A carta de Nina Andreieva, uma professora universitária de Leningrado, desencadeou acesa polêmica na União Soviética, com muitas manifestações de apoio de outros missivistas. Ela foi publicada quando Mikhail Gorbachev se encontrava na Iugoslávia em visita oficial. Retornando ao país, o presidente da URSS deu ordens expressas para atacar de público a professora pela imprensa e mandou cessar a discussão. A carta de Nina Andreieva, apesar das ressalvas que se possam fazer a algumas de suas passagens, simboliza a existência de forte oposição à perestroika dentro da URSS e a tentativa de setores da sociedade soviética de resgatar o marxismo-leninismo tornado letra morta desde o XX Congresso do PCUS, de 1956. Ao publicá-la com exclusividade Princípios contribui para o debate multilateral sobre o revisionismo soviético.
Nina Andreieva

Decidi escrever esta carta depois de muitas vacilações. Sou química e leciono no Instituto Tecnológico de Leningrado, que leva o nome “Len soviet”. Como muitos outros tenho sob meus cuidados um grupo de estudantes. Nos nossos dias os estudantes, depois de um período de apatia social e parasitismo intelectual, aos poucos começam a se engajar na energia das mudanças revolucionárias.

Naturalmente, surgem discussões sobre os caminhos da “perestroika”, sobre os seus aspectos econômicos e ideológicos. A “glasnost”, a abertura, a eliminação de áreas proibidas à crítica, a exacerbação emocional na consciência das massas, especialmente entre os jovens, frequentemente se manifestam também na exposição dos problemas que numa ou noutra medida foram "murmurados" pelas rádios ocidentais ou por aqueles nossos compatriotas que vacilam em suas concepções sobre a essência do socialismo. E sobre o que não se falou? Sobre o sistema multipartidário, sobre a liberdade de propaganda religiosa, sobre o abandono do país para morar no exterior, sobre o direito de tratar os problemas sexuais na imprensa, sobre a necessidade da descentralização na direção do setor cultural, sobre a abolição do serviço militar obrigatório. Sobretudo surgem muitos debates entre estudantes acerca do passado do país.

Seguramente nós, pedagogos, devemos responder às perguntas mais agudas, o que exige, além de honradez, conhecimento, convicção e horizonte cultural, julgamento sério, avaliações bem pesadas. Estas qualidades são necessárias a todos os educadores da nova geração e não apenas aos colaboradores das cátedras de ciências sociais.

“Tendências niilistas e confusão ideológica se manifestam hoje entre os estudantes”.

O meu lugar preferido para passear com os estudantes é o parque Peterhof. Passeamos pelos caminhos de neve, sentimos prazer com as belas praças, com os monumentos e discutimos. Discutimos! Os jovens estão sedentos para aprender cada coisa complexa, para definir o seu caminho rumo ao futuro. Observo meus jovens e entusiastas interlocutores e penso: quanta importância tem ajudá-los a encontrar a verdade, a formar neles uma justa compreensão sobre os problemas da sociedade na qual vivem e que eles devem reconstruir, definir para eles uma compreensão justa sobre nossa velha e nova história.

