I – Infância e Juventude

NADEZHDA KRUPSKAIA, a amiga mais íntima, a companheira de vida e de luta do grande Lênin, magnífica representante da velha guarda bolchevique, destacada lutadora da frente cultural do país soviético, nasceu em Petersburgo a 26 de fevereiro de 1869.

O pai de Krupskaia, Konstantín Krupski, descendente de uma família nobre empobrecida, era oficial do exército. Pessoa de grande inteligência e muito lida não se parecia ao comum dos oficiais do exército tzarista. Essa a razão porque desde sua juventude os comandantes o trataram com suspeita.

A mãe, Elisabete Tistrova Krupskaia, era ainda criança quando perdeu seus pais; fez estudos por conta do Estado e, ao terminá-los, trabalhou em casas de latifundiários como professora.

Quando os pais de Krupskaia se casaram, não tinham, segundo contava a mãe,

“nem casa, nem lenha para o fogão, e houve dias em que tiveram que pedir emprestados vinte kopeks para comprar algo para comer”.
Tendo obtido logo um posto de chefe de distrito numa das províncias polonesas que então pertenciam à Rússia — “províncias do reino da Polônia” — o pai de Krupskaia, devido a suas convicções políticas, era a pessoa menos indicada para impor a violenta política de russificação que o governo tzarista executava nas regiões “periféricas”, numa época, que passou para sempre, em que a Rússia era uma prisão de povos.

Konstantin Krupski tratava com profunda simpatia a população polonesa e judia do distrito e gozava da sua consideração. Por tal “conduta”, incompatível com um funcionário tzarista, começaram a chover contra ele, como indivíduo politicamente suspeito, as denúncias dos agentes da polícia secreta e dos gendarmes. Inclusive o fato de poder entender-se com a população polonesa em sua língua materna, figurava entre as “provas de culpabilidade”, pelas quais, finalmente, foi destituído e processado. O processo, passando de instância em instância, demorou toda uma década, e chegou por fim ao Senado. Só depois de dez anos de trâmites judiciais e pouco antes da morte de Krupski, é que o Senado rechaçou a acusação por falta de provas.

As perseguições de que seu pai foi alvo, a constante procura de trabalho (agente de seguros, contador, inspetor) e, por este motivo, as mudanças de cidade em cidade; as relações do pai com pessoas de convicções políticas idênticas, a simpatia com que a mãe via as concepções revolucionárias de seu marido, tudo isso deixou profundas marcas na mente sensível da menina.

Desde sua infância que Krupskaia se imbuiu do espírito de revolta contra o monstruoso ambiente que a rodeava.

Quando contava seis anos de idade, seu pai trabalhava em Ugitch como inspetor de uma fábrica. Em casa ouvia sempre os relatos de seu pai sobre o regime na fábrica e sobre a impiedosa exploração a que estavam submetidos os operários e criou um grande ódio ao diretor. Ao brincar com outras crianças, jogando bolas de neve no pátio da fábrica, procurava sempre acertar no diretor se acontecia passar por ali, e se conseguia seu intento ficava toda contente.

Bem cedo Krupskaia perdeu seu pai e sofreu ainda maiores privações. Aos quatorze anos, estando no ginásio, viu-se obrigada a dar lições particulares, recebendo em paga uma miséria. Tratava de aumentar quanto possível os escassos haveres da mãe, que depois da morte do pai recebia uma mísera pensão.

Não melhorou a situação quando Krupskaia terminou o ginásio. Ela recorda em “Tempos Remotos”:

“Vivíamos então com minha mãe bem modestamente da sub-colocação de quartos, fazendo cópias à mão, etc. De manhã até à noite eu corria de uma aula a outra, mas essas lições tinham um caráter temporário; só uma aula noturna era fixa, no ginásio, porém isto não me permitia ir às reuniões nem trabalhar na escola noturna e tive que abandoná-la”.
O fato, aparentemente sem importância, de deixar a aula noturna no ginásio, único trabalho fixo, com o fim de dispor das noites para assistir aos círculos e dar lições grátis aos operários, é muito significativo para o caminho que em breve Krupskaia viria a seguir, caminho de luta abnegada pela causa da classe operária, pela causa da revolução proletária.

Precedendo sua aspiração de entrar em contacto com os operários, transcorreu um período doloroso de dúvidas e hesitações para definir-se, para encontrar o caminho certo, período de que Krupskaia fala em uma carta à irmã de Lênin, M. Uliánova, escrita no desterro siberiano em 1899:

“… Lendo tua carta a Vladimir, na qual lhe perguntas a que dedicar-te, lembrei minhas próprias dúvidas em tua idade. Tinha decidido dedicar-me à profissão de professora rural, mas não consegui trabalho. Aspirava ir para o campo. Mais tarde, quando começaram os cursos superiores para mulheres, os cursos de Bestuyev, neles ingressei, pensando que começariam a explicar-nos imediatamente tudo o que me interessava, porém, quando vi que falavam de coisas completamente diferentes, abandonei os cursos. Numa palavra, pulava desorientada de uma coisa para outra. Só aos 21 anos tive conhecimento de que existiam certas “ciências sociais”.(1)
E então, com todo seu ardor juvenil, com sua sede infinita de saber, com todo o calor de seu grande coração, Krupskaia dedica-se ao estudo destas “ciências sociais”.

Era uma época — primeira metade da década de 90 — em que os melhores representantes da juventude intelectual russa — sendo Krupskaia a melhor entre os melhores — liam Marx com entusiasmo, uma época em que o jovem Lênin em seu livro magnífico “Quem são os amigos do Povo?”, polemizando com o populista Mikailovski, escrevia:

“O poder irresistível com que esta teoria (marxista) atrai os socialistas de todos os países, consiste precisamente em reunir o caráter rigoroso e elevado da ciência (sendo a última palavra da ciência social) ao espírito revolucionário, e esta coincidência não é casual, não se deve unicamente ao fato de que o fundador da doutrina reuniu as condições de sábio e de revolucionário, mas que é orgânica e indissolúvel”(2).
Quando apenas começava a formar-se nas massas trabalhadoras da Rússia a consciência de classe, quando do seio das massas começaram a destacar-se indivíduos avançados. Krupskaia — ainda muito mocinha — estudando Marx nos círculos estudantis e individualmente, até altas horas da noite, convenceu-se, completamente só, antes ainda de seu encontro com Lênin, da idéia de que o marxismo não é um dogma, e sim um guia para a ação. Disse ela certa vez:

“Quando comecei a compreender o papel que o operário devia desempenhar na libertação de todos os trabalhadores, senti um desejo irresistível de estar entre os operários, de trabalhar entre eles”.
Para realizar seu propósito, a jovem propagandista dirige-se a uma escola noturna para operários. Nessa escola noturna-dominical, situada num subúrbio, por traz da porta de Nievski, Krupskaia entra pela primeira vez em contacto com os operários; ali se estabelecem os laços que. cada vez mais fortes, chegam a ser vínculos indissolúveis para toda a sua grande e admirável vida; ali aprende a compreender intimamente o operário, suas necessidades, suas aspirações; ali aprende a arte de manter tão bem uma “conversa com operários”. A respeito de uma dessas conversas, que se realizou já após a morte de Lênin, Krupskaia dizia ao grande escritor russo, Máximo Gorki:

“Veio me visitar certa vez uma delegação de operários da região de Ivanovsk – os operários vêm me ver com frequência, simplesmente para falar um pouco, para pedir conselho, contar-me suas coisas — e conversamos com agrado. Ao despedir-se, um deles disse-me: “Há muito que queríamos falar contigo, mas nunca imaginamos que pudéssemos ter contigo uma conversa tão natural, como se fosses operária. Imagino estar contando isto a Lênin: como ele ficaria contente”.
Não era nada fácil utilizar aquela escola legal para fins ilegais. Aconteceu, por exemplo o seguinte: na classe de aritmética de um grupo de alunos que repetiam o ano, veio certo dia em visita de inspeção um superior; os alunos se esmeraram em mostrar seus conhecimentos em frações decimais; o personagem sorriu com um esgar amargo, elogiou os alunos e depois de ter-se retirado veio o desenlace: a ordem de dissolver o grupo, porque os alunos não deviam saber mais do que as quatro operações aritméticas, e nada de frações decimais, quando isto não entrava no programa!. . .

No peito do fabricante russo de então “lutavam duas almas”. Por um lado necessitava de operários instruídos, por outro, temia que uma vez alcançada certa instrução, os operários não quisessem trabalhar a troco de uma diária miserável, uma diária que nenhuma lei limitava que atingia até 14 horas e mais. Por isso tinha o cuidado de não passar a “medida”, de “manterem-se nas quatro operações” e não chegarem de modo nenhum “às frações decimais”.

A vigilância constante de que era alvo a escola, a visita dos policiais, atrapalhavam mas, não podiam impedir o trabalho de Krupskaia, e a pretexto de ensinar geografia, ela consegue familiarizar os alunos com a economia política e realizar propaganda anti-religiosa. O resultado obtido reflete-se no fato seguinte: numa das palestras com os alunos operários, demonstrando-lhes a importância que tem livrar-se do ópio da religião, escuta dos lábios de um aluno a seguinte resposta:

“É verdade, não há nada pior do que ser escravo de Deus, porque no que se refere às pessoas podemos ajustar as contas com elas”.
Também fora da escola Krupskaia se preocupa em manter contacto com os operários avançados, entre os quais se destacam homens notáveis como o operário Ivan Bábushkin, a quem Lênin chamou mais tarde de herói popular. Sobre ele, Lênin escrevia em 1910:

“Sem homens como este o povo russo continuaria sendo um povo de escravos, um povo de servos. Com homens como este, conseguirá sua libertação completa de toda a exploração” (3).

                                   II — Chegada de Lênin a Petersburgo

OS PRIMEIROS círculos de propaganda marxista, dos quais Krupskaia era membro ativo, esbarravam com dificuldades enormes em Petersburgo, capital dos tzares.

A complexidade do problema consistia não só na necessidade de vencer toda a espécie de barreiras criadas pela polícia e os gendarmes, a fim de abrir caminho até o auditório operário, como também na dura luta ideológica que era necessário manter contra as concepções populistas, muito difundidas então entre os operários avançados e entre a intelectualidade de tendências revolucionárias.

