade é um hábito da pequena burguesia” é tão Lenin quanto “Independência ou morte” ou “Se não tem pão que comam brioches”.

    Agradeço imensamente ao camarada dr. Walter Sorrentino, vice-presidente nacional do PCdoB e presidente da Fundação Maurício Grabois pelo incentivo na elaboração desse artigo. 

    *Nota: O texto de Luiz Felipe Pondé citado neste artigo está disponível apenas para assinantes de Folha de S. Paulo.

    Táki Athanássios Cordás é Coordenador da Equipe Multiprofissional de Assistência do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP. Coordenador do Programa de Transtornos Alimentares (AMBULIM) do IPQ-HCFMUSP. Prof. dos Programas de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da USP, do Programa de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da USP e do Programa de Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Pós-Graduação (latu-sensu) em Filosofia (PUC-RS).

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

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