Onde está o perigo? Eis um simples exemplo sobre a Grande Guerra Patriótica, sobre o heroísmo de seus participantes, coisa sobre a qual muito se falou e escreveu. Há algum tempo em um alojamento dos estudantes do nosso "tecnológico" desenvolveu-se um encontro com o herói da União Soviética, o coronel reformado V. F. Molosiev. Entre outras coisas perguntaram a ele sobre as repressões políticas no Exército. O veterano respondeu que não viu repressão, que muitos deles, que junto ao coronel começaram a luta permanecendo nela até o fim, se tornaram grandes dirigentes militares. Alguns jovens ficaram desiludidos com a resposta. Sendo atual, o tema das repressões foi inculcado na percepção de uma parte da juventude a ponto de eclipsar um julgamento razoável e objetivo sobre o passado. Exemplos como esse não são poucos. Seguramente, nos alegra muito o fato de mesmo entre os "tecnólogos" haver um vivo interesse sobre os problemas teóricos sociais. Mas de fato têm-se manifestado alguns fenômenos que não posso aceitar e com os quais não posso conciliar. A proliferação de afirmações sobre o “terrorismo”, o “servilismo político do povo”, sobre a “má qualidade da vida social”, sobre a “nossa escravização espiritual”, sobre o “medo generalizado”, sobre os “prepotentes no poder"… Precisamente com estes fios revela-se com parcialidade a história do período de transição para o socialismo em nosso país. Por isto não devemos nos surpreender com que, por exemplo, em uma parte dos estudantes se fortaleçam as tendências niilistas, se manifestem a confusão ideológica, as orientações políticas não sejam levadas em conta, portanto, o envenenamento ideológico generalizado. Algumas vezes escutamos afirmações de que chegou o tempo de responsabilizar os comunistas que, supostamente, "desumanizaram" a vida do país depois de 1917.
Na reunião plenária do Comitê Central de fevereiro (1988) mais uma vez enfatizou-se a necessidade urgente de que "a juventude deve ser ensinada a ver o mundo com olhos de classe, a compreender a ligação dos interesses de classe com os de toda a sociedade, neste quadro também a compreensão da essência do conjunto das mudanças que ocorrem em nosso país". Uma tal visão da história e da atualidade é incompatível com as anedotas políticas, com as calúnias vis, com as fantasias, com temas agudos com os quais nos enfrentamos hoje não raramente.

Leio e releio artigos barulhentos. O que, por exemplo, podem dar à juventude, a não ser desorientação, as descobertas sobre a “contra-revolução” na União Soviética durante os anos 1930, sobre a “culpa” de Stalin pela chegada do fascismo e de Hitler ao poder na Alemanha? Ou a “menção” pública dos “stalinistas” entre diferentes gerações e grupos sociais? Nós, cidadãos de Leningrado, vimos recentemente com interesse um filme documentário sobre S. M. Kirov. Mas o texto que acompanhava as imagens em muitas sequências não apenas não estava adequado ao que o filme documentava, como colocava em dúvida. Assim, as imagens mostravam a explosão do entusiasmo, do otimismo, do impulso espiritual das pessoas que construíram o socialismo, enquanto o texto se referia à repressão, à desinformação…

Naturalmente, não apenas a mim, chama a atenção que as conclamações dos dirigentes do partido, para voltar a atenção dos “desmascaradores” também para as vitórias reais em diferentes etapas da construção socialista, provocam explosões cada vez mais novas de “desmascaramentos”. E, surpreendentemente, um fenômeno visível neste terreno estéril são os dramas de M. Shatrov. No dia da abertura do XXVI Congresso do partido tive ocasião de assistir à peça Cavalos duros sobre a erva vermelha. Lembro-me da áspera reação da juventude ao episódio em que o secretário de Lênin se esforçava para lavar a sua cabeça com uma cuia, confundindo-o com um modelo de escultura de argila inacabada. Enquanto isso, uma parte da juventude saiu imbuída da mensagem, cujos objetivos, claros e previamente preparados, levam a que se enlameie o nosso passado e o nosso presente… Em A paz de Brest Lênin, ao sabor do desejo do dramaturgo e do diretor, se ajoelha diante de Trotsky. Tal é a encarnação simbólica da concepção do autor. Isto assume proporções ainda maiores no drama Mais além… mais além… mais além!. Seguramente esse drama não é um tratado histórico. Mas também nas obras artísticas a verossimilhança deve ser respeitada pela posição do autor. Sobretudo quando se trata do teatro político.

A posição do dramaturgo Shatrov é analisada positivamente e com argumentos nas críticas dos cientistas históricos publicadas nos jornais Pravda e Sovjetskaja Rosia. Quero manifestar também o meu pensamento. Não se pode negar que Shatrov distancia-se de maneira essencial dos princípios atualmente aceitos do realismo socialista. Lançando luz sobre o período com responsabilidade na história de nosso país, ele absolutiza o fator subjetivo do desenvolvimento social, ignora abertamente as leis objetivas da história que se manifestam nas atividades das classes e das massas. O papel das massas proletárias, do partido dos bolcheviques, é apresentado num "cenário" onde se estendem atividades sem a responsabilidade dos políticos.

