A Amazônia Legal, enquanto região geopolítica no Brasil, foi criada em janeiro de 1953, pela Lei 1803, junto com a criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVA).
Esta "Região Especial" abrange nada mais que 58,4% do território nacional. Inclui os estados de Amazonas, Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá, Tocantins e quase 2/3 do Maranhão. Corresponde a uma superfície de quase 5 milhões Km2, algo como o 7º país do mundo em extensão. A Amazônia Legal brasileira compreende cerca de 77% da Amazônia Continental ou Internacional, que abrange, por sua vez, Suriname, Guiana Francesa, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, num total de 6,5 milhões de km2.

Na verdade, a criação da Amazônia Legal e do SPVA, em 1953, correspondeu a uma regulamentação tardia do Artigo 199 da Constituição Federal de 1946, que criou o "Plano de Valorização da Amazônia". Isso se deu no governo do marechal Dutra, dentro de uma visão desenvolvimentista do Brasil, no clima mundial de "Guerra Fria" do pós-Guerra (1945), onde a máxima "do que não se entregar aos EUA, entregar-se-á à União Soviética" ganhava terreno nos altos escalões militares. Era já o Brasil integrado política e economicamente ao cerco do crescente "Bloco Socialista" após a derrota dos fascistas e nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Foi através destas medidas legais que se armou a primeira grande intervenção política e econômica na Amazônia, após o 2º Ciclo da Borracha (1942-1946) e que durou até o golpe militar de 1964. Neste período se construíram a Belém-Brasília e a Cuiabá-Porto Velho, que ligaram a Amazônia ao Planalto Central e ao Centro Sul, verdadeiras veias abertas para a ocupação que se sucedeu com extrema violência durante os 21 anos de ditadura militar (1964-1985).

Novo ciclo iniciou-se com a ditadura do marechal Castelo Branco. Neste período teve início a instalação de enormes projetos mineradores, agropecuários, siderúrgicos, hidrelétricos e madeireiros na Amazônia. Houve uma ocupação brutal da fronteira econômica, toda ela incentivada e orientada, de forma geral, por interesses antinacionais, concentradores de riquezas e de terras, de fundo antidemocrático e impopular. Tudo isso não poderia deixar de ser também antiecológico, ocasionando a destruição das culturas e das próprias nações indígenas. Os financiamentos externos, como os do Banco Mundial, foram determinantes para que isto ocorresse.

Estes fatos, quando tornados públicos, levantaram, no país e no mundo, a preocupação com os destinos da floresta, dos minérios, dos índios, dos castanheiros, agricultores etc. Preocupações nem sempre sinceras, muitas vezes sensacionalistas, acobertadas por pseudo-ecologismo, a fim de disfarçar interesses econômicos e políticos colonialistas de poderosas multinacionais ou dos banqueiros do Banco Mundial, de capitais japoneses e do FMI.

O Brasil destaca-se, entre os países do mundo, por sua enorme potencialidade em minérios, matéria-prima básica para o desenvolvimento industrial. Dados abaixo dão uma dimensão da posição do Brasil em relação ao mundo (1988).

Minério de ferro – primeiro produtor e exportador do mundo ocidental, 5ª reserva mundial.
Nióbio – primeiro produtor e exportador do mundo ocidental, 1 ª reserva mundial.
Quartzo – primeiro produtor mundial, 1ª reserva mundial.
Estanho – segundo produtor e exportador mundial, 4ª reserva mundial.
Manganês – terceiro produtor mundial, 5ª reserva mundial.
Tantalita – terceiro produtor mundial.
Alumínio – sétimo produtor e quarto exportador do mundo ocidental, além de terceiro produtor mundial de bauxita e importante exportador, 3ª reserva mundial.
Lítio e Vermiculita – 3ª reserva mundial.
Barita – 2ª reserva mundial.
Magnesita – 4ª reserva mundial.
Níquel – 5ª reserva mundial.
Aço – quinto produtor do mundo ocidental, sétimo produtor mundial.
Ouro – quinto produtor do mundo ocidental.
Ferro-ligas – participação importante e crescente na produção mundial.

