Os acontecimentos mundiais transcorridos desde o advento do revisionismo ao poder na União Soviética (XX Congresso do PCUS, 1956) vieram demonstrar com meridiana clareza que essa nova e sofisticada forma de oportunismo constitui a principal ameaça, o mais perigoso inimigo ideológico do movimento revolucionário e de libertação dos povos. E o maior óbice para levar a efeito a transição do capitalismo para o socialismo científico e deste para o comunismo no terreno prático.
Grandes batalhas o marxismo, enquanto doutrina e movimento de emancipação dos explorados e oprimidos de todo o Globo, encetou contra diversas variantes do oportunismo em diferentes etapas históricas, cada uma delas com formas e conteúdo próprios e com resultados vitoriosos para o proletariado militante e de vanguarda.

A luta de Lênin contra as "velhas comadres da II Internacional", que se estendeu do começo do século até o período da Primeira Grande Guerra, foi coroada pelo triunfo da Revolução Socialista de Outubro de 1917, na Rússia, com a separação definitiva em campos opostos entre marxistas, de um lado, e social-democratas, de outro, e a consequente criação da Internacional Comunista (III Internacional), em 1919. Esta vitória política, ideológica e orgânica do marxismo elevou o movimento comunista a um novo patamar, tornou-o uma força expressiva, cujo raio de ação se estendia às mais distantes e mesmo mais atrasadas regiões do mundo. A partir daí conhece-se um desenvolvimento ascensional do movimento comunista, implicando sensível mudança na marcha dos acontecimentos e na correlação de forças em nível internacional.

Pouco depois (finais dos anos 1920, começos dos anos 1930) o movimento comunista internacional debate-se com outros inimigos ideológicos no interior de suas fileiras. Ocorre aí a segunda batalha de envergadura entre o marxismo-leninismo e correntes oportunistas, como o trotskismo e o bukharinismo, que também será coroada de êxito. Marcos dessa vitória são o desbaratamento político, ideológico e orgânico dessas correntes, seu confinamento em grupúsculos, a vitória do socialismo e dos povos na Segunda Grande Guerra, a ascensão do movimento de libertação nacional e a formação do campo mundial do socialismo.

O fato é que desde a cisão com os oportunistas da II Internacional até meados da década de 1950, o movimento comunista conheceu uma etapa de florescimento, avanço, consolidação e aumento continuando de sua intervenção política de massas. Ia reunindo condições para se tornar a grande força de vanguarda, capaz de dirigir a revolução e construir o socialismo em todo o mundo, contando com a vantagem de já ter vivido ricas experiências de luta.

Objetivamente, o período do imediato pós-guerra assinala em escala mundial uma viragem na correlação de forças entre o proletariado e a burguesia, o socialismo e o imperialismo. A principal brigada de choque da grande burguesia monopolista foi destroçada. Sua aventura militar chocou-se com a resistência armada dos povos e com o patriotismo socialista na URSS. O fascismo foi momentaneamente desbaratado enquanto sistema político e forma de governo, dando início a um processo generalizado de democratização na maioria dos países. Das lutas de resistência à ocupação nazi-fascista surgiram revoluções dirigidas por partidos comunistas, com a ajuda da URSS, resultando na criação das democracias populares, incorporadas ao campo do socialismo.

“A direção do partido proletário é o que garante a transição para o socialismo”. Em 1946, o grito de guerra dos marinheiros amotinados nos navios militares em Bombarim – "Fora os ingleses da Índia" – tinha a força simbólica de um dobre de finados para o velho sistema colonial do imperialismo, criado no século passado e redefinido na Primeira Guerra entre as grandes potências. Entre os anos de 1945 e 1949 uma cruenta guerra de libertação nacional eclodiu na Indonésia, com influente participação do partido comunista. Os colonizadores holandeses foram obrigados a se retirar do país. Em 1949 outro grande acontecimento, com marcantes repercussões na bancarrota do velho sistema colonial, soma-se ao conjunto de fatores de alteração na correlação de forças Internacionais – a revolução chinesa e a criação da República Popular da China. É nessa fase que se estende pelos anos 1950, 1960 e 1970 que se dá o processo de conquista da independência formal e criação dos Estados nacionais nos países de Ásia, Oriente Médio e África. Síria e Líbano expulsam em 1945-1946 os imperialistas ingleses e franceses. O Egito, em 1952, derruba a Monarquia e proclama a República. Em 1957-1958 é a vez do Iraque derrocar o regime ditatorial. E também em 1957 a França é obrigada a reconhecer a independência de Tunísia e Marrocos. Em 1954 o velho império colonial francês tremia ainda na Indochina e na Argélia. Esta última se tornará independente em 1962, numa guerra popular incontrolável.