Os críticos, apoiando-se na metodologia marxista-leninista de estudo dos processos históricos concretos, têm mostrado que Shatrov deturpa a história do socialismo em nosso país. O objeto de oposição é o Estado da ditadura do proletariado, sem cuja contribuição histórica nós hoje não teríamos nada para reconstruir. Mais abaixo o autor acusa Stalin pelo assassinato de Trotsky e de Kirov, pelo "bloqueio" de Lênin enfermo. Será possível investir com acusações tendenciosas na direção das figuras históricas sem considerar os fatos?

Desgraçadamente, os críticos não puderam mostrar que em todas as suas pretensões de autor, o dramaturgo não é original. A mim me parece que, segundo a lógica das avaliações e dos argumentos, ele está muito próximo das motivações do livro de B. Suvarin, publicado em Paris em 1935. No drama, Shatrov colocou na boca dos personagens aquilo que é afirmado pelos opositores do leninismo ligado com o desenvolvimento da revolução, o papel de Lênin nele, as relações recíprocas entre os membros do Comitê Central e as diferentes etapas da luta dentro do partido. Esta é a essência da "nova leitura" de Lênin por Shatrov. Acrescento que o autor do livro Os filhos da rua Arbat, (ver matéria nesta edição), Anatoli Ribakov, aceita abertamente que alguns temas específicos foram tomados de empréstimo por ele das publicações dos emigrantes.

Mesmo sem ler o drama Mais além… mais além… mais além! (não tinha sido publicado; eu agora li críticas elogiosas sobre ele em algumas publicações. Que sentido tinha tal pressa? Depois vim a saber que também apressadamente se estava preparando a encenação do drama).
Imediatamente depois do pleno de fevereiro, foi publicada no jornal Pravda a carta "Na
nova região", assinada por oito de nossos destacados ativistas no campo do teatro. Eles advertiam para os obstáculos possíveis à encenação do último drama de Shatrov. Os autores da carta dizem por que qualificam os críticos como "aqueles para os quais a pátria não é cara". Mas o que se pode dizer com relação ao seu desejo de que com "ímpeto e paixão" se julguem os problemas de nossa história passada e presente? Portanto, só se permite a eles que tenham pensamento próprio?

“Os ataques a Stalin se dirigem a toda complicada época de transição e heroísmo”.

Nas muitas discussões que se realizam agora, precisamente sobre todos os problemas da sociedade, eu, como pedadoga de uma instituição de ensino superior, antes de tudo me interesso por aquelas questões que influenciam diretamente na educação ideológica e política da juventude, no seu reforço moral, em seu otimismo social. Conversando com os estudantes, trocando com eles opiniões sobre problemas agudos, mesmo sem querer, chega-se à conclusão de que entre nós se acumularam muitas deturpações e muitos raciocínios unilaterais, que precisam ser corrigidos urgentemente. Gostaria de me deter especialmente em alguns.

Tomemos a questão do papel de J. V. Stalin na história de nosso país. Precisamente com o seu nome está ligada toda a ofensiva dos ataques críticos, a qual, segundo minha opinião, não se dirige tanto à personalidade histórica quanto a toda a complicada época de transição – época que tem relação com o heroísmo sem par de toda uma geração dos homens soviéticos, os quais hoje vão aos poucos se afastando de toda ação ativa do trabalho, da atividade política e social. Na fórmula "culto à personalidade" são introduzidas de maneira forçada a industrialização, a coletivização, a revolução cultural, que levaram nosso país às fileiras das grandes nações do mundo. E tudo isto é colocado em dúvida. As coisas chegaram até o ponto em que dos "stalinistas" (e no número deles, segundo queiram, pode se colocar quem queira) começaram a exigir com insistência o "arrependimento"… Apressadamente são tidos em alta conta romances e filmes em que se critica a época da tempestade, apresentada como “tragédia dos povos”.

Afirmo que nem eu nem os membros de minha família temos qualquer ligação com Stalin, com sua região, seus próximos e seus adoradores. Meu pai foi operário no porto de Leningrado, ao passo que minha mãe foi mecânica na usina Kirov. Também ali trabalhou meu irmão mais velho. Ele, meu pai e minha irmã foram mortos durante combates com os hitleristas. Um de meus próximos foi acusado nos processos e reabilitado depois do XX Congresso do partido. Manifesto discordância às repressões feitas durante os anos 1930 e 1940. Mas a razão sadia protesta com decisão contra a colocação em um mesmo saco, que agora começou a predominar em alguns órgãos de imprensa, daqueles acontecimentos contraditórios.