Não se deve esquecer que naquela época estavam ainda bastante enraizadas as afirmações dos populistas de que o marxismo não era aplicável na Rússia agrária, atrasada, a Rússia dos “mujiks”, onde o peso específico dos operários industriais era, naquele tempo, muito insignificante. Para defender sua posição, os propagandistas marxistas tinham que apresentar provas convincentes, mas eles próprios estavam muito pouco preparados ainda no terreno teórico: “estávamos muito pouco preparados, não conhecendo muito mais de Marx do que o primeiro volume do “O Capital”, sem sequer ter visto o “Manifesto Comunismo” — conta Krupskaia, recordando aquele período de sua vida.

Mas Lênin veio então em seu auxilio.

Grande agitação produziu o aparecimento daquele marxista, até aí desconhecido, jovem de 23 anos, com amplos conhecimentos teóricos, com um grande amadurecimento e clareza de pensamento para apresentar e resolver, não só problemas teóricos, como também questões práticas da luta revolucionária.

“Em fins de 1893, Lênin mudou-se para Petersburgo. Suas primeiras intervenções produziram forte impressão nos que assistiam aos círculos marxistas de Petersburgo. Seu conhecimento extraordinariamente profundo das obras de Marx, sua capacidade em aplicar o marxismo à situação econômica e política da Rússia daquele tempo, sua fé ardente e inquebrantável no triunfo da causa operária, seu formidável talento de organizador: tudo isto converteu Lênin no dirigente indiscutível dos marxistas de Petersburgo”(4).
Dominado pela idéia de que era necessário unir o marxismo com o movimento operário da Rússia, Lênin, ao conhecer Krupskaia, interessou-se vivamente por seus relatos sobre a escola noturna-dominical para operários, por suas relações com eles e pelas lições que lhes dava. Escutava atentamente as características de alguns alunos da escola. Começou a atrair sua atenção especialmente o operário Ivan Bábushkin, que mais tarde foi o mais íntimo amigo de Lênin e de Krupskaia. Ivan Bábushkin morreu em seu posto de revolucionário, fuzilado na Sibéria, em 1906, pela expedição-punitiva do verdugo tzarista, barão Rennenkampf.

Krupskaia tomou parte ativa no trabalho realizado por Lênin para preparar os primeiros quadros de ativistas do futuro partido do proletariado russo.

Por intermédio de Bábushkin, Krupskaia organiza um circulo operário que Lênin começa a dirigir. Nas memórias de Bábushkin, lemos as seguintes linhas sobre este círculo:

“… Começaram os estudos de economia política, seguindo-se Marx. O conferencista expunha verbalmente esta ciência, sem recorrer a apontamentos, procurando muitas vezes provocar em nós uma réplica, ou despertar o desejo de entabular discussão, e então nos açulava obrigando um de nós a demonstrar ao outro o acerto de seu ponto de vista sobre determinado problema. Deste modo, nossos estudos tinham um caráter muito animado e interessante, com tendência a desenvolver em nós hábitos oratórios. Todos estávamos muito satisfeitos com as lições e admirados da inteligência de nosso professor”.
Mais adiante o trabalho de propaganda se amplia e a propaganda marxista abrange cada vez maior número de círculos.

“Em 1895, Lênin unificou todos os círculos operários marxistas que funcionavam em Petersburgo (já eram cerca de 20) na “União de Luta pela Emancipação da Classe Operária”. Era um passo preparatório para a criação de um partido operário marxista revolucionário.
Lênin traçou para essa “União de Luta” a missão de vincular-se mais estreitamente com o movimento operário de massas e dirigi-lo politicamente. Propôs que se passasse da propaganda do marxismo entre o número reduzido de operários avançados, congregados em círculos de propaganda, à agitação política ardente entre as grandes massas da classe operária. Esta virada para a agitação de massas teve enorme importância para o desenvolvimento posterior do movimento operário na Rússia”(5).
Neste momento, ao passar a novos métodos de trabalho, quando surgiu a necessidade de volantes e folhetos ilegais, onde se manifestassem as necessidades diárias das massas operários, Krupskaia trabalhou ativamente tanto para reunir dados concretos sobre a vida dos operários, como para preparar e redigir essas publicações. Aproveitou para isso suas relações com os intelectuais de tendência revolucionária, organizando em suas casas a impressão de manifestos, em mimeógrafo e outros aparelhos primitivos.

Algum tempo depois Krupskaia conseguiu relacionar-se com a imprensa ilegal organizada em 1885, pelos membros da organização “A Liberdade do Povo”, às margens do Lajti, perto de Petersburgo, e cujos tipógrafos simpatizavam com os marxistas. Com sua ajuda se imprimiram ali volantes e folhetos de propaganda, inclusive o folheto de Lênin “Sobre as Multas”. Pensava-se em utilizar a imprensa de Lajti para editar o primeiro número da revista popular ilegal “Rabotcheie Dielo” (A Causa Operária), preparada por Lênin, cujo texto definitivo foi lido em casa de Krupskaia.

Esta revista leninista não chegou a aparecer, porque os gendarmes a apreenderam na noite da detenção de Lênin e de seu grupo, de 8 para 9 de dezembro de 1895. Krupskaia e Bábushkin conseguiram escapar daquela vez.

Lênin, como se sabe, de dentro da prisão, não deixou de dirigir a organização, enviando de lá textos de proclamações, elaborando o programa do futuro partido, etc. Krupskaia, valendo-se da irmã de Lênin, à qual tinham permitido visitá-lo, foi quem organizou a ligação sistemática de Lênin com a organização, recebia suas diretivas para os camaradas que estavam em liberdade e o informava sobre a marcha da organização.

Toda a primavera e o verão de 1896 foram consagrados por Krupskaia a um grande trabalho de propaganda e organização, em relação com a onda de greves que, no verão de 1896, atingira uma série de empresas de Petersburgo. Como resultado dessas greves foi estabelecida na Rússia a primeira lei de limitação da jornada de trabalho a 11 horas e meia.

Entregue a este intenso trabalho revolucionário, que adquirira um caráter de massas, sendo por isso difícil conservar um rigoroso caráter conspirativo, Krupskaia caiu nas mãos dos cães de fila tzaristas: a 12 de agosto de 1896 foi presa com Bábushkin e outros camaradas.

                                                                  III — A Prisão e o Desterro

AO VER-SE na cela solitária da prisão preventiva de Petersburgo, Krupskaia estabelece logo um intercambio epistolar clandestino com Lênin, que está ali desde dezembro de 1895, e cujas cartas a ela e a outros camaradas presos refletem um alto espírito e concitam a prosseguir na luta.

Sete meses passou Krupskaia naquela cela solitária, aproveitando esse tempo para sérios estudos teóricos. Apesar dos policiais não terem mais provas de sua participação na “União de Luta pela Emancipação da Classe Operária” do que os informes de seus agentes, não a teriam posto em liberdade tão rapidamente se não tivesse sobrevindo uma tragédia na prisão. A estudante Vétrova suicidou-se em sua cela, embebendo o vestido em petróleo e ateando-lhe fogo.

Este suicídio, que certos rumores relacionaram com a violação de Vétrova por um dos oficiais da guarda, levantou grande clamor. A polícia, temendo a indignação geral, apressou-se a soltar da prisão preventiva todas as prisioneiras políticas. Entre elas Krupskaia também recuperou a liberdade. Contudo, depois da prisão a esperava o desterro em Ufá, sob a observação da polícia.

O breve período de estadia em Petersburgo, antes de ser deportada, foi aproveitado por Krupskaia para pedir que lhe fosse concedido cumprir a pena de desterro, não na província de Ufá. mas junto com Lênin, na Sibéria, na aldeia de Shushensk. Seu pedido foi aceito sob a condição de que contraísse matrimônio com Lênin ao chegar àquela aldeia. A isso se referem os dois documentos da polícia que reproduzimos a seguir:

(1) Secreto
Governo Civil — S. de Petersburgo
Departamento de Segurança Social e manutenção da ordem na capital.
16 de abril de 1898
N.° 4625
Ao snr. governador de Yenisey.
Por ordem de sua majestade, datada de 11 de março de 1898, e por proposta do senhor ministro da Justiça, Nadezhda Konstantinov na Krupskaia, filha de um oficial do exército de origem nobre, por um crime contra o Estado foi condenada ao desterro e a permanecer sob a vigilância da polícia na província de Ufá, pelo prazo de três anos, até o dia 11 de março de 1901.
A pedido de Nadezhda Krupskaia, o Ministério do Interior considera possível permitir-lhe que passe sua condenação no distrito de Minusinsk, província de Yenisey, em vez de fazê-lo na província de Ufá, devido a achar-se ali como deportado seu noivo Vladimir Uliánov, com a advertência de que, se ao chegar ao lugar de confinamento não contrair matrimônio com o citado Uliánov, será transferida para a província de Ufá.
Visto ter saído nesta data a citada Krupskaia de S. Petersburgo, com um certificado de trânsito, para o distrito de Minusinsk, considero de meu dever comunicar o fato a vossa senhoria, para as disposições necessárias afim de submeter Krupskaia à observação da polícia, nas condições indicadas no decreto de sua majestade e na ordem do ministro do Interior. Junto segue o passaporte de Krupskaia.
Major — General (firma ilegível).

O chefe do departamento, Coronel (firma ilegível).

(2) Secreto
Ao Exmo. Snr. Governador de Yeuisey
do comissário do distrito de Minusinsk.
Parte
Em cumprimento da ordem n.° 321 datada de 21 abril, tenho a honra de comunicar a V. E. que na noite de 6 de maio, chegou a Minusinsk a deportada pelo governo, Nadezhda K. Krupskaia, filha de um oficial do exército, estabelecendo-se imediatamente a vigilância da polícia. Ontem seguiu viagem para Shushensk, ponto de destino, tendo sido avisado o delegado Rural do terceiro setor do distrito de Minusinsk para que estabeleça a vigilância policial de Krupskaia e observe o cumprimento da ordem de contrair matrimônio com o deportado Uliánov, sobre o que participarei oportunamente. Da chegada de Krupskaia deu-se conhecimento também ao chefe da Direção da gendarmeria da província de Yenisey, a seu ajudante no distrito de Minusinsk e ao inspetor das prisões da província de Yenisey.
O comissário do distrito de Minusinsk: Stepánov.
QUATRO dias depois da chegada de Krupskaia a Shushensk, Lênin, gracejando, dizia numa carta a seus íntimos, datada de 10 de maio de 1898:

“Sim, Aniuta me pergunta quem convido para o casamento. Naturalmente que os convido a todos, porém não sei como fazê-lo, talvez seja melhor pelo telégrafo!! Como vocês sabem impuseram uma condição tragicômica a N. K.: se não contrair matrimônio imediatamente (sic) a mandam para Ufá. Não estou disposto a consentir nisso”…(6)
Krupskaia se refere com frases líricas aos dois anos passados com Lênin no desterro siberiano, numa carta a uma jovem amiga, escrita depois da morte de Lênin:

“Como renasce vivo diante de meus olhos aquele tempo de primitiva integridade e alegria de viver. Tudo parecia primitivo: a natureza, os cogumelos, a caça, o afetuoso círculo de amigos íntimos — faz precisamente 30 anos.
Era em Minusinsk: passeios, canções, certa alegria ingênua comum. Em casa: mamãe, a economia doméstica primitiva, nossa vida, o trabalho em comum, as mesmas impressões e reações — recebemos o livro de Bernstein, nos indignamos e protestamos — e assim por diante.
Aí tens uma passagem lírica”.
Do grau de “primitivismo” de sua vida no desterro podemos julgar pela dezena de obras importantíssimas escritas por Lênin nessa época. Em Shushensk escreveu Lênin uma obra da importância de “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia”.

