100 anos da Lei de Férias: conquistas, retrocessos e disputas
Em uma modesta nota publicada no jornal Correio da Manhã, de 29 de dezembro de 1925, a Associação dos Empregados no Commercio (AAEC) do Rio de Janeiro vinha a público comemorar a sanção da primeira lei de férias aprovada no Brasil. A nota da AAEC foi publicada cinco dias após o presidente da República Arthur Bernardes sancionar o Decreto nº 4.982, de 24 de dezmbro de 1925, concedendo 15 dias de férias remuneradas anuais aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, jornalistas, e de instituições de caridade e beneficentes. O decreto ainda estabelecia que o período de descanso pudesse ser concedido de uma só vez ou parcelado e previa multa de dois milhões de réis a quem infringisse a nova legislação. O valor era relativamente alto. A nível de comparação, na mesma edição do Correio da Manhã, uma casa com duas salas, dois quartos, cozinha, banheiro e chuveiro era anunciada por dezesseis milhões de réis.
Apesar de a nota da AAEC afirmar que a entidade lutava pela implementação de uma lei de férias há 15 anos, o recesso remunerado não era uma reivindicação prioritária da classe trabalhadora da época, que concentrava suas mobilizações na regulamentação da jornada de trabalho de oito horas e no aumento salarial. Importante salientar que, ao contrário das férias, o descanso semanal remunerado figurava como uma pauta antiga em alguns setores, como os comerciários, por exemplo.
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Justamente por não ser uma bandeira dos trabalhadores é que as férias podem ter entrado na pauta da Câmara dos Deputados. A explicação pode estar no esforço dos parlamentares em evitar conflitos mais intensos entre os empregados e o empresariado, promovendo um direito que não era oriundo de pressões sociais com a chancela do Estado. Havia também o interesse dos deputados de patrocinar o benefício com o objetivo de angariar capital político junto aos trabalhadores.
Contudo, talvez a principal razão para que a lei de férias tenha sido aprovada esteja na tentativa das elites políticas de frear um conjunto mais robusto e amplo de leis do trabalho, fornecendo pequenos avanços sociais aos trabalhadores. Nesse sentido, é importante ressaltar que o direito às férias vinha sendo discutido na Câmara desde 1917 com a análise de um projeto de Código de Trabalho, apresentado na esteira da Greve Geral daquele ano. O texto não foi aprovado, mas deu origem à Lei de Acidentes de Trabalho, de 1919.
Em 1923, uma nova tentativa de elaboração de um código de trabalho voltou às discussões. Entre outros pontos, o projeto previa:
- oito horas de trabalho diárias ou quarenta e oito horas de trabalho semanal;
- concessão de um dia de descanso semanal aos domingos;
- proibição do trabalho de menores de 14 anos e do trabalho noturno para mulheres; e
- férias de 15 dias.
Assim como em 1917, a proposta de se elaborar um código de trabalho foi esvaziada, resultando em duas novas legislações específicas: a Lei de Férias, de 1925, e o Código de Menores, de 1926. Desta forma, o que seria um bloco coeso de regras que regulamentaria o trabalho no país, se tornou dois dispositivos pontuais.
Disputas, resistências empresariais e regulamentação
O projeto da Lei de Férias foi apresentado pelo deputado carioca Henrique Dodsworth e discutido em uma comissão formada pelo também deputado Afrânio Peixoto e pelos secretários do Conselho Nacional do Trabalho (CNT), Lins Mario Poppe e João Lousada. O texto original concedia os dias de licença apenas aos comerciários e escriturários, mas ampliou o benefício também aos operários, causando reações da burguesia industrial brasileira.
O empresariado apelava para o moralismo na tentativa de barrar a análise do projeto, argumentando que a eventual aprovação da Lei de Férias incentivaria a ociosidade e a vadiagem no meio operário. Para o patronato, apenas os empregados do comércio deveriam ser beneficiados pela legislação.
