Passado o susto, cada qual procura explicar à sua maneira os motivos do fracasso. Alegam fatores acidentais, culpam-se uns aos outros, atribuem ao eleitorado falta de discernimento. Perplexos, indagam por que a televisão não funcionou na captação de votos? Já estavam acostumados a ganhar eleição na TV, onde dispunham de tempo gratuito bem avantajado em relação aos partidos menores.

Em São Paulo, por exemplo, o partido de Quércia desfrutava de 2.280 segundos diários. O partido revolucionário da classe operária, o PCdoB, usava apenas 46 segundos divididos em dois períodos ao dia para a sua propaganda eleitoral. Em que pese a prodigalidade do espaço no vídeo, o candidato do governador paulista mal atingiu a terceira colocação. Outros contavam com o impacto de pesquisas préfabricadas sobre o eleitorado incauto. 30, 40, 50% de vantagem para certos figurões, disparados à frente dos adversários. Durante dois meses, mesmo às vésperas do pleito, orientaram-se pela bola de cristal dos Gallupes e Ibopes. As urnas negaram os prognósticos. Quem andava em terceiro ou quarto lugar nessas pesquisas assumiu a dianteira na contagem dos votos.

Sucedeu o inesperado. Boa parte dos eleitorais mudou seu comportamento em comparação com os pleitos anteriores. Neste, manifestou não somente repúdio a governantes reacionários e inescrupulosos. Condenou a política e os políticos conservadores, a velha rotina da substituição nos cargos eletivos de pessoas que repetem o mesmo ritual do faz-que-vai-mas-não-vai.

Operou-se mudança de conteúdo no quadro político partidário, favorável aos partidos e organizações mais ligados aos trabalhadores e ao povo. Venceram as correntes progressistas, políticos e partidos de oposição, descomprometidos com o sistema autoritário, com os vícios da politicagem burguesa, com a mentira oficial do Planalto. Nos centros de maior concentração industrial, a classe operária deu o seu recado. Desalojou das prefeituras locais os caciques de partidos decreptos, corrompidos. Na capital bandeirante, a mais importante do país, foi claro o confronto entre a direita e a esquerda. No páreo final, defrontaram-se Maluf, típico representante do conservadorismo retrógrado, e Erundina, candidata das forças populares, da coligação PT-PcdoB. Ganhou a esquerda.

Especula-se acerca do que teria contribuído para essa evidente mudança de. comportamento do eleitorado. Há quem afirme ter sido a coerência de certo partido que sempre disse não a todas as soluções intermediárias no processo da transição política. Entretanto, o não absoluto nem sempre guarda coerência com princípios democráticos ou revolucionários. Porque entrava o avanço do complexo desenvolvimento da luta de classes na sociedade. O longo caminho a percorrer até alcançar a meta libertadora é menos retilíneo e mais sinuoso do que se imagina. Comporta mil batalhas de características diversas. Há quem diga também que foram fatores emocionais, de conjuntura. Melhor seria dizer que foi a acumulação de desenganos e frustrações, um salto na consciência política do povo que começa a compreender que o xis da equação não é igual ao zero da simples falta de competência dos que têm administrado o Brasil. É algo mais. A incompatibilidade de interesses da classe dirigente com a solução patriótica, democrática e progressista dos problemas nacionais.

O povo aprende com a vida, faz a sua própria experiência. Teria errado quando votou maciçamente no PMDB em 86? Na ocasião, acreditava que esse partido, como prometera, ia dar nova feição à realidade brasileira. Tal não aconteceu. O PMDB virou CENTRÃO na Constituinte e aconchegou-se oportunisticamente às benesses do poder, associou-se a um dos piores governos que o país já teve, A resposta do povo foi a repulsa a semelhante partido.

Muitas outras experiências viverá ainda o povo brasileiro, a classe operária em particular, até alcançar o ponto culminante de suas profundas aspirações de progresso, liberdade e justiça social. Voltar-se definitivamente para o partido e as correntes que representam o futuro e querem mudar radicalmente o presente de atraso, de crise, de fome, de dependência ao capital estrangeiro, exige algum tempo e reflexão maior. A fim de comprovar a justeza da orientação de cada partido dito de esquerda, sua conduta política, sua atuação prática. E também para liquidar as ilusões no reformismo, no socialismo pequeno-burguês, na Perestroika capitalista de Coíbachev na URSS.

EDIÇÃO 16, DEZEMBRO, 1988, PÁGINAS 3, 4