Apóio a conclamação do partido para defender a honra e a dignidade dos vanguardeiros do socialismo. Penso que é precisamente a partir destas posições de classe e partidárias que devemos avaliar o papel histórico de todos os dirigentes do partido e do país, portanto, também de Stalin. Nessa oportunidade não se deve reduzir as coisas a um aspecto “de cortesãos” ou à mora1ização abstrata por parte daqueles que não viveram aquele período tempestuoso, ou que ficaram longe daquelas pessoas às quais corresponde agora viver e trabalhar. Agir com estes últimos é ainda hoje para nós um exemplo inspirador.

Para mim, assim como para muitas outras pessoas, o papel decisivo na avaliação de Stalin é desempenhado pelos testemunhos verdadeiros, com os quais se enfrentaram diretamente os nossos contemporâneos, tanto do nosso lado da barricada como do outro. Estes últimos não são sem interesse. Tomemos o exemplo mesmo de Churchil que, em 1919, se orgulhava da sua contribuição pessoal na organização da intervenção militar de 14 Estados estrangeiros contra a nova república soviética, ao passo que, depois de 40 anos, foi obrigado a caracterizar Stalin com estas palavras: "Um dos meus mais perigosos adversários políticos". "Ele foi uma figura destacada que se impôs ao nosso tempo, aquele período no qual transcorreu sua vida. Stalin foi um homem com erudição e energia incomuns, com uma inabalável força de vontade, brutal, áspero, impiedoso tanto no trabalho como nas conversações; inclusive eu, educado no parlamento inglês, nunca pude contestá-lo em nada… Em suas obras soava uma força colossal. Esta força era tão grande em Stalin que parece que ele é inigualável entre os dirigentes de todos os tempos e povos (…) A sua influência sobre as pessoas era incontestável. Quando ele entrou na sala da conferência de Yalta, todos nós como que respondendo a um comando, pusemos-nos de pé. E, surpreendentemente, mantínhamos as mãos nas cinturas. Stalin tinha uma inteligência profunda, lógica e razão, privado de todo pânico. Ele era um mestre perfeito para encontrar nos momentos difíceis os caminhos para sair das situações mais difíceis. Ele era um homem que liquidava os seus inimigos com as mãos dos seus inimigos, ele nos obrigou, a nós que ele chamava abertamente de imperialistas, a lutarmos contra os imperialistas… Ele encontrou a Rússia com arado e a deixou equipada com armas atômicas”.

É impossível atribuir uma tal avaliação por parte de um guarda fiel do império britânico à hipocrisia e a interesses de conjuntura política.

Os momentos principais desta caracterização podem ser encontrados nas memórias de De Gaulle, nas memórias e correspondência de outras personalidades políticas da Europa e da América, que tiveram em Stalin tanto um aliado de guerra como um inimigo de classe.

Um material importante e sério para pensar sobre esta questão são os nossos documentos, que podem ser utilizados por todos aqueles que desejam. Tomemos, por exemplo, o livro de dois volumes Correspondência do presidente do Conselho de Ministros da União Soviética com o presidente dos Estados Unidos no período da Grande Guerra Patriótica de 1941 a 1945, publicado pela editora política em 1957. Esses documentos, com justeza, despertam o orgulho pelo nosso Estado, pelo nosso país, seu papel no mundo tempestuoso, em mutação. Lembro-me do resumo dos discursos, informes e ordens de Stalin nos anos da Segunda Guerra Mundial, com os quais se educava a geração heróica dos vitoriosos sobre o fascismo. Este material pode ser completamente reeditado, incluindo os documentos então secretos, como é a ordem dramática número 227, em relação à qual, com razão, insistem alguns historiadores. Todos esses documentos são desconhecidos de nossa juventude. Especialmente importantes para a educação da consciência histórica são as memórias dos estrategistas Zhukov, Vasilievski, Golovahov, Shtemienku, dos construtores dos aviões Yacovlev, que conheceram de perto o Comandante e não por ouvir falar dele.