“Naquele tempo, Lênin preocupou-se especialmente com a questão dos “economistas”.(7). Lênin compreendia melhor que ninguém que o “economismo” era a célula fundamental da doutrina conciliadora do oportunismo, e que o triunfo do “economismo” no movimento operário significaria o solapamento do movimento revolucionário do proletariado, a derrota do marxismo.

Por isso, Lênin começou a combater os “economistas” desde o primeiro dia em que surgiram”.(8)

A ajuda de Krupskaia na luta que Lênin mantinha contra o “economismo”, não era puramente técnica. Participou na organização do protesto dos social-democratas deportados contra o “Credo” dos “economistas”, documento oportunista, de renegados que Lênin recebeu de Petersburgo.

Além da ajuda regular a Lênin em seus trabalhos, Krupskaia preparou, por sua parte, o magnífico folheto de agitação, intitulado “A Mulher Operária”. Este folheto assinado com o pseudômino de “Sáblina”, pelo qual Krupskaia era conhecida no Partido, editou-se em 1900, no estrangeiro, e foi trazido clandestinamente para a Rússia. Divulgado entre os operários e os intelectuais, o folheto desempenhou um grande papel na tarefa de incorporar a um trabalho revolucionário ativo a parte mais atrasada do proletariado de então, as mulheres que trabalhavam nas fábricas.

Krupskaia também trabalhou com Lênin na tradução para o russo do livro do casal Webb “A História do Sindicalismo Inglês”, tendo acabado este trabalho imenso pouco antes de sua volta do desterro.

Se acrescentarmos a isso que, nos anos de isolamento, Lênin estava especialmente absorvido por seus planos de organização de um partido revolucionário marxista, que pensava criar no estrangeiro um centro — um jornal — em torno do qual se iriam aglomerando as forças dispersas do partido; que Krupskaia participava no estudo dos menores detalhes desse plano, veremos claramente até que ponto a sua vida nesses anos de desterro siberiano ao lado de Lênin estava saturada de profundo conteúdo ideológico e revolucionário.

                                  IV — O Regresso da Sibéria — A Ida para o Estrangeiro

O PRAZO de confinamento de Lênin terminava, porém ainda faltava um ano, para Krupskaia. Deviam separar-se, pois os passos que ela tinha dado para que lhe permitissem passar o último ano do desterro em Pskov, até onde iria Lênin em primeiro lugar, não deram resultado, como pode ver-se pelo documento que inserimos em seguida. Teve de terminar o tempo de desterro na província de Ufá, local para onde foi confinada inicialmente.

Secreto.
Ministério do Interior Departamento de Polícia
V. seção
9 de dezembro de 1899
N.° 14051
Ao senhor Governador de Yenisey.
O departamento de polícia tem a honra de rogar mui respeitosamente a V. E. ordene se comunique a Nadezhda Krupskaia Uliánova, que se encontra sob vigilância policial na aldeia de Shushensk, distrito de Minusmsk, que o pedido apresentado por ela para transferir-se para a cidade de Pskov foi negado pelo Ministério do Interior.
O Vice-diretor: (Firma ilegível)
Fala-nos eloquentemente Krupskaia numa carta à mãe de Lênin, dez dias antes da partida, sobre os preparativos da viagem de regresso e das condições em que se realizou essa viagem.

“Querida Maria Alexándrovna:
Por fim esclareceu-se o assunto: podemos voltar à Rússia, parece que o prazo do desterro não será prolongado. A bagagem fui despachada a 28, e a 29 partiremos… Vladimir quer ficar uns dias em Ufá, até que se esclareça se me deixam na cidade ou me enviam para algum povoado como Sterlitamak ou Belevey. Agora todas as nossas conversas giram em torno da viagem. Empacotamos os livros em caixões e ao pesá-los verificamos que pesam 15 puds. Os livros e parte das coisas enviamos como carga. No restante creio que teremos poucos volumes. Devido ao frio, pensávamos fretar um trenó coberto, mas na cidade não há meio de encontrar um e se o tomarmos aqui será tão ruim que não chegará a Achinsk. Temos bastante roupa de agasalho e esperamos não gelar. Alias, o frio parece querer diminuir: esta manhã fazia apenas 28 graus abaixo de zero O pior de tudo é que mamãe se resfria com frequência, agora mesmo tosse outra vez. Vladimir e eu saímos todos os dias, apesar do frio, e estamos acostumados ao ar, porém mamãe não sei como suportará a viagem. Estamos ansiosos que o tempo que falta até 29 passe rapidamente. Já que temos de fazer a viagem, quanto mais depressa melhor… Agora lemos pouco… Hoje, finalmente mandamos o Webb, bastante trabalho nos deu”…(9)
Ao separar-se de Lênin, que partiu para Pskov a fim de estar mais próximo de Petersburgo e ter mais rápida e melhor ligação com alguns camaradas, nos quais podia apoiar-se para realizar seu plano de criar no estrangeiro o órgão central do Partido, Krupskaia que fiou em Ufá, pôs-se em contacto com os operários avançados da cidade, entre os quais fez trabalho de propaganda.

Encontra-se com os social-democratas que de regresso ao centro do país vindos do desterro siberiano, passam por Ufá.

A estes camaradas comunica os planos de Lênin sobre a criação de um periódico no estrangeiro, incorpora-os à luta ativa pela rápida realização destes planos.

Na primavera de 1901, ao terminar o prazo de desterro, Krupskaia abandona Ufá e vai para o estrangeiro reunir-se a Lênin, onde se publicava desde 1900 o periódico “Iskra”. Em seu primeiro número, o artigo de Lênin “As Tarefas Mais Urgentes de Nosso Movimento”, terminava com as seguintes palavras magníficas:

“Diante de nós levantasse com todo o seu poder a fortaleza inimiga, de dentro da qual nos fazem descargas cerradas que abatem nossos melhores combatentes. Temos que tomar essa fortaleza, e a tomaremos se soubermos unir num único partido — no qual se juntará tudo o que de mais vital e de mais honrado há na Rússia — todas as forças do proletariado, que já abriram os olhos, e todas as forças revolucionárias russas. Só então se cumprirá a grande previsão do revolucionário operário russo Piotr Alexeiev: “Então se levantará o braço vigoroso de milhões de homens e o jugo do despotismo, defendido pelas baionetas dos soldados, saltará feito em pedaços”.
“O aparecimento dos primeiros números de “Iskra”, de 1900 a 1901, representou o passo para o novo período, o período da verdadeira criação, à base dos grupos e círculos dispersos, do Partido Operário Social-Democrata da Rússia”(10).
Ao chegar a Munique e encontrar Lênin, depois de muito o ter procurado, visto que por razões de ilegalidade, vivia ali sob o nome de Meyer, Krupskaia entrega-se por completo ao trabalho logo a partir dos primeiros dias. É designada secretária da redação de “Iskra” e apressa-se a iniciar um vasto intercâmbio de cartas com um grupo de camaradas que viviam em diversos pontos da Rússia. Em suas cartas chama a atenção dos social-democratas das várias localidades sobre os tarefes gerais do Partido, sobre a ” Iskra”, sobre as tarefas revolucionárias apontadas por Lênin.

A autora destas linhas via, com frequência, Krupskaia inclinada sobre seus “cadernos” nos quais figuravam literalmente todos os grandes centros proletários da Rússia onde “tínhamos ligações”. Por vezes estas “ligações” não eram mais do que um homem, porém devíamos apegar-nos a ele, pois por seu intermédio podiam estabelecer-se relações com os operários conscientes da localidade, ele ou seus conhecidos podiam escrever para “Iskra”, com sua ajuda podiam-se divulgar volantes iskristas nas empresas, no campo ou numa unidade militar. E Krupskaia, sem poupar esforços, escreve, cifra, envia carta após carta para essas localidades, e suas cartas obtêm respostas muito entusiastas.

Além da correspondência, Krupskaia mantinha a árdua tarefa de organizar o transporte da “Iskra” e todas as suas publicações para a fronteira russa.

Damos em seguida uma amostra das centenas de suas indicações, relacionadas com o transporte da “Iskra” para a Rússia:

N. Krupskaia — L. Knipovieh. Astrakan 28-V-1901, cidade de Munique.
Foram enviadas publicações para a Pérsia saídas de Berlim em quatro pacotes postais. Foi enviado tudo o que se tinha informado: o terceiro número da “Iskra”, “Sariá”, “A nota de Witte”. “A Mulher Operária”, os “Dias de Maio”. Agora temos certeza de que enviamos tudo. Comunica-me se de fato tudo foi realizado. Qual o prazo em que poderão chegar a seu destino essas publicações? É muito importante saber isto para ficar claro se este meio serve para enviar a “Iskra” ou apenas os folhetos, etc. Escreve-me o que souberes.
As publicações que chegarem a Bakú é melhor mandá-las para Poltava. Podem ser enviadas pelo correio ou por alguém. O endereço para a correspondência… o código…(11). Escrevemos para Samara, pensamos organizar ali um depósito de literatura para o centro (para o norte temos Pskov e Smolensk). Com o centro pode-se fazer a ligação por meio de Voronezh (o endereço) e com o Ural por meio de Ufá (o endereço).
Foi alguém a… (12)?
Diz-me que publicações tens. Poderias encontrar algum endereço para mandar publicações clandestinas em envelopes?”
Com o tempo, a “Iskra” leninista chegou realmente a ser não só um “propagandista coletivo” e um “agitador coletivo”, como também um “organizador coletivo”. Em torno do periódico, cresceu a rede de agentes, que formavam precisamente o esqueleto da organização que necessitávamos, como disse então Lênin. O papel de Krupskaia na tarefa de organizar relações normais com esses agentes era muito importante.