A partir destes dados podemos destacar a participação da Amazônia nas reservas e na produção mineral brasileira. É preciso salientar que o potencial mineral da Amazônia ainda é pouco conhecido dada a vastidão de seu território, às dificuldades de acesso e ao investimento ainda reduzido em pesquisas realizadas pelo governo. Hoje seu potencial é mais conhecido na Amazônia Oriental (Projeto Grande Carajás).

A região abriga um tesouro incalculável de minérios estratégicos

Apesar disso, podemos dizer que na Amazônia temos:
Minérios de ferro – Carajás-PA – a maior reserva de minério alto teor 66% do mundo. Representa 35,7% das reservas nacionais.
Alumínio – as reservas já estudadas chegam a mais de 15% das reservas mundiais. Representa cerca de 100% das reservas nacionais.
Manganês – as reservas do Pará e do Amapá representam 28% das reservas nacionais. A jazida do Azul (Carajás-PA) é a segunda maior reserva do Brasil.
Cobre – as ocorrências até agora dimensionadas representam 83% das reservas brasileiras. O Brasil é dependente deste minério. É um dos maiores compradores do concentrado de cobre. Importa quase metade do que necessita. As ocorrências em Carajás-PA associam-se a ouro, prata e molibdênio.
Níquel – representa 40% das reservas brasileiras.

Isso além de destacadas ocorrências minerais fundamentais para a economia e soberania nacional, como ouro, estanho, zinco, tungstênio, cromo, calcário, quartzo etc. Minerais como tungstênio e quartzo têm papel decisivo na indústria e tecnologia "de ponta" dos computadores.

Oficialmente sabe-se que 19% do território nacional estão reservados para as mineradoras. São 1.624.555 km2 equivalentes a 2 vezes a região Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) ou à soma das superfícies de Alemanha, França, Inglaterra, Espanha e Portugal. Deste "bolo" os grupos econômicos detêm 65% ou 11.053.402 km2 das áreas reservadas que, por sua vez, são divididas da seguinte forma:

– 400.292 km2 – grupos estrangeiros (24,6% das áreas reservadas);
– 368.690 km2 – grupos privados nacionais (22,5% das áreas reservadas);
– 239.419 km2 – grupos estatais (17,6% das áreas reservadas).

Só os estrangeiros têm uma área bem superior à superfície dos estados de Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo somados. Destacamos o caso da multinacional British Petroleum (BP), a maior
empresa do Reino Unido, que detinha, até 14 de outubro de 1986, 192.958 km2 sob seu domínio, área tão grande quanto a Inglaterra.

A BP, associada à Brascan, detém o controle sobre 4.641 áreas, através de várias empresas com nomes indígenas, de Santos e Santas.

Seguem-se a Anglo American/Bozzano Simonsen, a Arbed/Broken Hill etc. Dos grupos nacionais destacam-se a Paranapanema e o grupo Monteiro Aranha.

Os estrangeiros controlam superfície maior do que o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, e São Paulo juntos

Na verdade, o capital estrangeiro detém muito mais porque ele também é acionista minoritário dos "grupos privados nacionais" e também de grupos estatais. É o caso da Minas da Serra Geral S/A: a Companhia Vale do Rio Doce detém 51% das ações, enquanto a empresa japonesa liderada pela Kawasaki Steel detém 49%. Ou ainda a Icomi (Grupo Caemi e a Bethelheim Steel Co.).

Na Amazônia Legal, a área reservada geral representa 25% (1/4) da sua superfície! Com destaque para Amapá, com 57% do seu território reservado; Rondônia, com 57%; Pará, com 39%; e Roraima, com 35%. As áreas reservadas na Amazônia Legal representam 82% das áreas reservadas no Brasil! O que demonstra claramente a sua importância estratégica no setor mineral brasileiro e explica a corrida às minas na Amazônia, principalmente dos grandes grupos econômicos estrangeiros.

