– I –
A política geral do governo demonstra que a oligarquia espanhola está enfrentando grandes dificuldades e sérios obstáculos para conseguir articular sua manobra política pseudo-democratizante, com seus objetivos econômicos, devido, de um lado, ao conjunto da situação de crise à escala internacional e, de outro, à situação política e econômica existente no próprio país.
As medidas antipopulares, jurídicas e legislativas, que o governo adotou e continua adotando para intentar pôr em dia seus mecanismos econômicos, financeiros e sociais – em particular os que se referem às relações sociais, como o Pacto de Moncloa (que submete a classe operária aos interesses dos patrões e do governo), o Estatuto do Trabalhador, a Lei de Regulamentação do Emprego, a Lei de Greve e o Acordo-Marco, concluído entre o patronato e a UGT – juntamente com a crescente inflação e o encarecimento brutal do custo de vida, fizeram a classe operária e o conjunto do povo trabalhador compreender o verdadeiro sentido das precaríssimas reformas políticas realizadas após a morte de Franco.

A atual crise política da monarquia, e não só do governo, tem sua causa fundamental no fato de que a classe operária já está vendo claro e dando-se conta do verdadeiro sentido e objetivo da transição sem ruptura.

Presentemente, ao que Carrillo e Gonzalez chamam cinicamente de direitização do governo não é mais do que a evolução lógica da manobra da oligarquia que, desde o princípio, tenta obter fins ultra-reacionários e antipopulares como os fatos estão confirmando.

É sabido que, depois de 40 anos de ditadura fascista, a chamada "Reforma Política" que a oligarquia teve necessidade de realizar acelerou e agudizou toda uma série de problemas políticos e sociais na Espanha e intensificou a luta de classes, levando a que o país se encontrasse atualmente ante uma situação na qual os partidos e sindicatos colaboracionistas – o Partido Socialista Operário Espanhol/UGT e o Partido "Comunista" Espanhol/CCOO –, que haviam sido preparados e adaptados para controlar e apaziguar o movimento operário e popular durante a manobra continuísta, estejam perdendo grande parte de sua capacidade para desempenhar o seu papel. As brutais exigências da oligarquia e das multinacionais para o aumento da produtividade e dos ritmos de trabalho, paralelamente com a redução do quadro de pessoal para obter uma competitividade maior e maiores taxas de lucro, nos marcos da crise mundial, estão tropeçando com a crescente combatividade e consciência de classe das massas trabalhadoras.

Nestas circunstâncias, o rápido desgaste político do governo Suarez, assim como dos partidos colaboracionistas, faz necessárias toda uma série de montagens, enganos e manobras. Tal é o caso do recente debate parlamentar e a moção de censura apresentada pelo PSOE, com o fim de indicar à opinião pública "desencantada", uma suposta alternativa de poder, propondo no fundo um programa similar ao que o governo está aplicando. Ao mesmo tempo, os revisionistas de Carrillo mostram-se dispostos a apoiar qualquer mudança de fachada (governo de concentração, ou seja, governo da União do Centro Democrático, da AP, do PSOE e do P"C”E), que permita à monarquia continuar no poder e ajude a oligarquia a enfrentar a crise da melhor maneira possível para ela.

Quanto ao perigo de uma direitização do governo e à atividade cada vez mais aberta e criminosa dos setores mais duros da oligarquia, bem como dos grupos fascistas pára-policiais, estas ameaças e atividades cumprem também seu papel como eventual alternativa, em caso de necessidade, e também para manter levantada a espada de Dâmocles face à radicalização das lutas populares. Propaga-se que, por muito ruim que seja o atual governo ou outro semelhante, sempre é melhor do que algo pior… como, por exemplo, um retorno ao fascismo sem máscara.

Entretanto, se o governo Suarez se desgastou até o ponto em que alguns setores oligárquicos estão preparando a sua substituição, não menos se desgastaram os partidos colaboracionistas e seus apêndices. Este é um fator político novo e importante na atual conjuntura. O PSOE e o P"C"E vão de crise em crise, de frações e expulsões em novas divisões e demissões, até a entrada de setores inteiros de suas bases em contradição com suas próprias direções, tal como sucede recentemente na Catalunha, donde o conjunto da organização das CCOO, dirigida por membros da direção carrillista opõe-se aberta e publicamente à direção central do partido de Carrillo.