É indiscutível, o tempo era muito áspero, mas a verdade é que a simplicidade pessoal que chegava ao ponto do ascetismo, não fazia com que se envergonhasse de si mesmo, pois os milionários soviéticos de então tinham medo de ser mordidos no silêncio dos gabinetes do Estado e nas bases comerciais. Além disso, nós não éramos tão diabólicos e pragmáticos, não preparávamos a juventude para explorar os bens materiais dos pais, mas para o trabalho e a defesa, sem danificar o mundo espiritual dos jovens com obras primas importadas de além-mar nem com os primitivismos culturais.

Das conversas longas e francas com os interlocutores jovens tiramos conclusões tais que os ataques contra o Estado de ditadura de proletariado e aos dirigentes de então têm não apenas causas políticas, ideológicas e morais, mas também base social. Não são poucos os interessados em ampliar o raio de ação desses ataques, não apenas fora do país. Ao lado dos anticomunistas profissionais do Ocidente, que há muito tempo lançaram a palavra-de-ordem supostamente democrática de “antistalinismo” ainda vivem e esperam os descendentes das classes derrotadas pela Revolução de Outubro, que não esqueceram o que pagaram material e socialmente os seus avós. Aqui se incluem os herdeiros espirituais de Dan e Martov, outros das instituições da social-democracia russa, seguidores espirituais de Trotsky e Iagoda, os sucessores dos nepmans, e kulaks, derrubados pelo socialismo.

Como se sabe, toda figura histórica se forma em condições concretas sócio-econômicas e político-ideológicas, condições que influem de maneira determinada na seleção subjetivo-objetiva dos pretendentes engajados na busca de soluções para este ou aquele problema social. Um tal pretendente, colocado no cenário da história de modo a estar "por dentro", deve cumprir as exigências da época e das estruturas dirigentes sociais e políticas, realizar em sua atividade o desenvolvimento objetivo, depois de deixar de maneira inevitável  "a marca" da sua individualidade nos acontecimentos políticos. No final das contas, por exemplo, hoje as qualidades pessoais de Pedro, o Grande, dificilmente agradam as pessoas, mas todas sabem que no período do seu poder nosso país ficou no nível das grandes potências européias. O tempo condensou o resultado com base no qual se faz hoje a avaliação da personalidade histórica de Pedro, e as flores viçosas no seu sarcófago, na catedral do castelo de Petropavlov, simbolizam o respeito e o reconhecimento de nossos contemporâneos, que não gostam da autocracia.

Penso que, por mais contraditória e complexa que seja esta ou aquela figura da história soviética, o seu papel verdadeiro na construção e na defesa do socialismo mais cedo ou mais tarde receberá uma única avaliação objetiva. Compreende-se, única avaliação não no sentido da unilateralidade que evita de maneira eclética as manifestações contraditórias, coisa que permite que através de dizeres errados crie-se todo tipo de subjetivismo: “desculpamos ou não desculpamos”, “rejeitamo-lo ou o deixamos na história”; avaliação única significa, antes de tudo, a avaliação histórica concreta, fora de interesses conjunturais, avaliação na qual, segundo o resultado histórico, reflita a dialética da atividade do indivíduo com as leis fundamentais do desenvolvimento da sociedade. Se se segue a metodologia marxista-leninista de estudo da história, então, antes de tudo, segundo as palavras de M. S. Gorbachev, deve-se mostrar de maneira clara como vivem, como trabalham, em que acreditam milhões de pessoas, como se ligam as vitórias e as derrotas, os acertos e erros, o magnífico e o trágico, o entusiasmo revolucionário das massas e a violação da legalidade socialista, e vez por outra os crimes.

Para mim, não há dúvida de que na avaliação da atividade de Stalin a orientação científica até os nossos dias permanece sendo a decisão do Comitê Central do partido para a eliminação do culto à personalidade e suas consequências, aprovada em 1956 e o discurso do secretário-geral do comitê central na reunião comemorativa do 70° aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro.
Há pouco tempo uma aluna me deixou em difícil situação com a inesperada constatação de que supostamente a luta de classes é uma noção antiquada, assim como o papel dirigente do proletariado. Seria bom que isto fosse dito apenas por ela. Uma viva discussão, por exemplo, surgiu com a declaração recente de um honrado acadêmico de que supostamente as atuais relações entre Estados de dois sistemas sócio-econômicos diferentes perderam conteúdo de classe. O acadêmico não considerou necessário explicar por que ele, durante décadas seguidas, escreveu precisamente o contrário, que a coexistência pacífica não é outra coisa senão uma forma da luta de classes na arena internacional. Agora o filósofo renunciou a isto. É que também as opiniões mudam. Mas até onde eu entendo, a tarefa do filósofo eminente continua sendo esclarecer no mínimo aqueles que aprenderam e aprendam dos seus livros: será que hoje a classe operária internacional não se opõe ao capital mundial, a seus órgãos estatais e políticos?