Exemplos não faltam. As jazidas de níquel são controladas pela multinacional Inco no Vale do Rio Xingu; as de manganês e cromo são exploradas pela Icomi Associação do grupo Azevedo Antunes com Bethelheim Skel Co. no Amapá. Semelhante é a situação da empresa japonesa Yurio Yoshidome com o ouro do Amapá, ou ainda no Vale dos Tapajós (PA), a exploração de ouro feita pela multinacional Best em associação com grupos nacionais. Das estrangeiras, citamos, ainda, Alcoa e Reynolds, detentoras das enormes reservas de bauxita no Rio Trombetas.

A Amazônia Continental é responsável por 20% da disponibilidade mundial de água doce.
Dados da Eletrobrás estimaram o potencial hidrelétrico brasileiro em torno de 213 milhões de KW. Potencial este já bastante explorado nas regiões Sul/Sudeste e pouco desenvolvido nas regiões Centro-Oeste e Norte. Hoje os grandes projetos hidrelétricos situam-se, em sua maioria, nas bacias dos rios Paraná, Uruguai e do São Francisco.

Desses 213 milhões de KW, pelo menos 40% situam-se nos Vales Amazônicos e do Araguaia-Tocantins, o equivalente a 86 milhões de KW.

O potencial hidrelétrico instalado em 1988 no Brasil era de cerca de 45 milhões de KW. Só através de 18 barragens no Araguaia e Tocantins se chegaria a mais de 20 milhões de KW até 2000. O aproveitamento do potencial hidrelétrico do Rio Xingu, através de 5 usinas instaladas em Cararaô, Babaquara, Ipixuna, Kokraimoso, no próprio rio Xingu, e uma no rio Iriri, seu principal afluente, pode gerar 22 milhões de KW. O fato tem levado o governo e a Eletronorte a tentarem viabilizar a qualquer custo estes projetos tecnocráticos. A exploração destas duas bacias (Araguaia Tocantins e Xingu) poderá representar 100% de acréscimo na geração de energia no país.

Estes planos fazem parte do Projeto 2010 da Eletrobrás, que prevê a exportação de energia hidrelétrica do Norte para cobrir "déficits" do Sudeste e Nordeste, estimados respectivamente, em 24,5 e 5,9 milhões de KW. A Amazônia Legal consumiria apenas 16% do que seria produzido.
O Projeto 2010, criticado e rejeitado por técnicos progressistas e movimentos sociais sob os mais diversos aspectos, pretende construir nada mais nada menos que 79 hidrelétricas na Amazônia Legal. Pretende, assim, aproveitar o potencial de 86 milhões de KW, inundando a Amazônia.
Pelo Projeto 2010, serão construídas 7 barragens no Vale do Rio Negro, 13 no Vale do Rio Madeira, 7 no Vale do Rio Tapajós, 6 no Vale do Rio Xingu, 23 nos afluentes da margem esquerda do Baixo Amazonas, 5 na margem esquerda do estuário do Rio Amazonas e 18 no Vale dos Rios Araguaia e Tocantins. Isto ocasionará mudança brutal no regime das águas da Grande Amazônia e inundará dezenas de milhares de km2 de terras e matas ainda desconhecidas. Inundará inúmeras reservas indígenas e minerais, enfim, alterará em muito toda a região, com consequências sociais, econômicas e ecológicas imprevisíveis.

Balbina foi uma das hidrelétricas projetadas para a margem esquerda do Baixo Amazonas, precisamente no rio Uatumã, no estado do Amazonas. Esta hidrelétrica serve de exemplo do que poderá ocorrer com outras hidrelétricas do Plano 2010 e exatamente do que não deve ser uma usina hidrelétrica na Amazônia. Em resumo, a Hidrelétrica de Balbina tomou mais de 311 km2 de terras indígenas e criou inúmeros problemas para os índios Waimiri/ Atroari e outras aldeias. Inundou uma enorme área de 2.360 km2, de matas cujo potencial madeireiro não foi aproveitado, e está levando à morte (por desoxigenação) o lago e acidificando suas águas, com sérios prejuízos ecológicos à montante e à jusante do Rio Uatumã por pelo menos 10 anos, até que se decomponha toda a matéria orgânica submersa. Isto implicará ainda uma enorme corrosão das turbinas e equipamentos assim como impedirá o aproveitamento econômico deste imenso lago. Finalmente, a relação entre o custo da barragem e o potencial hidrelétrico criado é dos mais desvantajosos e dos mais caros do país. Não faltou, porém, quem protestasse contra esta aberração política, econômica e ecológica antes que ela acontecesse.