Em que pese todos esses conflitos internos e contradições externas, longe de retificar sua política de colaboração e de apoio, tanto o PSOE como o grupo carrillista estreitam e aprofundam seus vínculos, no fundamental, com o governo e o patronato, prosseguem apoiando as medidas antioperárias e antipopulares da monarquia. O Acordo-Marco, entre a UGT e o patronato, e as recentes declarações de Carrillo ante militantes sindicais de seu grupo, aconselhando a classe operária a "dar um passo atrás" e a "adaptar suas reivindicações à situação da crise econômica", vão acentuar, logicamente, as contradições entre as massas trabalhadoras, de uma parte, e a política e direções destes dois partidos e organizações sindicais colaboracionistas e antioperárias, de outra, apesar de eles continuarem escondendo-se atrás da máscara, da fraseologia e da demagogia "socialistas" e "comunistas".
Em outro terreno, a demagogia sobre as autonomias concedidas pelo governo, como parte de sua manobra pseudo-democratizante, esgotou-se e ficou completamente desmascarada em todos os lugares interessados na autonomia como uma questão totalmente manipulada pelo governo com o apoio dos oligarcas das distintas regiões e nacionalidades, e com a cumplicidade e o apoio dos "socialistas" e revisionistas. Os dois governos "autônomos", formados recentemente na Catalunha e em Euskadi, são encabeçados por um poderoso banqueiro e um grande industrial, respectivamente, isto é, por personagens próximas das esferas oligárquicas do poder central.

Isto tornou evidente que o governo, as forças reacionárias e colaboracionistas manipulam as chamadas autonomias a fim de dividirem e desviarem os povos de sua luta por seus direitos democráticos, inclusive os direitos das minorias nacionais. Concretamente na Andaluzia, onde existe uma situação angustiosa de desemprego e miséria, o governo e os colaboracionistas elevaram artificialmente à categoria de problema central a questão da autonomia andaluza, mas à base do Artigo 143 ou do Artigo 151 da Constituição, como se com uma ou outra dessas fórmulas se resolvessem os problemas do povo trabalhador da Andaluzia.

As sujas manobras sobre tal questão e o não cumprimento das promessas feitas pelo governo são também outra causa do desprestígio e perda de credibilidade não só do governo Suarez como igualmente do poder monárquico.

Esta perda de autoridade e influência do governo e dos partidos colaboracionistas da oposição, bem como dos grupúsculos oportunistas e das forças burguesas autonomistas, fizeram com que os setores mais lúcidos da oligarquia e da oposição já estejam movendo seus peões, direta ou indiretamente, para criar um novo partido de fachada liberal, um partido radical, dizem eles, destinado a preencher o vazio político que se está formando rapidamente entre o governo e os partidos colaboracionistas, de um lado, e, de outro, os amplos setores intermediários, incluindo setores da antiga militância do PSOD, do P"C"E, bem como de antifascistas não organizados. Juan Luiz Cebrian, diretor de O País; Gonzalez Seara, atual ministro das Universidades do governo Suarez; Garcia Trevijano, conhecido oligarca e gângster da política e dos negócios sujos; e Raul Morodo, social-democrata e embaixador de sua Majestade, são algumas das pessoas que, convergindo com elementos aventureiros procedentes do PTE e de outros grupos oportunistas, estão tratando de colocar as primeiras pedras desse novo Partido Radical.

–  II –
Os objetivos e as consequências da política econômica da oligarquia e do Plano Econômico do governo são os seguintes:

1° – Incrementar a Produtividade do Trabalho à custa da intensificação dos ritmos, da disciplina e do controle capitalista sobre a mão-de-obra. Atualmente, nas linhas de produção da Ford, em Almusafes, foram impostos os ritmos de trabalho mais altos do mundo, excluindo o Japão. Na Ford não se produzem somente automóveis, é uma fábrica de acidentes, de fadiga patológica, de enfermidades físicas e mentais, de embrutecimento. E ela não é um caso isolado, embora seja uma fábrica mais avançada do ponto de vista patronal. Atrás das empresas como a Ford seguem as demais, no que diz respeito ao incremento dos ritmos, o controle das ausências ao trabalho, a utilização de polícias internas ou de médicos de empresa que não reconhecem como enfermidade profissional as sequelas deixadas pelos acidentes ou negam licença para o tratamento, obrigando os doentes a trabalharem sob ameaça de sanções e dispensas.