Antes da partida de algum camarada, de Genebra, para o trabalho ilegal do Partido na Rússia, Lênin, após a conversa de despedida, aconselhava-o geralmente: “Sobre os detalhes fale com Krupskaia”. Ela estava concretamente a par da situação do trabalho do Partido nas várias localidades, conhecia quadros bolcheviques locais, sabia com toda a exatidão o que podia ou não dar ao Partido cada militante local. No que diz respeito aos “profissionais” que, com as diretivas de Lênin eram enviados do centro até às diversas localidades, Krupskaia conhecia cada um individualmente e tão bem que inclusive se lembrava de todas as suas relações familiares.

Entre Krupskaia e os bolcheviques que, isolados ou cm grupos, estavam espalhados por toda a imensidão da Rússia existia um contacto muito estreito. Ela era a pessoa querida perante a qual o militante do Partido queria sempre ser o melhor, mas diante de quem não podia ocultar seus lados débeis. Com ela partilhavam suas dores pessoais e seus dramas familiares.

A primeira geração de ativistas do Partido, que tiveram que levar à prática as diretivas de Lênin no período compreendido entre o II e o III Congressos do Partido Operário Social-Democrata, gostava muito de contar sempre com os dados a respeito do estado de coisas no estrangeiro e no centro do Partido, que Krupskaia lhes fornecia pontualmente.

Publicamos adiante uma das numerosas cartas do primeiro período de luta contra os mencheviques, contra Trotski, da época em que, na vida do Partido, se

“pôs a nu a existência de graves divergências no que se refere à organização, divergências que dividiram o Partido em dois campos, o dos bolcheviques e o dos mencheviques sendo que os primeiros defendiam os princípios de organização da social-democracia revolucionária, enquanto os segundos se afundavam no pântano da difusão orgânica, no pantano do oportunismo”(13).
Carta de Krupskaia a L. Knipóvitch em 31 de janeiro de 1901.

“… A situação agora apresenta-se assim: a redação (da “Iskra” — C. B.) mudou de orientação. No n.° 55 há um artigo absurdo de Axelrod, no n.° 56 será publicado um artigo de Martov contra “Que Fazer?”, e além disso Plekanov e Ortodoxo estão preparando artigos contra “Que Fazer?” Dizem agora que a redação nunca esteve de acordo com o “Que Fazer?”, que o ponto de vista do livro não é Iskrista, mas pessoal de Lênin … Entretanto, se era assim, por que estiveram calados tanto tempo, que direito tinham de ficar calados? Saiu um informe de Trotski (algo completamente monstruoso) e as atas da Liga. A ofensiva contra Lênin e as idéias leninistas desdobra-se em toda a linha.
A maioria espera o “golpe de estado”. Dizem com todo o cinismo: “esperamos o primeiro fracasso”… (a detenção dos bolcheviques na Rússia C. B. ).
Mais tarde ao desencadear-se com grande violência a luta em tomo ao III Congresso, a intensidade da correspondência de Krupskaia com os Bolcheviques que trabalhavam nas organizações locais chegou a tal ponto que ninguém pode deixar de admirar como podia realizar tanto sem conter com nenhum pessoal auxiliar que lhe ajudasse.

                                                                 V — 1905-1917

EM MAIO de 1905, Lênin escrevia no periódico bolchevique “Proletari” (“O Proletário”), que aparecia no estrangeiro:

”A Rússia aproxima-se do desenlace da luta secular de todas as forças populares progressistas contra a autocracia. Já não há dúvida de que nesta luta caberá ao proletariado a mais enérgica participação, e que precisamente esta participação decidirá da sorte da revolução na Rússia”.
Os grandiosos acontecimentos revolucionários que se desenvolveram nos meses seguintes e que se estenderam a toda a imensidão do país, permitiram a Lênin e a Krupskaia, no outono de 1905, seu regresso à Rússia, a Petersburgo. Todavia tiveram que adotar toda a espécie de precauções, observando uma severa conspiratividade pois o aparelho policial do tzarismo (sua gendarmeria seus agentes) embora estivesse naquele tempo desarticulado, continuava funcionando. Lênin e Krupskaia voltaram à Rússia separados e em datas diferentes.

Durante a viagem, Krupskaia notou que era seguida por um espião. Só pôde livrar-se dele quando, falando com um camarada finlandês que seguia no mesmo vagão e que lhe assegurava em voz alta que na Finlândia “todos os espiões tinham sido presos” ela respondeu, dirigindo um olhar para o lugar ocupado pelo agente que a seguia: “Não, ao que vejo não prendestes ainda todos os espiões”. O agente desceu na primeira estação e desapareceu…

Ao chegar a Petersburgo, e com o objetive de manter-se dentro das regras da conspiração, Krupskaia foi viver separada de Lênin, sob o nome de Praskovia Onéguina.

Logo após ter chegado a Petersburgo, Krupskaia apressa-se a visitar os subúrbios, atrás da Porta de Nievski, onde começou sua atividade revolucionária. Encontra-se ali com alguns de seus antigos alunos da escola noturna-dominical, e com satisfação e orgulho se convence que se desenvolveram muito politicamente, que se converteram em ativos revolucionários bolcheviques.

Naqueles dias tempestuosos Krupskaia entrega-se por completo ao trabalho de organização do Partido, desempenhando o cargo de secretária do Comitê Central. Este trabalho era muito complexo. Apesar de ter o Partido saído da ilegalidade, era necessário, seguindo as instruções de Lênin, aproveitar todas as possibilidades legais, porém conservar ao mesmo tempo o aparelho conspirativo no Partido.

No fim do ano, em dezembro, nos dias em que começou a insurreição em Moscou, Krupskaia participou da Conferência dos bolcheviques de toda a Rússia, reunida em Tammerfors, na Finlândia, e nesta Conferência conhece pessoalmente o camarada Stálin.

“A insurreição de dezembro de 1905 marca o ponto culminante da revolução. Em dezembro, a autocracia tzarista infligiu uma derrota à insurreição. Após o fracasso da insurreição de dezembro, começou o recuo gradual da revolução. Parou a marcha ascendente da revolução, começando seu descenso gradual”(14).
O proletariado revolucionário russo não se rendia sem travar combate e, como se sabe, recuava combatendo. Os bolcheviques participavam ativamente nestes combates, dirigidos por Lênin e Stálin.

Em breve, no entanto, os “lacaios do tzar” voltam a mostrar tal insolência que Lênin corre perigo a permanecer em Petersburgo, e tem que se ocultar na Finlândia para dali dirigir o Partido. Krupskaia, residindo primeiro em Petersburgo, e em seguida por meio de viagens sistemáticas até à Finlândia, formava o principal elo de ligação entre Lênin, o Comitê Central e a organização local de Petersburgo.

Continuou assim até fins de 1907, época em que a feroz política que se instaurou no pais obrigou o Partido a voltar à ilegalidade, e a Lênin a emigrar para a Suíça. Nesse país, Lênin se dedica a fazer um resumo da etapa da luta passada, indicando ao Partido que:

“Não é possível evitar-se um descalabro em caso de derrota, se não se sabe retroceder acertadamente, recuando-se sem pânico e em perfeita ordem”(15).
Ali traçou Lênin as perspectivas de trabalho, organizando a imprensa legal bolchevique (até então “Proletari” editava-se na Finlândia), mantendo desse país estreito contato com os ativistas bolcheviques que haviam saído ilesos da batalha e que continuavam trabalhando energicamente na ilegalidade.

Krupskaia, que acompanha Lênin neste novo desterro trabalha novamente sem descanso para organizar o envio de publicações bolcheviques para a Rússia, mantém uma intensa correspondência com as organizações do Partido na Rússia e com os ativistas bolcheviques que trabalham isolados. Suas cartas apesar da difícil situação, criada no país e no Partido, refletem uma grande força de vontade um otimismo bolchevique, grande fé na futura vitória da causa do proletariado.

“A consciência ideológica marxista-leninista, a sua capacidade para compreender as perspectivas da revolução, ajudaram o núcleo fundamental de bolcheviques, estreitamente agrupados em torno a Lênin, a defender a causa do Partido e seus princípios revolucionários” (16).
Krupskaia pertencia a este núcleo fundamental de bolcheviques. Porém chegavam ao fim os anos duros, que Lênin chamou o reinado da contra-revolução encarnada nas centúrias negras, época de desagregação e degeneração liberal-burguesa.

Sobre o fundo de um novo ascenso do movimento operário na Rússia, é celebrada em Praga, em janeiro de 1912, uma Conferência do Partido Operário Social Democrata de toda a Rússia, conferência que lançou as bases para um partido de novo tipo, para o Partido do leninismo, para o Partido Bolchevique” (17). No mesmo ano de 1912, começou a circular em Petersburgo o órgão legal bolchevique “Pravda”, cujo diretor efetivo era Stálin.

Lênin, para estar mais perto da Rússia e de Petersburgo, da “Pravda”, a que atribuía uma importância excepcional, a fim de dirigir a atividade diária da fração bolchevique da Duma, mudou-se para Cracóvia, no verão de 1912.

Sobre Krupskaia, como o mais próximo e insubstituível auxiliar de Lênin, recai também então um grande trabalho de organização do Partido, o estabelecimento e manutenção da ligação permanente com a Rússia.

Krupskaia, que conservara ânimo elevado e fortaleza inquebrantável no trabalho nos anos da mais negra reação, dá provas de uma atividade mais intensa ainda perante o novo ascenso do movimento operário na Rússia. A respeito de seu estado de ânimo naqueles tempos, fala uma carta sua a Máximo Gorki, datada de 17 de fevereiro de 1913, pouco depois da Conferência ampliada do Comitê Central do Partido Operário Social Democrata Russo, com os membros da fração parlamentar e alguns ativistas locais, celebrada em Poronin,

“Enquanto durou a Conferência, andávamos alvoroçados de contentamento, porque os informes demonstraram que nada se passou em vão: a massa operária, passados os anos duros, está mais formada; nos mais longínquos lugares existem organizações operárias social-democratas que, mesmo não ligadas com os centros do Partido, pertencem a este por seu espírito, e estiveram todo este tempo trabalhando. As eleições (para a Duma de Estado — C. B.) desempenharam um papel enorme. Desapareceu a sensação de isolamento, que antes oprimia os operários.
A organização caminha de vento em popa. Parece que só agora começa a formar-se um verdadeiro Partido operário”.
“Às vésperas da guerra imperialista, o Partido Bolchevique dirigia as ações revolucionárias da classe operária. Estas ações eram combates avançados, que tiveram fim com a guerra imperialista, mas que foram reiniciadas três anos mais tarde pela derrubada do tzarismo” (18).
Em fins de 1913 e principio de 1914, Krupskaia toma parte na criação na Rússia de um órgão diário legal para as mulheres operárias. No primeiro número de “Rabótniza”, publicado em março de 1914, em Petersburgo, sai um artigo seu.