À exceção dos Estados Unidos, que saíram fortalecidos da Segunda Guerra e na condição de líder do campo imperialista, os países capitalistas estavam debilitados. Não só as potências derrotadas na guerra – Japão, Alemanha e Itália – mas também Inglaterra e França.

De outra parte, crescia enormemente o prestígio do movimento comunista internacional. Mesmo entre os adversários era forçoso admitir que a União Soviética tinha sido a força mais destacada no combate ao nazifascismo, a que pagou o maior tributo em nome da libertação da humanidade. Os partidos comunistas vanguardearam a resistência à ocupação fascista, transformando-a, mormente na Itália e França, numa das mais heróicas epopéias da luta de libertação dos povos na história moderna. Os partidos comunistas se tornaram partidos de massas, pólos de aglutinação da unidade popular, organizações influentes na vida política.

Positivamente, a tentativa de destruição do socialismo e do movimento comunista, pela via da contra-revolução armada, resultou no seu inverso. A luta emancipadora da classe operária e dos povos deu um salto de qualidade. De maneira aterradora para a burguesia e o imperialismo, a revolução passou a ser o "espectro" que rondava não mais a Europa, mas todo o mundo.

“Um fator novo, a luta política de massas nos países revisionistas, altera o quadro atual”.

Tomando como referência esse quadro pode-se compreender o significado, a dimensão e as consequências daquilo a que chamamos de derrota histórica do proletariado e do movimento comunista em escala mundial. A tendência do desenvolvimento da situação apontava para o crescimento das lutas revolucionárias, o aprofundamento da crise do sistema imperialista e a vitória do socialismo. Mas esse desabrochar de esforço revolucionário foi esmagado pela contra-revolução revisionista na URSS, resultado da capitulação ao imperialismo em larga escala no movimento comunista. O oportunismo passou a ser o principal traço da orientação política e ideológica dos partidos comunistas, transformados de força de vanguarda da revolução em partidos social-democratas, apêndices da burguesia, arautos do reformismo, bombeiros da luta da classe operária e dos povos.

O revisionismo freou o movimento revolucionário mundial, semeou a confusão ideológica, provocou desnorteamento, cindiu as fileiras comunistas, entorpeceu as consciências, desarmou o proletariado enquanto classe de vanguarda. O revisionismo contemporâneo no poder (primeiro na Iugoslávia, depois e principalmente na URSS), e o revisionismo que tomou de assalto as direções da quase totalidade dos partidos comunistas, foi aos poucos traçando e executando sua estratégia. Começou por atacar o marxismo-leninismo, embora de maneira disfarçada e sutil, encobrindo-se com fraseologia oca. Tentou desacreditar o marxismo como teoria científica da revolução e substituí-lo por uma mal alinhavada colcha de retalhos de velhos dogmas extraídos de seus predecessores, Kautsky e Bernstein. Princípios universais do marxismo-leninismo – como a luta de classes enquanto motor da história, a revolução como instrumento de progresso social, a ditadura do proletariado como sistema político que assegura a democracia de massas no socialismo, e a missão histórica do proletariado como coveiro do capitalismo – sofreram um histérico bombardeio nos discursos e escritos de Kruschev, Ibarrurri, Marchais, Togliatti et caterva.

Os revisionistas colocaram em sua alça de mira o caráter proletário dos partidos comunistas, transformando-os em agrupamentos amorfos e peças integrantes da máquina jurídico-política do Estado burguês. Tomaram medidas, nos países onde estavam no poder, para destruir as bases econômicas e sociais do socialismo. Exerceram maléfica influência nos movimentos de libertação dos povos, fazendo-os trilhar a senda da conciliação com o imperialismo.

Esta nefanda estratégia do revisionismo, ao ser aplicada e obter resultados, alterou a anterior correlação de forças entre o socialismo e o imperialismo, inverteu as posições do proletariado e da burguesia na luta de classes em curso na arena internacional. Sem exagero, pode-se asseverar que o advento do revisionismo ao poder, a destruição do campo socialista, a degeneração dos partidos comunistas são marcos de uma verdadeira tragédia para a revolução mundial. E um retrocesso histórico do qual, a rigor, ainda não saímos, muito embora os sinais de um novo parto revolucionário-proletário já se façam sentir. Mas isto é outra história e sobre ela me deterei mais adiante.