2° – Desvalorizar a Força do Trabalho mediante a redução dos salários reais, através do aumento dos preços dos gêneros e utensílios de primeira necessidade, do estabelecimento de pisos salariais por decreto do governo ou por meio de pactos sociais, do aumento dos impostos que pesam sobre os trabalhadores e da manutenção de uma alta taxa de desemprego que atue como freio às reivindicações operárias. Daí a insistência patronal por introduzir a dispensa sem indenização e os contratos trabalhistas por tempo limitado ou eventuais. O número de trabalhadores desempregados na Espanha beira a cifra dos dois milhões e meio. Mas esta cifra, que por si se constitui uma denúncia arrasadora contra o regime continuísta, aumenta em cerca de mil e quinhentos trabalhadores dispensados por dia, sem que ninguém apresente outra solução nos grandes ramos industriais tais como o da siderurgia, o do setor têxtil, o dos estaleiros e outros que continuam reduzindo o número de pessoal, sem diminuir a produção, uma das chaves da chamada reestruturação industrial.

3° – Conceder aos Monopólios Privados os Fundos Acumulados dos Impostos e da Poupança Popular, que deveriam servir para cobrir os gastos do ensino, do serviço de saúde, das pensões, do seguro-desemprego, da conservação de bairros populares, pequenas cidades e povoados. Essa concessão se realiza através de diversos mecanismos: créditos, isenções fiscais, encomendas de material militar, liberalização de preços etc, bem como mediante a tendência à privatização do ensino e da previdência social.

4° – Arruinar as Empresas não-Monopolistas, seja provocando o fechamento e o desaparecimento físico das mesmas, seja colocando-as sob o controle dos bancos por meio dos mecanismos de crédito. Este processo de concentração capitalista alcançou um ritmo infernal nos últimos tempos, simultaneamente com os passos dados pela oligarquia para o ingresso no Mercado Comum Europeu. O número de empresas em situação de insolvência passou de 2.064, em 1973, a 10.200, em 1978, e a 18 mil, em 1979. O número de trabalhadores afetados por esta situação (dispensas, suspensão do emprego ou redução de pessoal) passou de 44 mil, em 1973 a 276 mil, em 1978, e a 450 mil, em 1979.

5° – Entrada no Mercado Comum Europeu. As negociações para o ingresso da Espanha nesse mercado são levadas a cabo secretamente entre os responsáveis do MCE e o governo UCD, às escondidas de nosso povo, o que impede conhecer as condições leoninas que tanto o próprio MCE como o governo francês e outros estão impondo. É certo que, para monopólios como a Ford, a General Motors, a ITT Standard, os Pascual Hermanos e outros, o ingresso da Espanha no MCE redundará em facilidades à exportação de sua produção. Para o resto dos setores econômicos significará – se o governo continuar com a sua atual política – a vinda das grandes empresas européias ao mercado espanhol, capazes de realizar uma concorrência tal que arrasaria milhares de empresas não-monopolistas espanholas, obrigando outras a cair nas garras dos monopólios estrangeiros, a reestruturar-se, a produzir mais com menos pessoal e a despedir trabalhadores. No que concerne à agricultura, o MCE propõe-se acelerar o incremento da produtividade no campo mediante a diminuição drástica da população ativa agrária, reduzindo-a à metade da atual, e a concentrar a propriedade da terra em umas poucas sociedades capitalistas. E isto quando, nem nas cidades nem no estrangeiro, existem possibilidades de absorver este "excedente" da população rural.

6° – Outros Objetivos da Oligarquia e de seu Governo no Plano Econômico são (resumidamente):
– O aumento acelerado das inversões estrangeiras na Espanha;
– a procura de países que possam receber inversões espanholas e a busca de espaços vazios onde encontrar negócios no mais puro estilo neocolonialista, cujo exemplo mais claro é a Guiné Equatorial;
– a aceleração do plano nuclear, que absorve grande volume de capital sem gerar maior número de emprego. O plano nuclear provoca brutal dependência tecnológica e estratégica diante do imperialismo norte-americano e serve, à custa de inegáveis perigos para a população e da elevação das tarifas elétricas, para que o povo espanhol financie as investigações militares e a produção de armas nucleares dos grandes monopólios dos Estados-Unidos.