Mesmo com a pressão empresarial, o texto foi aprovado no final de 1925 e levado à sanção presidencial. Apesar da evidente conquista, os trabalhadores não puderam gozar imediatamente do benefício. O dispositivo demorou quase um ano para ser regulamentado e, somente em outubro de 1926, as regras foram publicadas no Diário Oficial da União, por meio do decreto nº 17.496.
Durante o ano de 1926 diversas reuniões foram realizadas a fim de regulamentar a aplicação da nova legislação. Os encontros contavam com a participação de parlamentares, representantes do CNT, e de trabalhadores e empresários. Um anteprojeto foi apresentado sob a relatoria de Libanio da Rocha Vaz, representante dos empregadores, cabendo ao desembargador Ataulpho de Paiva a presidência dos trabalhos.
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Um dos pontos de maior divergência tratava sobre a concessão dos 15 dias de férias aos trabalhadores demitidos nos últimos três meses do ano, desde que o motivo da dispensa não fosse por falta grave. Após acalorados debates, a redação final estabeleceu o pagamento dos 15 dias de férias aos empregados dispensados, desde que tivessem trabalhado no curso do 12º segundo mês.
Desta forma, em 30 de outubro de 1926 (Decreto nº 17.496) a Lei de Férias foi regulamentada, prevendo que as férias fossem sempre gozadas nos 12 meses seguintes ao que o empregado tivesse obtido o direito; proibindo desconto de faltas por doença ou por outro motivo de força maior; possibilidade de os dias serem concedidos de uma só vez ou parceladamente; estabelecendo que as férias deveriam ser concedidas na época que melhor atendesse o interesse da empresa; e que o pagamento referente aos 15 dias deveriam ser pagos antes de o trabalhador entrar de férias, entre outros pontos.
Mesmo após regulamentada, a Lei de Férias ainda suscitava dúvidas sobre sua aplicação. A principal delas era sobre se a contagem para o gozo dos dias deveria considerar o decreto, de dezembro de 1925, ou a publicação no Diário Oficial, em outubro de 1926. Prevaleceu o entendimento de que o decreto seria o marco a ser aceito para os cálculos de concessão do benefício.
Outro aspecto importante da lei foi o fato de ela atribuir ao CNT a fiscalização da execução das regras recém-aprovadas, examinando os livros, fichas e cadernetas com os registros dos trabalhadores. Nos meses imediatamente seguintes à promulgação da lei, diversos casos começaram a chegar ao CNT, a maioria deles eram reclamações trabalhistas referentes às carteiras de trabalho. Muitos empregados buscavam o órgão argumentando que tiveram o benefício negado por não conseguirem comprovar o tempo de trabalho por meio dos registros nas carteiras de trabalho.
Em muitas situações, os empregados conseguiam ter suas contestações acolhidas. Além disso, os casos analisados pelo CNT começaram a formar jurisprudência trabalhista, como a pacificação do entendimento de que a demissão voluntária não acarretaria na perda do pagamento de férias.
- Documento histórico do texto original da Lei de Férias, aprovado em 1925, preservado no Arquivo da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). Foto: Rossini Gomes.
- Nota da a Associação dos Empregados no Commercio (AAEC) do Rio de Janeiro sobre a sanção da primeira lei de férias aprovada no Brasil, publicada no jornal Correio da Manhã, em 29/12/1925. Crédito: Arquivo do autor
Da conquista formal à luta pela efetivação do direito
Se a criação da Lei de Férias não foi uma prioridade dos trabalhadores, o mesmo não se pode dizer de sua aplicação. Com as regras regulamentadas, entidades sindicais passaram a pressionar patrões e autoridades para que a nova legislação fosse seguida. Em dezembro de 1927, foi fundado o Comitê Pró-Lei de Férias, na sede da União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT).
Nesse contexto, a UOFT foi uma importante entidade na luta pela aplicação da Lei de Férias, iniciando uma campanha para incentivar seus sindicalizados a reivindicarem o direito recém-adquirido. Em 1929, a UOFT saiu em defesa de 800 trabalhadores/as da Fábrica de Tecidos Botafogo que haviam sido dispensados sem receberem as férias a que tinham direito.