O retrocesso para o capitalismo verificado na União Soviética e nos demais países do campo socialista e a debilitação das posições do proletariado, cedendo lugar à pequena burguesia e às forças reformistas na direção das lutas, colocam no centro do debate político e ideológico dos nossos dias algumas questões essenciais. "O marxismo morreu", "passou a época das revoluções" e outras formulações desse tipo foram convertidas nos "novos" dogmas da propaganda burguesa e revisionista.
Os revisionistas passaram a caracterizar a presente época histórica com critérios subjetivos, não leninistas, vinculados a interesses pragmáticos e a estratégias de política internacional do grande Estado soviético. Segundo a pregação em voga entre os revisionistas, vivemos a época da "coexistência pacifica", da harmonia internacional, da queda das tensões, dos compromissos históricos, da evolução gradual e pacífica do capitalismo para o socialismo e mesmo da integração espontânea do primeiro no segundo. Os países capitalistas desenvolvidos, onde a acumulação de superlucros favoreceu a implementação de reformas social-democráticas, são apontados como modelos de uma nova ordem. Países do chamado Terceiro Mundo em processo de transição e de luta inconclusa pela independência nacional e por reformas estruturais são classificados como "países no caminho não capitalista de desenvolvimento". A perestroika, conjunto de reformas que aceleram a implantação do capitalismo na URSS, bem como processos análogos nos demais países do Leste europeu e na China, são tidos como uma "nova abordagem" da construção do socialismo.

A sacralização de métodos capitalistas de gestão econômica, a restauração da propriedade privada, a boa acolhida ao capital estrangeiro, tudo isso hoje é visto como formas de harmonizar sistemas sociais antípodas. Mikhail Gorbachev declara textualmente que “a espinha dorsal do novo pensamento é o reconhecimento da prioridade dos valores humanos ou, para ser mais exato, da necessidade de sobrevivência da humanidade”, insistindo em outra passagem do seu livro Perestroika na "prioridade dos interesses comuns da humanidade sobre os interesses de classe".

Destarte, segundo o "novo pensamento" – entenda-se, pensamento revisionista – em voga, desde o XX Congresso do PCUS estamos diante de uma nova época histórica. Mas um confronto desses conceitos com a teoria leninista sobre o caráter de nossa época evidencia que temos a ver aqui com categorias arbitrárias, adaptadas à estratégia do oportunismo, em tudo contrárias aos conceitos marxistas-leninistas.

Quando falamos de época histórica não temos presente apenas um curto período, situações conjunturais. No leninismo, essa época encerra um conceito de maior permanência, relacionado com a etapa do desenvolvimento, do capitalismo no plano mundial. Ao analisar a transformação do capitalismo em capitalismo monopolista, Lênin concluiu que este atingira uma nova etapa em seu desenvolvimento – a etapa imperialista. Dimana daí, segundo o raciocínio de Lênin, que o mundo em seu conjunto amadurecia para a revolução e o socialismo. Daí por que o genial continuador de Marx e Engels caracterizou a nova época histórica como a época das revoluções proletárias, das lutas de libertação nacional, da vitória do socialismo no plano mundial. Esta definição deriva também do criterioso exame das principais contradições da época. Com a tomada do poder pelo proletariado na Rússia em 1917 surgiu a contradição estre o socialismo e o capitalismo, expressão no plano dos sistemas políticos e econômicos, da luta de classes entre o proletariado e a burguesia. Esta contradição impregna a sociedade desde então até os nossos dias, malgrado o retrocesso a partir dos anos 1950 no campo socialista. Lênin tinha presente também o agravamento da contradição entre o capital e o trabalho, que o capitalismo monopolista levou a um novo degrau, o surgimento da contradição entre o imperialismo e as nações e povos oprimidos, em decorrência da exportação de capitais, e as contradições inter-imperialistas, fruto da disputa pela hegemonia, por zonas e esferas de influência, mercados e fontes de matéria-prima, resolvíveis apenas pela guerra, o que se comprovou com as duas conflagrações mundiais que o século XX conheceu.