– III –
O papel do PSOD e do P“C”E neste período de crise é dos mais infames. Em fins de maio do ano passado, num debate parlamentar, Felipe Gonzalez, líder do PSOE, expôs um programa de governo idêntico, por seu conteúdo econômico, ao que recomendam os grandes monopolistas e que a União do Centro Democrático procura aplicar. De sua parte, os revisionistas de Carrillo viram-se obrigados a expor, mais abertamente que antes, sua política econômica, política que induz os trabalhadores a aceitarem a austeridade, o desemprego, os aumentos dos ritmos de trabalho, em nome dos interesses da "economia nacional" (que é a economia dos banqueiros e das multinacionais), em nome também da necessidade de "consolidar a democracia" (que na realidade é consolidar o continuísmo).
Mundo Obrero, órgão semanal do P"C"E, de meados de junho, escreveu: "CCOO é uma organização sindical (controlada pelos revisionistas) que vem atuando com grande sentido da responsabilidade nacional ao propugnar medidas de luta contra a crise econômica que comportam notáveis sacrifícios para a própria classe trabalhadora". Na mesma publicação diz: "Congelar os salários para evitar que os preços disparem pode ser conjunturalmente e por um certo período uma medida positiva". Aqui se tem uma comprovação clamorosa da colaboração de classes com a burguesia, ajudando-a a aliviar sua situação, descarregando o peso das dificuldades sobre os ombros dos trabalhadores.

Mas não é tudo. Num discurso ante o pleno do CC revisionista, Carrillo insistiu em apoiar os aumentos da produtividade e a luta contra as faltas ao trabalho, que são dois cavalos de batalha do patronato neste momento, em troca de algumas medidas relacionadas com a outorgação de maior peso econômico à chamada empresa pública, isto é, as empresas monopolistas de propriedade estatal, por ele apresentadas como saída milagrosa. Por trás dessa proposta esconde-se o verdadeiro núcleo de sua política: o governo de "concentração". Por isso ele declarou textualmente: "Uma estratégia comum da esquerda pode tender à criação de uma maioria de progresso que enfrente a crise com critério de solidariedade nacional", inspirada "nos interesses das camadas populares e nacionais, desde a classe operária até o empresariado sem o enfrentamento com os bancos". A verdade, acrescentamos nós, é que ele também não quer enfrentamento com o imperialismo, pois, noutro trecho de seu discurso, Carrillo propõe recorrer ao crédito exterior para sair da crise, isto num país cuja dívida externa supera os 15 bilhões de dólares! Esta estratégia revisionista de buscar unidade de ação com os grandes empresários, de nem sequer enfrentar-se com os bancos, expressa claramente o papel dos eurocomunistas como correia de transmissão do grande capital no mundo do trabalho. Expressa igualmente sua ambição de participar num governo da oligarquia para melhor impedir e frear as lutas dos operários em defesa do emprego e do poder aquisitivo dos salários, acusando-os de levar a economia ao caos, de "radicalismo estéril", de incapacidade para negociar, ou de "desestabilizar a democracia". Tudo isso acompanhado de uma chantagem tão vil como falsa: a de que as propostas eurocomunistas são a única via para sair da crise capitalista. Contudo, a verdade comprovada pela experiência histórica é que os mecanismos para a superação da crise que o capitalismo tem ao seu alcance são as falências em cadeia de grande número de empresas, o aumento do desemprego, as guerras imperialistas e a miséria física e espiritual das grandes massas.

Face a esta situação e ao papel que desempenham cada vez mais cinicamente os chefes social-democratas e revisionistas, e sua política, as forças de vanguarda defendem uma linha de unidade proletária e de resistência ao grande capital; de firmeza diante de cada dispensa ou intento de intensificar a exploração capitalista; de resistência em defesa do poder aquisitivo dos salários; de oposição a qualquer forma de pacto social; de luta contra as leis oriundas do governo e do Parlamento monárquico para restringir os direitos econômicos, sociais e políticos dos trabalhadores e para enquadrá-los no terreno da legalidade continuísta monárquica, que é a legalidade do lucro, dos dividendos bancários, da especulação e da fome para os trabalhadores.

As forças de vanguarda pregam a unidade e a resistência para ajudar o movimento operário a recuperar a confiança em suas próprias forças e a compreender que a oligarquia não pode nem está interessada em oferecer uma saída progressista nem democrática à sua crise. A aceitação por parte da classe operária de sacrifícios, dos pisos salariais, do desemprego etc não conduz de modo algum à "saída da crise", nem melhora a expectativa de mais emprego. Pelo contrário, leva ao debilitamento do movimento operário e ao reforçamento das tendências mais agressivas do imperialismo e da oligarquia, vale dizer, dos principais inimigos de classe, dos que buscam aumentar a exploração e converter o povo em carne de canhão para suas ambições imperialistas.

EDIÇÃO 1, MARÇO, 1981, PÁGINAS 42, 43, 44, 45