Quando, devido à carnificina mundial, Lênin tem que se mudar por tempo indeterminado para a Suíça neutra, Krupskaia concentra toda sua atenção em ajudá-lo a organizar reuniões e conferências, que preparam a criação, no futuro, da Internacional Comunista.

“Desde os primeiros dias da guerra, Lênin começou a agrupar forças para criar uma nova Internacional, a Terceira Internacional. A tarefa de fundar a Terceira Internacional para substituir a Segunda que fracassara tão vergonhosamente, já surge no manifesto lançado contra a guerra, em novembro de 1914, pelo Comitê Central do Partido Bolchevique”(19).
Krupskaia foi delegada à Conferência Internacional de Mulheres, realizada em Berna, em março de 1915, por iniciativa de Clara Zetkin.

Esta Conferência não aprova ainda a enérgica resolução de Lênin sobre a guerra e a posição traidora da II Internacional, pois até então apenas o Partido Bolchevique, na dura etapa da guerra imperialista, mantinha de pé a bandeira do internacionalismo proletário.

Nesta época Krupskaia trabalha intensamente em sua anterior especialidade: a pedagogia. Em 1915, escreve um trabalho sobre esse tema, a respeito do qual Lênin dizia a Máximo Gorki:

“Muito estimado Alexei Maximovitch:
Envio-lhe registrado o original do folheto de minha companheira “A Instrução Popular e a Democracia”. A autora dedica-se à pedagogia há mais de vinte anos. O folheto insere tanto observações pessoais como dados sobre a nova escola na Europa e na América. Pelo título verá que na primeira parte figura um esboço da história dos conceitos democráticos. Isto é também importante, pois geralmente os conceitos dos grandes democratas do passado são expostos erroneamente ou partindo de ponto de vista falso. Não sei se você dispõe de tempo para lê-lo ou se lhe interessará.
As modificações que tem sofrido a escola nesta última época imperialista estão expostas na base de dados dos últimos anos e constituem uma boa ilustração para os democratas da Rússia.
Ficar-lhe-ei muito grato se contribuir — direta ou indiretamente — para a publicação do folheto. A procura de literatura desse gênero aumentou certamente muito agora na Rússia.
Minhas melhores saudações e votos.
V. Uliánov”(20).

          VI — Trabalho Entre as Massa em 1917, no Período da Guerra Civil e da Revolução

EM ZURIQUE, na Suíça, Lênin e Krupskaia recebem, com emoção e alegria, a notícia de que se havia virado o carro, coberto de lodo e sangue da monarquia dos Romanov. Tratam de seguir para a Rússia. Contudo a viagem esbarra com grandes dificuldades.

O camarada Stálin, que conseguiu deixar seu longínquo desterro siberiano e chegar a Petrogrado, a capital da Revolução, antes de Lênin e Krupskaia, escreveu nessa época no n.° 3 da “Pravda” bolchevique:

“Com a velocidade do raio avança o carro da revolução russa. Criam-se e se multiplicam por toda a parte os destacamentos de combatentes revolucionários. Estão minadas as bases do poder caduco e caem seus sustentáculos. Agora como sempre, Petrogrado está na frente do movimento. Seguem-na, tropeçando às vezes, as imensas províncias.
Derrubam-se as forças do velho regime, porém elas ainda não estão vencidas. Ocultaram-se e esperam o momento oportuno para levantar a cabeça e lançar-se contra a Rússia livre. Lançai um olhar em vosso redor e vereis que o trabalho das forças tenebrosas prossegue constantemente…
A missão do proletariado da capital consiste em defender os direitos conquistados para terminar com as forças caducas e, junto com as províncias, impulsionar a revolução russa” (21).
O segundo ponto das históricas teses apresentadas por Lênin no dia seguinte a sua chegada a Petrogrado — a 3 de abril — diz:

“A peculiaridade do momento atual na Rússia consiste na passagem da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e de organização, para sua segunda etapa, que colocará o poder nas mãos do proletariado e dos camponeses mais pobres”(22).

Os bolcheviques tinham diante de si um empreendimento de enorme transcendência: explicar às massas embriagadas pelos primeiros êxitos da revolução o caráter traidor do Governo Provisório, dos mencheviques e social-revolucionários. Era necessário demonstrar às massas revolucionárias da cidade e do campo que eles eram arrastados pela corrente da influência pequeno-burguesa, a qual ameaçava fazer ruir todas as conquistas da revolução.

Krupskaia, que havia chegado junto com Lênin, trabalha desde os primeiros dias no aparelho do Comitê Central do Partido, porém, ao compreender que seu lugar não era ali, mas entre as próprias massas, começa a atuar no bairro de Viborg.

Ali chama especialmente sua atenção o estado de ânimo da juventude operária, cujo papel na revolução não podia ser desprezado.

Em maio e junho de 1917, escreve na “Pravda” uma série de artigos sobre o trabalho entre a juventude: “Sobre o Papel e a Importância da União da Juventude”, “Luta pela Juventude Operária”, “Resposta à Juventude de Moscou”, “Como deve Organizar-se a Juventude”, projeto de estatutos em que se ressalta a solidariedade fraternal com a juventude dos outros países.

Em julho Krupskaia intervém na Segunda conferência de Petrogrado do Partido, com um informe no qual demonstra a necessidade de prestar séria atenção à juventude numa série de congressos e conferências.

No prólogo e recompilação de seus artigos sobre a juventude, publicados pela editorial “Molodaia Guardia”, (A Juventude Guardiã), em 1925, Krupskaia escreve:

“Quando depois de muitos anos de desterro voltei à Rússia, em abril de 1917, e cheguei a Petrogrado, o movimento da juventude operária já tinha grande amplitude. Comecei a observá-lo atentamente, frequentando as reuniões juvenis. A onda revolucionária tinha se apoderado da juventude com uma força extraordinária; a juventude estava em ebulição, era atraída pela luta, pela nova vida.
A juventude operária era então uma juventude sem partido, porém era operária, vivia de acordo com a classe operária. O instinto de classe estava fortemente desenvolvido nela, se revelava em todas as suas manifestações, nos impulsos, nas ações.
Quando a classe operária se polarizou em torno do Partido Comunista e o reconheceu como seu Partido, a juventude a seguiu.
O ano de 1917 me uniu à juventude operária com vínculos extraordinariamente fortes, acostumando-me a tomar muito a peito todos os problemas que a ela dizem respeito”.
Eleita membro da Duma local de Petrogrado, pelo bairro de Viborg, nas eleições municipais do mês de junho, Krupskaia realiza um grande trabalho de caráter cultural.

No Departamento de Instrução Pública do bairro, que lhe foi entregue, cria um Conselho de Instrução pública composto de representantes de fábricas e oficinas, operários e operárias ativistas e entusiastas da obra de educação popular.

Para extinguir o mais rapidamente possível o analfabetismo no bairro, para criar escolas para adultos, cursos noturnos, bibliotecas, clubes de fábricas, para dar conferência, etc., etc., Krupskaia organiza um grupo — ainda então pequeno — de intelectuais que seguem os bolcheviques, professores, médicos, etc. Nessa época escrevia:

“Os operários têm diante de si um trabalho enorme, fazem milagres no que se refere à organização e energia, mas necessitam de ajuda. Todos os que podem trabalhar como bibliotecários, conferencistas, professores para ensinar a ler e a escrever, etc., todos os que tiverem conhecimentos especiais – os social-democratas, os bolcheviques — devem realizar um trabalho obrigatório — transmitir seus conhecimentos aos operários”.
Em toda a sua vida, Krupskaia se interessa pela situação da mulher trabalhadora e da companheira do operário. Já em tempos passados no desterro siberiano, escreve seu primeiro folheto “A Mulher Operária”.

No bairro de Viborg, Krupskaia também está à frente da comissão de ajuda as esposas dos soldados. “As mulheres dos soldados não têm confiança em nós”, teve que reconhecer a dama liberal Struve ao entregar-lhe os assuntos da Comissão, que até então dirigia. Naturalmente, Krupskaia ganhou sua confiança, com ela puderam entender-se. Naquela massa, a mais atrasada, havia amplo campo para um trabalho de agitação, que os mencheviques e social-revolucionários tinham procurado realizar sem sucesso. Krupskaia logrou realizar um trabalho regular de esclarecimento que trouxe para a causa bolchevique as companheiras dos soldados.

Krupskaia não abandona seu posto nem um instante. Passa dia e noite em seu bairro. O trabalho que prefere, o mais querido em toda a sua vida, é encontrar-se entre as massas, explicar-lhes dia após dia, hora após hora quem é seu amigo e seu inimigo. “Agora comecei outra vez a passar boas horas nas fábricas, é o que mais gosto de fazer”, escreve a uma de suas amigas na época soviética.

Entretanto, os êxitos se sucedem com uma rapidez vertiginosa. Os bolcheviques lutam em toda parte e grandes são os resultados para a conquista da maioria nos Soviets, para o desmascaramento dos mencheviques e social-revolucionários e de seus conciliábulos com a burguesia.

“A indignação revolucionária dos operários e soldados de Petrogrado extravasava A 3 (16) de julho começaram a realizar-se manifestações espontâneas em Petrogrado, no bairro de Viborg. Estas manifestações continuaram durante todo o dia. Algumas delas se transformaram numa grandiosa manifestação geral, com armas, sob a palavra de ordem da passagem do poder para os Soviets”(23).
Como se sabe, nos dias de julho, os agentes do capitalismo russo e estrangeiro — o Governo provisório contra-revolucionário, — os mencheviques e social-revolucionários, conseguiram esmagar temporariamente o levante das massas revolucionárias indignadas. O Partido Bolchevique e Lênin tiveram que passar à ilegalidade.

Em época tão difícil, Krupskaia, apesar de sua constante preocupação com a vida de Lênin, mortalmente ameaçado pelas forças negras da contra-revolução, via-o secretamente nos lugares onde devia ocultar-se dos cães de fila de Kerenski e, como sempre, continuava trabalhando energicamente no bairro.