“O combate à ditadura do proletariado tem causas ideológicas e também base social”

No centro das muitas discussões atuais, segundo penso, permanece o mesmo problema: que classe ou camada da sociedade é a força dirigente e mobilizadora da perestroika? Sobre isso se falou parcialmente na entrevista do escritor A. Prohanov no jornal Leningrad Rabot, de nossa cidade. Prohanov parte do fato de a particularidade da atual situação da consciência social se caracterizar pela existência de duas correntes ideológicas, ou, como diz ele, de “pilares alternativos” que, em vários sentidos, tentam liquidar “o socialismo construído nas batalhas” em nosso país. Exagerando a importância e a dureza da oposição recíproca entre esses dois “pilares”, o escritor, apesar disto, com justeza enfatiza que "eles só se unem para golpear os valores do socialismo". Mas, as duas partes, como dizem os seus ideólogos, são “pela perestroika”.

A primeira, a corrente ideológica mais poderosa, e que surgiu durante a perestroika, pretende como modelo um certo socialismo da inteligência de esquerda liberal como suposta expressão do humanismo "mais verdadeiro" e "mais puro" das camadas sociais. Os seus apoiadores opõem ao coletivismo proletário a “auto-avaliação” do indivíduo com tendências modernistas no campo da cultura, com tendências religiosas, ídolos tecnocráticos, preconizando as maravilhas "democráticas" do capitalismo atual, deturpando seus sucessos reais e imaginários. Os seus representantes afirmam que nós supostamente não construímos o socialismo e que supostamente somente hoje "pela primeira vez na história criou-se a união da direção política e da inteligência progressista". Num tempo em que milhões de pessoas do planeta morrem de fome, das epidemias e das aventuras militares do imperialismo, eles exigem a elaboração urgente de um "código jurídico para a defesa dos direitos dos animais", atribuem à natureza uma capacidade extraordinária, sobrenatural e afirmam que a inteligência não é uma particularidade social, mas biológica, herdada geneticamente. Podem me explicar o que significa tudo isto? Precisamente os defensores do "socialismo dos liberais de esquerda" criam a tendência de falsificar a história do socialismo. Eles querem nos convencer de que o que é real no passado do país são apenas alguns erros e crimes, silenciando, assim, sobre as magníficas conquistas do passado e do presente. Pretendendo a plena verdade histórica, eles substituem os critérios sócio-políticos do desenvolvimento da sociedade por categorias éticas escolásticas. Desejo saber a quem, e por que, interessa que cada dirigente do Comitê Central do partido e do governo soviéticos, depois do seu afastamento do posto, seja desacreditado, em relação a seus erros, inventados e cometidos, durante a solução dos problemas complexos nas encruzilhadas históricas: Onde encontramos nisto a paixão para investir contra a autoridade, a dignidade dos dirigentes do primeiro país socialista do mundo? Outra particularidade do ponto de vista dos "liberais de esquerda" é a tendência cosmopolita, aberta ou camuflada, um certo "internacionalismo" não nacional. Em algum lugar eu li que depois da revolução, em Petrosoviet, chegou a Trotsky, que era judeu, uma delegação de comerciantes e fabricantes queixando-se das perseguições por parte da guarda vermelha e ele declarou: "não sou judeu, mas internacionalista", o que deixou em situação difícil aqueles que tinham vindo para se queixar.

A noção de “nacional” em Trotsky era uma certa avaliação não completa e limitada com relação ao “internacional”. E por isto ele enfatizava a “tradição nacional” de Outubro, escrevia sobre o “nacional em Lênin”, confirmou que o povo russo “não teve nenhum tipo de herança cultural” e outras coisas. Nós insistimos em dizer que precisamente o proletariado russo, que os trotskistas menosprezaram como “atrasado e inculto”, realizou, segundo as palavras de Lênin, “três revoluções russas”, que na vanguarda da batalha da humanidade contra o fascismo estiveram os povos eslavos.