Não é possível compreender as perspectivas do desenvolvimento histórico nem elaborar estratégias e táticas que conduzam o proletariado ao poder, sem levar em conta a existência desse complexo de contradições, sem retirar da análise dos fatos a conclusão de que, por mais que se prolongue a lenta agonia do capitalismo, este chegou ao seu limite e tende historicamente a ser substituído por uma ordem social superior – o socialismo. E que essa tendência, essa possibilidade, só se converterá em realidade histórica através da via revolucionária.

“A derrota histórica do proletariado é fenômeno passageiro. A revolução abre alas”.

Isto nos permite concluir que, apesar de todos os percalços, da derrota histórica, do retrocesso da revolução e do movimento comunista, a revolução permanece na ordem-do-dia e que a peculiaridade da época histórica do imperialismo é a gestação, queira-se ou não, porque se trata de fenômeno objetivo, do processo revolucionário.

O que cumpre analisar além disso, e daí retirar as necessárias implicações táticas e estratégicas para a luta do proletariado, é a singularidade da conjuntura que estamos vivendo desde o advento do revisionismo ao poder, verificar em que e como os processos regressivos acarretados pelo revisionismo retardaram o movimento revolucionário e as formas e meios de divisar uma saída da conjuntura cinzenta em que nos encontramos.

O impacto corrosivo do revisionismo sobre o movimento revolucionário pode ser aferido não só pela alteração aqui apontada na correlação de forças e pela profunda desorganização que acarretou às fileiras do proletariado mundial, mas também, e isto tem influência ponderável, pelo desnorteamento, a confusão política e ideológica, o demissionismo, a perda de perspectiva, a repetição de fraseologia oca e a ressurreição do espírito pequeno-burguês na condução do movimento revolucionário. Um dos grandes males, senão o maior, causado pelo revisionismo foi retirar temporariamente das mãos do proletariado revolucionário a direção das lutas emancipadoras, transferindo-a, com variadas formas e facetas, seja pela via do reformismo, seja pela do extremismo, seja do ecletismo, para as mãos da pequena-burguesia.

Os anos 1960, 1970 e 1980 são repletos de episódios, todos eles marcados por um verdadeiro heroísmo, mas ao mesmo tempo indicadores da influência que a pequena-burguesia passou a exercer sobre o movimento revolucionário, truncando seu desenvolvimento, dando-lhe rumos confusos, contornando de uma ou outra maneira a perspectiva de desembocar na conquista do socialismo proletário. Ressalte-se, como fator básico na incidência desse fenômeno, a influência nefasta da União Soviética, revisionista, sempre pronta a intervir nos acontecimentos em função de seus interesses hegemonistas, pesando nessa interferência muito mais a luta pela manutenção do equilíbrio de forças com o imperialismo norte-americano do que um apoio internacionalista desinteressado à revolução.

A América Latina foi um dos palcos privilegiados da eclosão de movimentos revolucionários nas últimas décadas. A Revolução Cubana tornou-se o símbolo maior do ímpeto revolucionário dos povos latino-americanos, de sua determinação em conquistar a independência, a democracia e o socialismo. E espalhou para todo o continente as chamas da guerrilha popular. Mas não tardou muito e a Ilha, de símbolo vivo converteu-se em mito. O processo revolucionário permaneceu a meio caminho, foi truncado pela orientação pequeno-burguesa e por ter-se jungido à canga do revisionismo kruschevista. O episódio da Baía dos Porcos foi elucidativo da linha de capitulação que a União Soviética passaria desde então a imprimir ao movimento revolucionário mundial.

A guerrilha latino-americana foi uma das manifestações mais nítidas da revolta popular, da inquietação que grassava nas massas e que não encontrava outra saída, devido ao ambiente político infestado de autoritarismo e paralisado por estruturas políticas conservadoras, petrificadas, tuteladas pelo militarismo a soldo dos pregoeiros da “doutrina de segurança nacional" elaborada no Pentágono. Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador, Peru, Guatemala, República Dominicana ferveram no caldeirão dessa luta, mas a falta de uma perspectiva proletária estreitou-lhe o horizonte e turvou-lhe o caminho. Os partidos comunistas, revisionistas, caudatários de Moscou, em geral se colocaram contra o uso de formas revolucionárias de luta, atitude que aumentou o seu descrédito junto às massas e a setores de vanguarda do movimento.

O Chile é um capítulo à parte nesta história, magistralmente esclarecedor do fenômeno que estamos tentando analisar – o deslocamento da direção da luta revolucionária para as mãos da pequena-burguesia como resultado da derrota histórica sofrida pelo proletariado, decorrente da traição revisionista.