“Nestes dias, desmentindo a mentira e a difamação, devemos com mais calma que nunca, pensar mais profundamente na conexão histórica dos acontecimentos, no sentido político, isto é, de classe, da marcha da revolução” — conforme dizia Lênin então(24).
Krupskaia, fiel discípula e companheira de luta de Lênin, soube continuar com calma a obra bolchevique, por mais difíceis que fossem as circunstâncias.

Em agosto participou do VI Congresso do Partido, diante do qual Stálin assinala em seu informe político que:

“O período pacífico da revolução terminou começando o período não pacífico, o período de choques e explosões…”
Nestes momentos agitados de “choques e explosões”, em que o Partido Bolchevique, apesar da oposição e sabotagem dos capituladores Zinoviev, Kamenev, Trotski e outros, dedicou-se por completo a preparação da insurreição armada e da tomada do poder, Krupskaia, com seu combativo subúrbio de Vibórg, está sempre ao lado de Lênin, Stálin e Sverdlov.

Como membro ativo do comitê do Partido do bairro de Viborg, ela mantém estreito contacto com o regimento de metralhadoras, aquartelado no bairro, organiza o armamento dos operários que vivem ali e ensina centenas de operárias do bairro a tratar dos feridos.

Nos dias da insurreição de outubro, nos dias da grande vitória, achando-se com Lênin no Quartel General da Revolução — no Smolni — Krupskaia continuou ao mesmo tempo seu trabalho no bairro de Viborg. Com o ouvido e o olhar atentos, observa tudo o que acontece no seio das massas e expõe a Lênin fatos que comprovam a iniciativa revelada pelas massas no trabalho de edificação da nova vida.

O dia de Ano Novo de 1918, primeiro Ano Novo soviético, ela o celebra junto com Lênin numa reunião pública de operários do bairro de Viborg, na festa organizada por motivo da partida dos guardas vermelhos do bairro para o front. O aparecimento de Lênin e Kruspskaia na sala, desperta grande entusiasmo entre os operários e operárias, que os carregam nos ombros. Recordando este momento, tempos mais tarde, Krupskaia, com a modéstia que a caracterizava, dizia simplesmente:

“Os operários tributaram a Lênin uma grande ovação, e eu tive a mesma sorte”.
Em março de 1918, o Governo soviético transfere-se de Petrogrado para Moscou.

Aqui Krupskaia forma parte do Colégio do Comissariado do Povo de Instrução Pública. Dedica-se completamente ao trabalho de organização das instituições culturais sobre uma base estatal.

Os povos do imenso país libertado ansiavam por ilustrar-se e instruir-se, porém atravessava-se um período em que

“já na primeira metade do ano de 1918, formaram-se de modo definido dois grupos de forças dispostas a lutar para derrubar o Poder soviético: no estrangeiro, os imperialistas da Entente e, dentro da Rússia, a contra-revolução”(25).
Em condições extremamente penosas de fome e desorganização, lutando contra a sabotagem dos intelectuais que nunca cessara, e com a ofensiva desencadeada pelas forças unificadas da contra-revolução, era necessário organizar para os trabalhadores da cidade e do campo escolas, cursos, clubes, bibliotecas, salas de leitura nas aldeias, etc. Era indispensável acabar com o analfabetismo e a falta de instrução, péssimo legado do tzarismo.

Neste gigantesco trabalho, Krupskaia guia-se invariavelmente pelas diretivas de Lênin, pelas diretivas do Partido. Lênin apreciava muito a capacidade de Krupskaia para organizar o trabalho de um modo novo, não burocrático, mas incorporando nele a própria massa dos interessados, apoiando-se nas massas, fomentando a iniciativa criadora das massas.

Além do trabalho ilustrativo e cultural para adultos, Krupskaia organizou durante esse período estabelecimentos infantis: creches, jardins de infância, casas de crianças, etc. É bem conhecida a ternura com que tratava as crianças e o carinho que estas sentiam por ela.

“Não sabes — escrevia a uma jovem mãe — com que rapidez consigo ganhar a simpatia das crianças, sei brincar com elas de um modo que imediatamente começam a querer-me”.
Amavam Krupskaia, não só as crianças, como também seus pais, como o prova outra carta sua:

“Também eu já tenho filhos. Em primeiro lugar, certo foguista de Chita “nas primeiras estrofes” de sua carta, obsequia-me com um recém-nascido ao qual deu o nome Vladimir; em segundo lugar, um destes dias me achei num batizado, e fazendo de padre, dei ao menino o nome de Vladimir, como desejavam os pais, operários da fábrica de tecidos de Golutvin”.
Krupskaia demonstrava excepcional interesse pelas crianças em idade de serem pioneiros, e o curioso é que elas a compreendiam muito bem, por mais complexo que fosse o tema da conversa que mantivesse com elas. Suas cartas e respostas às cartas de pioneiros são um modelo de simplicidade e clareza na exposição das questões mais complicadas para a inteligência infantil.

As seguintes linhas de uma carta sua de resposta, provam como era vasta a correspondência que lhe enviavam os pioneiros:

“Queridos pequenos: Tenho na minha frente mais de cinquenta cartas de pioneiros de todos os confins da nossa União. Muitas são da Ucrânia, da Bacia do Donets. Também da Armênia, de Geórgia, Azerbaidjão, do Extremo Norte, do destacamento de pioneiros do território de Kola-Lopar, que se encontra na selva, a 300 quilômetros do povoado de Kola, onde os habitantes são finlandeses, loparianos que se ocupam em trabalhos florestais; tenho cartas da Criméia, do Cáucaso do Norte, muitas cartas do Ural, do território de Nizhegorodsk. Há também do meio do Volga, da região de Ivánovo, da Sibéria Oriental, etc. Tenho cartas em alemão, de uma escola da Ucrânia”.
Não só dos pioneiros era conhecido o amado o nome glorioso de Nadezhda Krupskaia. Escreviam-lhe pedindo conselhos e indicações, mulheres, membros da Juventude Comunista, operários, kolkozianos, professores, bibliotecários. Sentia remorsos de consciência porque não podia responder a todas as cartas que lhe enviavam.

“Tenho diante de mim cerca de 200 cartas — queixa-se a um camarada — às quais tenho que responder, às quais devo responder. Os meninos me comunicam seus pensamentos mais íntimos, e a “querida tia” não lhes responde. Escrevem-me membros da Juventude Comunista, operárias, professores, e eu não tenho tempo nem de ler essa original correspondência, na qual se fala de coisas extremamente essenciais”.
Com o correr dos anos essa “original” correspondência alcançou tais proporções que Krupskaia teve que encarregar vários secretários para classificar e responder às cartas, separando, por indicação sua, as que ela considerava necessário responder pessoalmente.

Mas não só mantém com as massas um contacto epistolar, como também esta constantemente em pessoa entre elas. Podia-se vê-la e escutá-la nas fábricas e grandes empresas de Moscou e de sua região, especialmente onde predomina o pessoal feminino. Entre as mulheres operárias acha-se em seu meio, em seu ambiente.

Começa o período agudo da guerra civil. O triunfo está diretamente relacionado com as simpatias e a conduta dos camponeses médios: depende de se apóiam o Poder soviético ou se se inclinam para os generais brancos.

No outono de 1918, Lênin lança a palavra de ordem:

“Saber chegar a um acordo com os camponeses médios, sem enfraquecer nem um minuto a luta contra os kulaks e tomando como sólido ponto de apoio apenas os camponeses pobres…”(26).
No VIII Congresso do P. C. da Rússia, realizado em março de 1919, foi submetida a uma revisão geral a linha do Partido em relação ao campesinato médio, do qual até aí só se tinha exigido neutralidade, ao qual só se havia pedido que não apoiasse o kulak.

Em seu informe perante o Congresso, Lênin propôs passar da política de neutralização a uma firme aliança com o campesinato médio, para lutar contra os guardas brancos e a intervenção, para fazer triunfar a edificação socialista. Como se sabe, o Congresso aprovou esta proposta de Lênin.

“Era preciso lutar contra o atraso dos camponeses médios pelo método da persuasão, e não, de modo algum, com medidas de coação e de violência. Por isso, o Congresso traçou a norma de que, ao implantar medidas socialistas no campo (ao criar as comunas e os artéis agrícolas), não se permitisse de modo algum a coação. Sempre que fossem afetados os interesses vitais dos camponeses médios era necessário chegar-se a um acordo prático com eles e fazer-lhes concessões sobre a fixação dos métodos de implantação das transformações socialistas. O Congresso concordou em aplicar uma política de uma aliança firme com os camponeses médios, mantendo, porém dentro dessa aliança, o papel dirigente do proletariado”(27)
Guiando-se pelas resoluções do VIII Congresso, o Partido tinha que realizar um grande trabalho de esclarecimento no campo. Com este fim organizou-se um navio de agitação, “Krásnaia Zvezdá” (“A Estrela Vermelha”), sendo nomeado Molotov para comissário do mesmo.

Naquele navio seguiu Krupskaia em viagem de agitação pelos lugares antes ocupados pelas tropas brancas. Tinha sido marcado o seguinte itinerário: de Nizhni até Kama, em seguida rio acima pelo Kama, seguindo-se depois pelo Volga, rio abaixo, até onde o permitissem as condições da luta com os brancos.

O “Krásnaia Zvezdá”, seguindo os brancos, tinha que realizar durante as paradas, comícios, assembléias e conferencias com os militantes do Partido e com os funcionários soviéticos. O “Krásnaia Zvezdá”, guiando-se pelas resoluções do VIII Congresso do Partido, devia assegurar o Poder soviético nas diversas localidades.

Em todas as partes onde o “Krásnaia Zvezdá” parava Krupskaia pronunciava discursos de propaganda ante as massas. Paralelamente trabalhava para o Comissariado de Instrução Pública, organizando e dando instruções ao magistério.

Anota em seu diário suas impressões do que viu e escutou.

Particular impressão lhe causou o comício realizado nas oficinas do Vótkinsk, de onde não havia ainda muito tempo tinham sido desalojados os brancos, deixando como recordação um terror extremamente sangrento. Destruíram o clube da Juventude, fuzilando numerosos rapazes organizadores e membros do mesmo. Não havia entre os operários da fábrica, nenhuma família que não chorasse um filho jovem, assassinado pelos bandidos brancos.

No fim do comício, que transcorreu num ambiente de emoção e entusiasmo, todos os presentes entoaram a marcha fúnebre revolucionária “Vós tombastes” e escutavam-se os soluços na sala.