Mas o que parecia ser uma nova conquista sólida adquirida pelos trabalhadores não durou muito tempo. Em 1931 o Decreto nº 19.808 suspendeu toda a legislação anterior sob o argumento de que a Lei de Férias causava “confusão resultante das várias interpretações do aludido texto ocasionando constante desinteligência entre patrões e empregados ou patrões e operários”. Além de suspender a Lei de Férias, o decreto de 1931 determinava que as empresas deveriam conceder férias aos empregados que tivessem direito ao período até abril de 1932, retroativo a 1930, e que o recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio criaria uma comissão encarregada de elaborar um anteprojeto de reforma da lei.
Somente em 1934, por meio do Decreto nº 23.768, o benefício foi restabelecido com regras semelhantes ao que havia sido firmado em 1926. A principal mudança estava no artigo quarto, que condicionava a concessão das férias exclusivamente aos trabalhadores associados a sindicatos de classe reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A medida estava em sintonia com a Lei de Sindicalização, aprovada em 1931, e com a investida de Getúlio Vargas de manter os trabalhadores e sindicatos sob a tutela do Estado.
Somente com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que o recesso anual remunerado passou a constar como um direito consistente na vida dos brasileiros que trabalham com vínculo formal de trabalho.
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Hoje, as regras que dispõem sobre as férias estão presentes em diversos artigos da CLT, como o pagamento em dobro dos dias de descanso se ultrapassar o período concessivo, possibilidade de saída coletiva em até dois períodos no ano, possibilidade de “vender” até 1/3 do tempo de descanso e a obrigatoriedade de informar o período de descanso com 30 dias de antecedência. Mais recentemente, a Reforma Trabalhista, de 2017, criou a possibilidade de divisão do tempo de descanso em até três períodos e a proibição de as férias começarem dois dias antes de feriado ou do descanso semanal.
Desta forma, como pôde ser visto, o direito às férias foi um benefício forjado dentro da burocracia estatal e do legislativo brasileiro, temeroso das pressões sociais do período. Embora não fosse uma agenda prioritária do sindicalismo, o não cumprimento da lei por parte do empresariado logo se tornou mais um elemento de mobilização e luta por direitos por parte dos trabalhadores, em um contexto marcado por crescente efervescência política e social e pela intervenção estatal nas relações de trabalho.
Ao longo dos anos, diversas legislações foram promulgadas, revogadas e alteradas. O direito às férias sofreu resistências de industriais e empresários brasileiros e demorou até se tornar um direito solidificado aos trabalhadores. Contudo, hoje, é um benefício líquido e certo e favorece milhões de empregados e empregadas de todo o país.
Bruno Lima é mestre em História Social (UnB).
*Publicado originalmente no site do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT), em 15/12/2025, sob o título CE #38: 100 anos da Lei de Férias: conquistas, retrocessos e disputas – Bruno Lima.
**Este é um artigo de opinião. As ideias expressas pelo autor não necessariamente refletem a linha editorial da Fundação Maurício Grabois.
Referências
GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
GOMES, Ângela Castro. Cidadania e direitos do trabalho: descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
NUNES, Guilherme Machado. “Esse direito arrancado no tempo reacionário”: A primeira Lei de Férias brasileira (1925-1930). In: revista Perseu: história, memória e política. nº 13. 2017.
NUNES, Guilherme Machado. “A Lei De Férias No Brasil é Um Aleijão”: Greves E Outras Disputas Entre Estado, Trabalhadores/as E Burguesia Industrial (1925-1935). 2016.
PIRES, I. C. da S. As mulheres na União dos Operários em Fábricas de Tecidos: atuações, obstáculos e negociações (Rio de Janeiro, 1926 – 1930). Tempos Históricos, [S. l.], v. 26, n. 2, p. 274–307, 2022. DOI: 10.36449/rth.v26i2.28459.
POPINIGIS, Fabiane. Proletários de casaca: trabalhadores no comércio (Rio de Janeiro, 1850-1920). 1a.. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007. 261p .