40% do potencial de energia hidrelétrica do Brasil estão na Amazônia

Estes projetos, e as opções energéticas colocadas para a Amazônia como o carvão vegetal, estão ligados aos Projetos Minero-Siderúrgicos que lá querem instalar-se na busca insaciável das multinacionais por energia barata e minério farto. É o caso da Hidrelétrica de Tucuruí e o fornecimento de energia subsidiada à Alumar (MA) e ao Complexo Albrás/Alunor (PA).

Isto fica claro quando se compara o mapa das ocorrências minerais na Amazônia com a proposta de localização das hidrelétricas. Tanta energia produzida nessas regiões longínquas e com tanta pressa pelo Projeto 2010 só se explica pela intenção de atender à formação de amplos complexos internacionais minero-siderúrgicos à beira dos rios amazônicos, visando à exportação. Isso implicará enormes impactos ambientais, econômicos e sociais, agravando a nossa dependência.

Outro capítulo da questão energética na Amazônia é a da privatização no setor. Já existe proposta por parte da multinacional Alumar (Alcoa/Shell e Alcan) em construir, para uso próprio e exclusivo, uma hidrelétrica de médio porte no Rio Tocantins. O local é a Serra Quebrada, a 15 km rio acima da cidade de Imperatriz. Recentemente, o então candidato a governador pelo PFL, Edson Lobão – hoje governador eleito –, tratou da questão pessoalmente junto ao presidente Collor.

A privatização das Usinas Hidrelétricas, e ainda por multinacionais, é mais um grave atentado contra a soberania nacional, e seu uso privativo uma aberração colonialista! O Tocantins é propriedade de todo o povo brasileiro, assim como a energia e as riquezas que pode gerar. O domínio deste por enclaves internacionais abrirá precedente para iniciativas mais arrojadas em todo o Brasil e no Projeto 2010. É preciso que o movimento popular e democrático enfrente esta questão, pois se depender do governo Collor, incentivos não faltarão, como no caso da energia de Tucuruí, mantida para a própria Alumar, e retirada dos demais projetos.

O ambiente ecológico é bastante diversificado na Amazônia Legal. As formações geológicas de diversas eras e períodos, influenciados pela ação do clima, resultaram na formação de solos e de vegetação bastante diferenciada.

Encontram-se solos de alta e baixa fertilidade, arenosos e argilosos, ácidos e alcalinos, rasos e profundos, alagados e em situação de extrema escassez de água. Correspondentemente encontram-se formações vegetais que variam de florestas densas, passando por manguezais e restingas, campos, babaçuais até cerrados e caatingas.

Predominam (mais de 60%) solos ácidos e de baixa fertilidade, que necessitam manejo tecnológico de médio a alto para sua correta utilização agropecuária. Ocorrem em baixa porcentagem, em não mais que 5% da região, os solos de alta fertilidade, em manchas ou nos aluviões ricos da Bacia Amazônica.
Analogamente, as florestas ocupam mais de 65% da região, com pelo menos 14 formações diferentes, onde variam a densidade, a altura e a ocorrência das espécies vegetais. Seguem-se os cerrados, campos cerrados e parques em cerca de 20% da região e, por fim, os babaçuais e formações pioneiras no restante.

A região Amazônica é, sem dúvida, o mais rico e denso potencial genético concentrado, tanto animal como vegetal, de que dispõe a humanidade. Sua ocupação, no entanto, foi, e é, anacrônica. Foi definida pelos interesses econômicos e políticos dos monopólios e as contradições foram criadas pela exploração do povo e do meio ambiente. Tal ocupação teve origem nas margens das rodovias e dos grandes rios.