Durante a viagem a bordo do “Krásnaia Zvezdá” agravou-se a enfermidade de Basedov, da qual sofria Krupskaia. Contudo gostava tanto do trabalho de agitação, de propaganda e instrução que realizava entre as massas, neste período extraordinariamente agudo da luta pelo fortalecimento do Poder soviético, que decidiu continuar por muito tempo, e Lênin, que conhecia o mau estado de sua saúde, teve grande trabalho para convencê-la a regressar a Moscou.

                                      VII — Enfermidade e Morte de Lênin

KRUPSKAIA trabalhou energicamente, inclusive nos meses da maior gravidade de Lênin, época em que ela dizia que “lhe parecia andar à beira de um precipício”.

Naqueles dias, suas palavras dirigidas aos estudantes da escola superior do Partido, a Universidade Sverdlov, por motivo da passagem, em 1923, do primeiro lustro de existência “dessa filha do proletariado vitorioso”, refletem como sempre um elevado espírito e a fé inquebrantável na causa de Lênin(28).

“Camaradas: enviamos-lhes nossa mais cordial saudação.
A Revolução de Outubro forjou e lançou à face do mundo burguês uma série de palavras de ordem. Como a luz do raio, iluminou nossa miséria, nosso atraso cultural, nossa incapacidade. Porém, ao mesmo tempo, nos ensinou o caminho do comunismo. Começamos a edificar a vida.
Sabemos que apenas um trabalho tenaz e prolongado nos permitirá levar à prática as palavras de ordem de Outubro. O posto dos velhos será ocupado pela juventude, cujos fortes e ágeis braços continuarão a obra iniciada. Os estudantes da Universidade Sverdlov marcharão na primeira fila, Possuem muita energia e seu trabalho ali coloca-lhes nas mãos a arma da concepção materialista do mundo, o método marxista de interpretação dos fenômenos sociais. Em suas mãos, o marxismo converte-se num instrumento poderoso de transformação da realidade.
A Universidade Sverdlov é filha do proletariado vitorioso. Seu coração vibra em uníssono com os interesses do proletariado. Ela fundiu sua obra com a obra do proletariado, ao qual serve fielmente.
Os estudantes nela trabalham com tenacidade, sem desfalecimento, com objetivo de capacitar-se, de preparar-se para desempenhar sua profissão de forjadores do novo regime.
Com persistência e sem fraquejar trabalham os dirigentes da Universidade para dar aos estudantes a melhor formação ideológica proletária.
A Direção de Instrução Política está orgulhosa da Universidade Sverdlov.
Recebam, camaradas, nossa mais cordial saudação.
N. Krupskaia”.
Krupskaia não perde a coragem nem nos dias lutuosos da morte de Lênin, chefe e mestre do proletariado mundial, criador do Partido Bolchevique e do Estado Soviético — morte que teve lugar a 21 de janeiro de 1924. No dia 26, na sessão fúnebre do II Congresso dos Soviets, em que o camarada Stálin pronunciou seu solene juramento histórico, Krupskaia intervém, pronunciando a seguinte oração:

“Camaradas: O que vou dizer-vos não se parecerá em nada com um discurso parlamentar, mas como falo diante de representantes de Repúblicas de trabalhadores, perante camaradas queridos, aqueles que hão de construir a vida sobre novos alicerces, creio, camaradas, que não devo sujeitar-me a qualquer formalidade.
Quando nestes dias, camaradas, encontrava-me junto aos restos mortais de Vladimir Ilitch, passava pela mente toda a sua vida e eis o que quero dizer-vos: seu coração pulsou com imenso carinho por todos os trabalhadores, por todos os oprimidos. Ele não o dizia nunca, nem eu o diria, noutro momento menos solene, e digo isto agora porque foi um sentimento que herdou do heróico movimento revolucionário russo. Este sentimento levou-o a buscar, ansiosa e fervorosamente, resposta para uma pergunta: quais os caminhos da libertação dos trabalhadores? Encontrou a resposta em Marx. Não estudou Marx como um erudito, mas como um homem que procura uma resposta para os problemas que o atormentam constantemente. E achou esta resposta em Marx. Com ela se dirigiu aos operários.
Foi na década dos noventa. Não podia então usar a tribuna pública. Foi até aos círculos operários em Petersburgo, para contar-lhes o que tinha aprendido de Marx, falar-lhes sobre as respostas que havia encontrado nas obras de Marx. Não foi aos círculos operários como um mestre altivo, mais como um camarada. E não falava e contava, apenas, mas escutava também atentamente o que lhe diziam os operários. E os operários da capital não lhe falavam apenas das condições em que trabalhavam nas fábricas, da opressão que sofriam. Falavam-lhe de suas aldeias.
Na sala mortuária da Casa dos Sindicatos, junto ao ataúde de Vladimir Ilitch, vi um operário que participava dos círculos dirigidos por Lênin. Era um camponês da província de Tula. Então dizia a Vladimir Ilitch esse camponês de Tula, operário das oficinas de Semiádov: “Aqui na cidade, me é difícil explicar-me. Voltarei à minha província e contarei tudo o que disseste. Contarei aos de minha família e aos outros camponeses. Eles me acreditarão. Sou um deles. E ali nenhum gendarme poderá me impedir de o fazer”.
Falamos muito da aliança entre operários e camponeses. Esta aliança foi-nos dada pela própria história. O operário russo é metade operário, metade camponês. O trabalho entre os operários de Petersburgo, as conversas com eles, a atenção prestada a suas conversas, permitiram a Lênin compreender o grande pensamento de Marx, a idéia de que a classe operária é o destacamento de vanguarda de todos os trabalhadores, e que é seguida por todas as massas trabalhadoras, todos os oprimidos; nisto reside a força e a garantia de seu triunfo. Só colocando-se à frente de todos os trabalhadores, a classe operária pode triunfar. Isto Vladimir Ilitch compreendeu quando atuava entre os operários de Petersburgo. E este pensamento, esta idéia guiou desde então toda a sua atuação, cada um dos seus passos. Ele queria que o Poder pertencesse aos trabalhadores. Compreendia que a classe operária precisava do Poder não para gozar uma boa vida à custa dos demais trabalhadores; compreendia que a missão histórica da classe operária consiste em libertar todos os oprimidos, todos os trabalhadores. Esta idéia fundamental imprimiu sua marca a toda a atividade de Vladimir Ilitch.
Camaradas, representantes das Repúblicas Soviéticas, Repúblicas de trabalhadores: dirijo-me a vós e vos rogo que guardeis em vossos corações esta idéia de Vladimir Ilitch.
Agora, camaradas, quero dizer-vos estas palavras de encerramento: morreu nosso Vladimir Ilitch, morreu nosso querido, nosso maior amigo e mestre.
Camaradas comunistas, levantai mais alto a bandeira que Lênin amara, a bandeira do comunismo!”.
Quando, passados longos anos, seus amigos perguntavam a Krupskaia de onde, sendo tão débil, havia tirado forças nos lutuosos dias do enterro de Lênin, não só para manter-se em pé, como para pronunciar grandes discursos e escrever artigos nos jornais, respondia-lhes que, achando-se na sala mortuária da Casa dos Sindicatos ao lado do ataúde de Lênin e vendo a dor que a todos causava sua morte, se confundiu com todos, e sua dor deixou de ser pessoal para unir-se à grande dor de todos e quis dizer a todos como compreendia Lênin.

É característica de seus traços morais a declaração feita na sessão fúnebre do II Congresso dos Soviets, de que unicamente em razão da solenidade do momento se decidia a ressaltar as qualidades pessoais de Lênin. Mais tarde manifesta um pensamento semelhante numa carta a Máximo Gorki:

“… Às vezes, ao escrever minhas memórias, sinto uma estranha sensação. Por um lado me parece que devo contar aos operários, à juventude, tudo o que recordo de Ilitch, e por outro, penso que talvez não estivesse de acordo com minhas memórias, porque gostava muito pouco de falar de si mesmo.
Quando você chegou, eu ardia em desejos de lhe falar sobre Ilitch, simplesmente, de chorar um pouco como mulher, em sua presença, na presença da pessoa diante de quem Ilitch falava de si talvez mais do que o faria perante outra. Porém, para dizer a verdade, senti um pouco de vergonha”.

VIII — Imensa Atividade Durante os Quinquênios Stalinistas e Morte no Posto de Combate

Qual o setor da frente cultural em que Krupskaia não teria trabalhado nos anos dos quinquênios stalinistas? Tudo a interessava: o trabalho escolar, os clubes e bibliotecas, os destacamentos de pioneiros, e literatura para a juventude e a infância, o estudo científico dos problemas de pedagogia, etc.

“O trabalho é inesgotável, escreve a Gorki, há grande falta de pessoal, todos os departamentos estão eletrizados, a base enervada: todo mundo pede toda classe de estudos, há inúmeras coisas tão interessantes e nem por um momento se pode ficar afastado da vida”.
Krupskaia não podia nem queria ficar afastada da vida magnífica que se desenrolava diante de seus olhos, diante dos olhos de uma pessoa a quem havia cabido a sorte, a grande felicidade de ver convertidos em realidade os mais audazes sonhos de sua mocidade.

Desta felicidade, desta honra de ser um dos edificadores da sociedade socialista, fala Krupskaia a 15 de novembro diante de seus eleitores, perante os operários têxteis de Serpukovo, que a tinham indicado candidata a deputado ao Soviet Supremo da URSS.

“Coube-me a grande felicidade de ver como nosso país, de país de trevas, país pobre, país escravizado pela bota do tzarismo, por latifundiários e capitalistas, se transformou em país do Socialismo. Esta é minha maior felicidade. Agora, quando assisto a numerosas reuniões e vejo a coesão das massas, quando vejo com que amor olham nosso Partido, com que amor recordam Lênin, com que carinho falam de Stálin, dos dirigentes de nosso Partido, sinto enorme alegria.
Camaradas: permiti que vos agradeça a confiança que me demonstrais. Torna-me feliz ver-me inscrita como candidata a deputado do Soviet Supremo da União pelo distrito de Sérpukovo. É um distrito de operários têxteis e eu me formei como bolchevique atuando justamente numa localidade onde existem muitas fábricas têxteis, e minhas relações com o camarada Lênin começaram justamente pelo estudo da vida das fábricas e oficinas do distrito de Volodarsk, onde se achavam as fábricas Tornthon, Mackwell, Paal e outras…”
Terminou seu brilhante discurso com estas palavras:

“Devemos cuidar das conquistas do socialismo em nosso país, como das meninas de nossos olhos. Com a mais profunda aversão nosso povo odeia aos que lutam contra a causa de Lênin e Stálin, aos que atraiçoam a causa da classe operária. Ódio e desprezo nosso povo sente contra os espiões e divisionistas trotsquistas-bukarinistas. Não podemos ter outro sentimento para com os inimigos”.
Além do enorme trabalho de caráter educacional, Krupskaia considerava obrigação sua intervir nos atos públicos nos dias das campanhas políticas: o 8 de março, o Dia da Juventude, o Dia da Constituição, do Exército Vermelho, o Primeiro de Maio, o 7 de Novembro, nos Dias de Lênin, durante os quais, de forma simples e fácil, falava às massas sobre a vida de Lênin, relacionando o passado com o presente, exortando uma e milhares de vezes as massas a continuarem realizando as indicações de Lênin, sob a direção do camarada Stálin, o grande continuador da obra de Lênin.