Seguramente, isto que dizemos não representa uma redução da contribuição histórica de outras nações e nacionalidades. Isto, como se diz agora, apenas assegura a integridade da verdade histórica. Quando os estudantes me perguntam como foi possível acontecer o esvaziamento de milhares de aldeias de Njecernozemjes e da Sibéria, eu lhes respondo que isto também foi um preço caro pela vitória e pela recuperação da economia popular depois da guerra, assim como as perdas de uma massa de monumentos da cultura nacional russa. E mais, estou convencida de que a redução do valor da consciência histórica faz nascer uma erosão pacifista da consciência patriótica e de defesa, assim como o objetivo de que a menor manifestação de orgulho nacional grão-russo seja marcada no livro do chauvinismo de grande Estado. Outra coisa me preocupa: com o cosmopolitismo inconciliável liga-se agora a prática dos refuzniks (cidadãos que abandonam o país) daqueles que abandonam o socialismo. Desgraçadamente, só nos lembramos deles quando provocam escândalos e atiram lama sobre o Smolny, os muros do Kremlin. E mais, aos poucos nos ensinam a encarar o abandono da União Soviética como uma certa mudança sem danos de “lugar de moradia”, e não uma mudança de cidadania e de classe das pessoas, a maioria das quais concluiu cursos universitários e pós-universitários com os recursos de todo o povo. Em geral alguns tendem a ver esta mudança como uma certa "manifestação de democracia" e de "direitos humanos", cujos talentos foram impedidos de florescer pelo "socialismo da estagnação". Mas se também ali, no "mundo livre", não dão valor ao espírito vivo de iniciativa e à “generalidade”, e o comércio de inteligência não apresenta interesse, sentem-se livres para voltar atrás… Como se sabe, Marx e Engels, a depender do papel histórico concreto, chamaram nações inteiras numa determinada etapa da história de “contra-revolucionárias” – enfatizo: não classes, não camadas, mas nações inteiras. Com base no tratamento de classe, eles não vacilaram em apresentar as características distintivas de uma série de nações, russos, poloneses, e também a própria nação à qual pertenciam. É como se os fundadores da concepção científica do proletariado nos lembrassem de que na comunidade fraternal dos povos soviéticos cada nação e nacionalidade deve "guardar a honra", a não permitirmos provocá-las com tendências nacionalistas e chauvinistas.

O orgulho nacional e a dignidade nacional de cada povo devem se ligar organicamente com o internacionalismo da sociedade socialista. Se os "neoliberais" se orientam para o Ocidente, o outro "pilar alternativo", para usar a expressão de Prohanov, os "defensores e tradicionalistas" objetivam "liquidar o socialismo em nome de um retorno ao passado", em outras palavras, voltar às formas sociais da Rússia pré-socialista. Os representantes deste "socialismo original camponês" estão magnetizados por este modelo. Segundo o seu pensamento, há 100 anos foram perdidos os valores morais acumulados na escuridão secular da comunidade camponesa. Os "tradicionalistas" têm méritos indiscutíveis no desmascaramento da corrupção, na justa solução dos problemas ecológicos, na luta contra o alcoolismo, na defesa dos monumentos históricos, na luta contra a influência da cultura decadente, que eles com justeza avaliam como psicose da sociedade de consumo.

Ao lado disto, encontram lugar nos pontos de vista dos ideólogos do "socialismo camponês" a não compreensão da importância histórica de Outubro para os destinos da pátria, a avaliação unilateral da coletivização como "ação terrível e arbitrária contra os camponeses", opiniões acríticas sobre a filosofia religioso-mística russa, velhos conceitos czaristas sobre a história nacional, o não reconhecimento da diferenciação pós-revolucionária do campesinato, do papel revolucionário da classe operária.
No que se refere à luta de classes no campo, por exemplo, não raramente eles mencionam os comissários "do campo", que "enfiavam a faca nas costas do campesinato médio". Em todo este grande país, onde eclodiu a revolução, havia seguramente comissários de todos os tipos, mas o caminho principal de nossa vida foi definido por aqueles comissários alvejados pelos outros. Precisamente estes eram esfaqueados pelas costas, queimados vivos. "A classe atacada" acertou as contas não apenas com os comissários, com os chekistas, com os bolcheviques, com os lutadores dos comitês do pobres, mas também com os primeiros tratoristas, com os correspondentes do campo, com os primeiros professores, com os membros dos komsomol do campo e assassinaram dezenas de milhares de outros anônimos lutadores do socialismo.