Ali a revolução tentava abrir caminho, a eleição do governo da Unidade Popular encabeçada pelo socialista Salvador Allende representou contundente golpe na oligarquia e nos interesses do imperialismo norte-americano no país andino. O movimento de massas ascendia como uma maré montante. Mas a pequena-burguesia, encastelada na direção do partido revisionista e em outros agrupamentos da Unidade Popular, desnudou sua pusilanimidade e levou uma rica experiência, em muitos momentos gloriosa, de luta democrática e antiimperialista, à catástrofe do golpe militar e da implantação da ditadura fascista.

Nos anos que correm outros processos revolucionários, de certa profundidade por seu caráter democrático, popular e antiimperialista, têm lugar em nosso continente. Nicarágua e El Salvador são focos de resistência patriótica ao domínio estadunidense, trincheiras avançadas da luta de libertação nacional. Mas vivem impasses semelhantes, padecem do mesmo mal de outras revoluções referidas aqui – a ausência de uma direção proletária e, enquanto isto perdura, a hegemonia, pequeno-burguesa.

Do outro lado do mundo, no continente asiático, assistimos nas décadas de 1960 e 1970 a momentos agudos da luta de classes e de libertação nacional, que abriram largas perspectivas ao desenvolvimento da revolução mundial, mas que tiveram outros desdobramentos do ponto de vista do socialismo científico.

Tomemos a Indonésia. Ali, desde os anos 1940, como já referimos, a luta pela independência vinha se desenvolvendo através da resistência armada aos colonizadores. O partido comunista desde então tinha participação destacada na vida nacional e influiu diretamente na vitória contra os holandeses. Mesmo tendo sofrido brutalmente em 1948 o partido recompõe-se e galgou posições importantes na vida política nacional. Participou com justeza da frente Nasakom, em torno do democrata-nacionalista Sukarno, que presidia o país. Mas não teve acuidade suficiente para perceber os limites da democracia burguesa, o furor da ofensiva norte-americana, o caráter instável do poder da Nasakom, e preparar as massas populares para um enfrentamento radical com o inimigo, que viria necessariamente. O resultado disto todos conhecem – em 1965-66 a ditadura militar implantada através de sangrento golpe de Estado assassinou mais de 500 mil comunistas e milhares de outros democratas.

Parece que o busílis desta questão é compreender, dentro da ótica marxista-leninista, o papel e o lugar do movimento de libertação nacional na época do imperialismo. Na época pré-monopolista era natural que a luta pela independência fosse dirigida pela burguesia e tivesse essencialmente um caráter burguês, por suas tarefas e seus objetivos. Tinha como único escopo a formação dos Estados nacionais sem profundas alterações nas relações de classes internas. Mas na época do imperialismo, das revoluções proletárias, do triunfo do socialismo em escala mundial, o movimento de libertação nacional é, via de regra, aliado e reserva direta da revolução mundial e do proletariado, uma das vertentes básicas dessa revolução. Assim, os movimentos de libertação nacional, para jogar um efetivo papel progressista, carecem de outra composição de forças e outra direção. Nas mãos da burguesia ou da pequena-burguesia eles não têm maior consequência. Que o digam, além das experiência citadas, a revolução iraniana de 1979, as guerras da Indochina – Vietnã,Camboja e Laos – e, um pouco mais atrás as lutas pela descolonização da África, desde a Argélia e o Congo de Patrice Lumumba até as recentes guerras anticoloniais, em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O que garantiria um desfecho dos movimentos de libertação nacional no rumo da revolução socialista seria a solidez do campo socialista e a direção do partido comunista nas frentes de libertação nacional. Leve-se isto em conta ao pesar os efeitos da traição revisionista para a revolução mundial!

O mesmo desnorteamento e a mesma falta de direção proletária se verificam nas lutas grevistas do operariado e nos levantes de massas com caráter radical nos países da Europa. O movimento grevista, ainda hoje, está impregnado de reformismo e economicismo, enquanto que movimentos de outra natureza, como o de maio de 1968, na França, não chegaram a formular com clareza perspectivas revolucionárias. O espírito generoso da juventude nas barricadas se diluiu numa amorfa e inconsequente pregação anarquista – outro traço da pequena burguesia.