Krupskaia dedicava muito do seu tempo às tarefas que o Partido lhe entregava. Era membro da Comissão Central do Controle P. C. (b) da URSS, e, desde 1927, isto é, a partir do XV Congresso do Partido, membro do Comitê Central do Partido. O mesmo se pode dizer de suas tarefas estatais: era membro do Comitê Central Executivo dos Soviets, portanto, deputado do Soviet Supremo da URSS, fazendo parte do Presidium do mesmo.

À primeira vista pode parecer estranho que uma pessoa fisicamente tão fraca, como Krupskaia foi durante toda a vida, tenha podido desempenhar semelhante tarefa, e mais estranho ainda que pudesse cumprir tantas obrigações.

O enigma fica decifrado quando se considera como era profunda, como era ardente a fé de Krupskaia na capacidade criadora dos povos livres da URSS como sabia trabalhar apoiando-se nos ativistas que surgiam do seio das massas e como a inspiravam as perspectivas do trabalho, sobre as quais escrevia, a Gorki:

“As pessoas devem crescer em inteligência e coração. E à base deste progresso individual, nas nossas condições, se formará por fim um novo tipo de coletividade, onde o “eu” e o “nós” se fundirão num todo indissolúvel. Tal coletividade poderá formar-se unicamente à base de uma profunda união ideológica e de uma aproximação emocional igualmente profunda na mútua compreensão. A arte e a literatura, em especial, podem ter neste sentido uma influência considerável”.
Para facilitar tanto quanto possível este crescimento das pessoas, “em inteligência e coração” Krupskaia não poupava qualquer esforço. Não a detinha nem a doença crônica, nem a enfermidade de sua vista, que, segundo os médicos, era perigoso forçar. Invariavelmente começava seu trabalho diário às 6 da manhã, hora em que, em sua pequena habitação de tipo estudantil, se assentava à mesa de trabalho para ter tempo de escrever, redigir, elaborar algum plano antes de encaminhar-se para o seu Comissariado, e seu dia de trabalho terminava altas horas da noite.

Era muito difícil arrancar Nadezhda Krupskaia do trabalho, para descanso e tratamento. Era necessário inventar qualquer motivo especial.

Vejamos em que tom fala sobre seu descanso em Kislovodsk, em 1937, em carta a um camarada:

“O diabo me trouxe a Kislovodsk. Isto aconteceu porque Mania (a falecida irmã de Lênin, Maria Ulianova. C. B.) sofre de um processo ativo de tuberculose, embora não muito grave; não podia de modo algum trabalhar, porém declarou aos médicos que sem mim não iria ao Sul para curar-se. Tive de vir com ela; convinha-me porque tinha chegado ao extremo. Meu coração estava inchado.
Sinto-me mal aqui, isto é por demais “balneário”, sem trabalho sinto-me como o peixe fora d’água, decididamente mal”.
Por seu admirável e abnegado trabalho no ramo da educação comunista, por seu valoroso e incessante trabalho, o Governo Soviético condecorou Krupskaia com a Ordem de Lênin e com a Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho.

Em janeiro de 1939, pouco antes de sua morte, falando ante uma conferência de professores rurais do distrito de Moscou, Krupskaia aponta-lhes o importante papel que desempenhará o livro “História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS”, porque está

“escrito de tal forma que ilustra com profundidade extraordinária todo o caminho percorrido pelo Partido, todo o caminho de luta das massas pelo socialismo, sob a direção do Partido”.
No fim de sua intervenção nessa assembléia, pronunciou estas palavras:

“O nome de Lênin e o nome de Stálin são nossa bandeira. Quando falamos de Lênin, de Stálin, pensamos no socialismo, nas grandes conquistas que temos alcançado, pensamos no triunfo do comunismo. Deveis educar as crianças de modo que sejam verdadeiros leninistas, stalinistas, que, seguindo o exemplo de seus mestres, olhando para os adultos que são stakanovistas adiantados, olhando para os ativistas — seus pais, suas mães, cresçam como homens verdadeiramente novos. Para poder educar as crianças de modo a serem homens novos, devemos trabalhar todos para aumentar mais ainda nossa própria capacitação, estudar como é necessário o marxismo-leninismo, levantar cada vez mais alto a bandeira de Marx, Engels, Lênin e Stálin”.
Esta foi uma das últimas intervenções de Krupskaia, mas não a última.

Segundo conta seu secretário, ainda a 23 de fevereiro falou numa reunião do Conselho de Comissários do Povo da RSFSR, defendendo calorosamente o plano por ela elaborado para a edificação cultural no terceiro plano quinquenal stalinista.

Foi a última intervenção de Krupskaia…

A última carta escrita por ela, dois dias antes de morrer, era dirigida aos alunos de uma escola, que lhe perguntavam de que canções mais gostava, prometendo aprendê-las.

“Minha canção preferida é a “Internacional”, respondeu ela aos pequenos. Também gosto muito da canção do “Exército Vermelho”, que durante a guerra civil cantavam no Kremlin os combatentes vermelhos, e Ilitch e eu muito gostávamos de escutar”.
A 24 de fevereiro ainda corrige a versão taquigrafada de seu discurso sobre a propaganda como era compreendida por Lênin, discurso pronunciado por Krupskaia não havia muito tempo na Universidade Sverdlov.

A 26 de fevereiro de 1939, o Comitê Central do P. C. (b) da URSS, o Conselho de Comissários do Povo, as organizações do Partido, os órgãos soviéticos e as organizações sociais celebraram com grande carinho e respeito o dia em que Krupskaia completou setenta anos de magnífica vida, a revolucionária proletária, lutadora incansável pela causa do comunismo, companheira de vida e de lutas de Lênin.

Na madrugada de 27 de fevereiro de 1939 extinguia-se a preciosa vida de Nadezhda Krupskaia.

Sua morte constituiu uma grande perda para todo o povo soviético. No dia do seu enterro, na Praça Vermelha de Moscou, e em todos os recantos do país, foram realizados atos fúnebres aos quais assistiram centenas de milhares de pessoas. Com a cabeça inclinada em memória de Krupskaia, os jovens edificadores da nova vida prestaram solene juramento de continuar com toda a energia a obra de Lênin e Stálin, a obra do comunismo. Inspirando-se na vida exemplar de Nadezhda Krupskaia, eles vem cumprindo esse juramento.

                                          * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Notas:
(1) V. I. Lênin — “Cartas aos familiares” — Edição russa, Moscou.
(2) V. I. Lênin — “Obras completas”, pág. 218, vol. I, Edição russa, Moscou.
(3) V. I. Lênin – “Obras completas”, pág. 398, vol. XIV, Edição russa. Moscou.
(4) J. Stalin — “História do PC (b) da URSS”, pág 10. Edições Horizonte, Rio.
(5) J. Stalin — “História do PC (b) da URSS”, pág 10. Edições Horizonte, Rio.
(6) V. I. Lênin – “Cartas aos Íntimos, 1894-1919”, Moscou.
(7) Em fins do século passado e nos primeiros anos do presente, tomou corpo entre os social-democratas russos uma tendência oportunista, semelhante ao bernsteinianismo, chamada “economismo”. Os adeptos desta tendência afirmavam que a classe operária devia manter apenas uma luta econômica, deixando para a burguesia a luta política. De acordo com esta teoria dos “economistas”, a classe operária caminha espontaneamente para o socialismo e a tarefa do partido socialista consiste apenas em estudar o desenvolvimento prático do movimento operário e segui-lo. Lênin demonstrou que o “economismo” abria caminho à influência burguesa sobre o proletariado, matava a idéia de unificação do movimento operário como o socialismo, e ajudava a burguesia. Sob a direção de Lênin, o Partido Bolchevique esmagou o “economismo”.
(8) J. Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 12, Edição Horizonte, Rio.
(9) V. I. Lênin. “Cartas aos íntimos 1894 — 1919”, edição russa, Moscou.
(10) J. Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 17, Edição Horizonte, Rio.
(11) Não figuram aí nem o endereço nem o código (Nota da edição russa).
(12) palavra ilegível (Nota do autor) (
(13) J Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 20 Edições Horizonte, Rio.
(14) J. Stálin — “História do PC (b) da URSS”, pág. 36, Edições Horizonte. Rio.
(15) J. Stálin – “História do PC (b) da URSS”, pág. 40, Edições Horizonte. Rio.
(16) J. Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 59, Edições Horizonte. Rio.
(17) J Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 59 Edições Horizonte, Rio.
(18) J Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 65 Edições Horizonte, Rio.
(19) J Stálin — “História do PC (b) da URSS” pág. 68 Edições Horizonte, Rio.
(20) “Cartas de Lênin a Gorki”, Moscou.
(21) Lênin e Stálin. Obras escolhidas de 1917.
(22) Lênin e Stálin. idem.
(23) J. Stálin — “História do PC (b) da URSS”, pág. 78, Edições Horizonte, Rio.
(24) “Lênin e Stálin – Obras Escolhidas de 1917”, pág. 165, ed. russa, 1938, Moscou.
(25) J. Stálin – “História do PC (b) da URSS”, pág 91, Edições Horizonte, Rio.
(26) J. Stálin — “História do PC (b) da URSS”, pág. 94, Edições Horizonte, Rio.
(27) J. Stálin — idem., pág. 94, Edições Horizonte, Rio.
(28) — Carta escrita em nome da Direção de Instrução Política do Comissariado do Povo de Instrução Pública.

                         * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

“Aos nossos opressores diremos mais uma vez que jamais lutaremos contra a União Soviética e que para a guerra imperialista não daremos o sangue de nossa juventude, nem permitiremos que possa a nova hecatombe guerreira ser alimentada com o fruto do trabalho de nossos povos.
Para a guerra imperialista, nem um grão de trigo, nem um quilo de café, nem algodão, nem petróleo, nem manganês, nem cobre… Não trabalharemos para a guerra?.
LUIZ CARLOS PRESTES