“Os princípios não os recebemos de presente. Conquistamos com sofrimento e luta”.

A dificuldade para educar a juventude aumenta também pelo fato de que, em conformidade com as idéias dos "neoliberais'" e dos "neo-eslavófilos" criam-se organizações e uniões não oficiais. Ocorre que na sua direção estão elementos extremistas, tendentes às provocações. Nos últimos tempos observa-se a politização dessas organizações independentes, no espírito do pluralismo não socialista, frequentemente os dirigentes destas organizações falam sobre a "divisão do poder" com base no "regime parlamentar", sobre "sindicatos livres", sobre "publicações independentes" etc. Tudo isto, segundo minha opinião, permite tirar a conclusão de que a questão principal e cardinal das discussões que se desenvolvem agora no país é a questão de aceitar ou não o papel dirigente do partido, da classe operária na construção do socialismo e, por conseguinte, também na perestroika", compreende-se, com todas as conclusões teóricas e práticas que daí emanam para os políticos, os economistas e os ideólogos.

Desse problema-chave da concepção sócio-histórica emana também a questão do papel da ideologia socialista no desenvolvimento espiritual da sociedade soviética. Por falar nisto, esta questão era enfatizada desde o final do ano de 1917 por Karl Kautsky, que declarou numa de suas brochuras dedicadas a Outubro que o socialismo distingue-se por uma planificação e disciplina de ferro na economia e pela anarquia na ideologia e na vida espiritual. Isto causou alegria nos mencheviques, esseristas e outros ideólogos pequeno-burgueses, mas encontrou uma oposição decidida em Lênin e seus colaboradores, que defenderam com consequência "as posições-chave", como se dizia então, da ideologia científica do proletariado.

Lembramos de quando Lênin desmascarou as manipulações do conhecido sociólogo daquele tempo, Pitirim Sorok, nas divisões estatísticas da população de Petrogrado e nos escritos religiosos do professor Viper (os quais em comparação com o que se publica hoje parecem coisa que não traz nenhum risco) e, explicando a saída de suas publicações com a falta de experiência dos então trabalhadores dos meios de comunicação de massa, constatava que "a classe operária na Rússia soube conquistar o poder, mas ainda não aprendeu a utilizá-lo". Lênin acentuava, por outro lado, que estes professores e escritores, que não serviriam muito para a educação das massas, poderiam servir como responsáveis das instituições do ensino para idades tenras. Assim, de 164 presos no final do ano de 1922, segundo listas oficiais, muitos mais tarde se transformaram e serviram honradamente ao seu povo, inclusive o professor Viper.

Ao que parece, hoje a questão do papel e do lugar da ideologia socialista assumiu formas muito agudas. Os autores de pequenos trabalhos conjunturais em defesa da "pureza" moral e espiritual rompem as fronteiras e os critérios da ideologia científica; manipulando a glasnost difundem o pluralismo extra-socialista, que objetivamente impede a reestruturação na consciência social. De maneira especialmente dolorosa isto se reflete na juventude, coisa que, repito, sentimos profundamente nós, pedagogos, das universidades, professores das escolas e todos aqueles que se ocupam com os problemas da juventude. Como disse M. S. Gorbachev no pleno de fevereiro do Comitê Central do PCUS, “nós devemos agir também na vida espiritual e, possivelmente, precisamente aqui, em primeiro lugar, agir guiando-nos pelos nossos princípios marxistas-leninistas. Dos princípios, camaradas, nós não devemos abrir-mão por nenhum motivo".

Somos e seremos por isto. Os princípios não os recebemos de presente, mas os conquistamos com sofrimentos e com as impetuosas viragens da história da pátria.

EDIÇÃO 17, JUNHO, 1989, PÁGINAS 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14