Como os marxistas-leninistas se colocam diante desse quadro? À primeira vista, a avaliação de que vivemos ainda um período histórico cinzento, pontilhado de reveses, ziguezagues e interrupções no movimento revolucionário poderia conduzir quem faz uma leitura unilateral e superficial da realidade a corroborar os defensores da tese de que "o marxismo acabou", "a era das revoluções passou", de que o proletariado não mais se encontra no centro de nossa época como classe de vanguarda e de que o socialismo não é mais o porto seguro onde aportará a nau dos acontecimentos em curso.

Na verdade, a revolução não caminha em linha reta. "Não há presentemente ascenso revolucionário. Vive-se um período de descenso que vem desde os retrocessos verificados na URSS e China. Não ocorrem poderosas ações revolucionárias em confronto com o regime da burguesia. Acumulam-se, porém, fortes elementos da crise revolucionária que podem, em diferentes países, transformar-se em verdadeiro ascenso da revolução. Objetivamente amadurecem condições favoráveis à eclosão de lutas revolucionárias", diz João Amazonas no documento apresentado ao 7° Congresso do Partido Comunista do Brasil, de maio de 1988.

“O pós-guerra trouxe nova correlação de forças favorável à luta de libertação”.

A revolução, com efeito, se insinua, abre caminho, assoma em toda parte. Muitas vezes espontaneamente, sob a forma de revoltas incontroláveis e desorganizadas, caminhando por fluxos e refluxos, ainda sem direção clara, porquanto permanece o desnorteamento político-ideológico causado pelo revisionismo. Mas ainda assim caminhando.

Filipinas, Haiti, Coréia do Sul, Venezuela, Argentina, a retomada da luta de massas no Chile, a luta política no Brasil e tantos outros episódios recentes, tão recentes que ainda em curso, são evidentes sinais de uma situação explosiva. O decadente mundo burguês dá sobejas provas de não mais poder atender às demandas dos povos e mostras de incapacidade política para gerir e solucionar a contento os conflitos emanados de sua crise. A questão nacional, expressa na insolvência de um sem-número de nações dependentes, é fator de ebulição permanente nos "quintais" do imperialismo. O agravamento dos problemas econômicos e financeiros leva objetivamente o proletariado à luta grevista.

A política armamentista das potências imperialistas, que tentam disfarçar, gera gigantescas manifestações pela paz. A deterioração da vida no Planeta faz surgir com força a luta popular pela preservação ambiental.

O processo político em curso no Brasil deve também ser alvo de reflexão. Aqui se acumulam aceleradamente os fatores revolucionários, aparentes na deterioração da vida nacional e numa instabilidade política que tende a se acentuar na sucessão presidencial deste ano. Do lado das forças progressistas e revolucionárias vive-se experiência nova, de busca da unidade política no âmbito de uma frente única que pode evoluir e tomar forma e conteúdo de uma organização com objetivos mais amplos.

Nos últimos anos a classe operária elevou sua consciência política e realizou grande aprendizado. Conta com um considerável patrimônio de experiência e, em meio também a muita confusão ideológica, pressão burguesa e pequeno-burguesa, educa-se como classe de vanguarda. No âmbito de um vasto movimento democrático, popular e progressista, a pequena-burguesia hasteia as suas bandeiras e engrossa o caudal do movimento revolucionário em gestação. O posicionamento do PT, partido que abriga correntes variadas de pensamento, expressa esta posição intermediária e sua tentativa de hegemonizar o processo.

Fator novo na conjuntura atual é o surgimento de movimentações de massas contra a política dos governos revisionistas, sobretudo na URSS, China e Iugoslávia. Isto ocorreria mais cedo ou mais tarde. Tal é a intensidade das medidas capitalistas tomadas nesses e em outros países revisionistas, que já se pronunciam os sinais de crise econômica e social. As chagas vão aparecendo com toda a sua podridão e se entrelaçam com questões tão delicadas, como os conflitos étnicos, que levaram a URSS e a Iugoslávia a uma quase conflagração e a falta de liberdades.

Na China assistimos agora a um vendaval, uma revolta popular de dimensões inauditas. Um povo inteiro bradando, através de sua mais bela flor, a juventude estudantil, que não quer mais viver sob o mandarinato travestido de socialismo. Ali tem lugar um desses processos espontâneos que, num crescendo, quase se transforma em insurreição. E, sinal dos tempos, recebe a furiosa reação da casta revisionista dominante, que reprimiu a massa nas ruas com métodos de fazer inveja aos piores verdugos que a humanidade já conheceu.

Não está descartado que a retomada do processo da revolução mundial se dê através de comoções desse tipo nos grandes países revisionistas – URSS e China. Mais uma vez aparece nesses movimentos muita confusão política e ideológica, falta de rumos, interferência das potências capitalistas ocidentais, exploração da reação burguesa. Mas, vale insistir, isto faz parte do fenômeno que estamos analisando. O importante é ter presente que duma situação aparentemente confusa pode surgir a força que lhe dê clareza, norte e consequência.

“O revisionismo freou a luta revolucionária, semeou a confusão e cindiu as fileiras proletárias”.

Aqui temos a ver com o fator subjetivo da revolução, com a formação da consciência e da capacidade de organização das massas e da sua vanguarda – o partido comunista. Num quadro como este reveste-se de muita importância o fortalecimento político, teórico, ideológico e organizativo do movimento comunista, a luta ideológica sem tréguas em defesa do marxismo-leninismo contra todas as formas de oportunismo e a busca dos melhores meios e formas para abordar a revolução. Embora seja longo o caminho a percorrer, grandes avanços foram dados nessa direção. Com o tempo ocorreu a diferenciação de forças no movimento operário e o movimento marxista-leninista ressurgiu. Novos partidos foram criados em diferentes países, crescem e se fortalecem, procuram formas de intervir mais a fundo na vida política, ligar-se às massas, promover a união do povo, organizá-lo e mobilizá-lo na luta usando as formas compatíveis com o grau de consciência das massas, adquirido no aprendizado prático.

“Vivemos a mesma época histórica apontada por Lênin, a época da crise geral do capitalismo”.

Na Albânia, apesar do cerco imperialista-revisionista, o socialismo avança, constituindo importante fator de estímulo à luta dos povos.

Embora pronunciadas em situação diferente, essas palavras de Lênin no 2° Congresso da Internacional Comunista (1920) são de grande valia para o atual movimento marxista-leninista:
"Chegamos agora à questão da crise revolucionária como base da nossa ação revolucionária. Aqui é necessário, antes de tudo, fazer notar dois erros muito correntes. De uma parte, os economistas burgueses apresentam esta crise como uma simples 'inquietação', segundo a elegante expressão dos ingleses. De outra, os revolucionários tratam às vezes de demonstrar que a crise não tem nenhuma saída. Isto é um erro. Não existem situações absolutamente sem saída. A burguesia se comporta como uma fera raivosa e que perdeu a cabeça; comete uma loucura após outra agravando a situação, acelerando sua catástrofe. Tudo isso é certo. Mas não pode 'provar-se' que esteja descartada em absoluto a possibilidade de que adormeça uma certa minoria de explorados, mediante algumas concessões de pouca monta, de que reprima tal ou qual movimento ou insurreição de tal ou qual parcela dos oprimidos e explorados. Tentar "provar" por antecipação a falta "absoluta" de saída seria um pedantismo oco ou um jogo de conceitos e palavras. A verdadeira "prova", nesta e noutras questões semelhantes, pode ser tão só a prática. O regime burguês atravessa no mundo inteiro a maior crise revolucionária. Os partidos revolucionários devem "provar" agora com seu trabalho prático que possuem suficiente consciência, organização, vínculos com as massas exploradas, decisão e capacidade para aproveitar esta crise para uma revolução triunfante.

Como vimos, o impacto provocado pelo revisionismo sobre o movimento revolucionário teve o efeito de um petardo. Mas a realidade indica que a derrota histórica do proletariado é fenômeno passageiro. Evidentemente não se pode medir a duração dessa derrota em termos de tempo, mas historicamente se pode avaliar que há sinais de que esse período vai sendo vencido. Os revisionistas se jactam do "prestígio" da perestroika. Não se pode, positivamente, subestimar sua influência.

Mas seu desgaste e fraqueza intrínseca são bem maiores do que mostram as aparências. O desenvolvimento criador do marxismo-leninismo, atendo-se aos seus princípios básicos, sem dogmatismo, que vem sendo operado por vários partidos marxistas-leninistas, revela que a doutrina científica do proletariado, longe de estar caduca e superada, está viva e jovem. E que muito antes que possam esperar a burguesia e os revisionistas no poder, nova onda revolucionária, de caráter proletário, inundará todo o Planeta.

* José Reinaldo Carvalho, editor da Princípios.

EDIÇÃO 17, JUNHO, 1989, PÁGINAS 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22