Deparam-se as nações indígenas, os seringueiros e castanheiros, a enorme massa de migrantes nordestinos, incentivada pelos governos militares, e ainda os remediados colonos gaúchos, com a ocupação violenta dos enormes latifúndios, incentivados e financiados generosamente pelos governos federal e estaduais, e que acabaram por dominar também a Amazônia.

O resultado das políticas pró-latifúndio destes governos pode ser traduzido pelos dados sobre concentração de terras no Pará e no Maranhão, estados de ocupação mais antiga na Amazônia. Infelizmente, não será diferente, na essência, a situação de Rondônia, Acre, Roraima, Mato Grosso e do Tocantins, e do que poderá vir a ocorrer no Amazonas.

No Pará, as terras com 1.000 a 20.000 ha ou mais, ocupam 26% da área de terras cadastradas no Incra (dado de 1988), representando cerca de 41 milhões de hectares. Por outro lado, as terras de até 100 ha, que representam 60% dos imóveis, ocupam apenas 8% das terras cadastradas, ou seja, 3 milhões e 670 mil hectares. Com isto os trabalhadores rurais sem terra chegam a mais de 400 mil.
Dos 122.753.000 ha da superfície terrestre paraense, 15% estão requisitados por instituições oficiais da seguinte forma: 6.909.107,9188 ha para as Forças Armadas como campos de provas e "uso especial" (5,54%); 2.873.000,00 ha para as possíveis Usinas Hidrelétricas – fora mais 23 projetadas e sem cálculo da área de inundação (2,23%); 810.948,87 ha – reservados pela CVRD (Cia Vale do Rio Doce) para mineração (0,65%); 550.000,00 ha – de interesse econômico do estado do Pará (Gleba Ampulheta) (0,44%); 7.322.444,00 ha, como misto de reserva da Natureza e Reserva Indígena (5,87%) (dados do Idesp – Pará Agrário – Especial).

Já o livro Quem Controla o Subsolo Brasileiro, de Francisco Rego Chaves Fernandes, dá corno reservado do subsolo paraense 39%, incluindo as áreas de mineração da CVRD. Esta situação nos indica com clareza a disputa feroz pelo subsolo e solo paraense, palco de graves conflitos.
No Maranhão, a situação não difere, é apenas mais acentuada. O latifúndio ocupa, através das áreas acima de 500 ha quase 70% da área cadastrada, enquanto as áreas abaixo de 100 ha ocupam somente 8% das terras. As terras classificadas como latifúndio pelo Incra ocupam 87% da área cadastrada.

A Reserva Biológica do Gurupi está totalmente ocupada por latifundiários e grileiros. Tem até um grande projeto da Sudam de 90.000 hectares. Todas as reservas indígenas do estado apresentam conflitos agrários.

Os dados de conflitos pela posse da terra destacam por si a situação da Amazônia diante do restante do país. Em 1988, ocorreram na Amazônia Legal 247 conflitos agrários, envolvendo 18,3 milhões de hectares e 128.503 pessoas, e resultaram em 63 assassinatos, entre sindicalistas, trabalhadores rurais, índios e pessoas que apoiavam os trabalhadores, como no caso do deputado estadual do PSB (PA) João Carlos Batista e ainda o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Chico Mendes.

Ocorreram centenas de agressões físicas, ameaças de morte, prisões arbitrárias, tentativas de assassinatos, sequestros e outros. Isto corresponde a 40% dos conflitos agrários do país. E quase 70% dos assassinatos são por conflitos, demonstrando a intensidade da luta.

É grande a violência do latifúndio, da famigerada UDR e dos grandes grupos econômicos que trucidaram milhares de líderes camponeses, seringueiros, índios, assalariados, sindicalistas e líderes populares cono Gringo, padre Jósimo, Nonatinho, Zé Machado, o ex-deputado e dirigente do PCdoB, Paulo Fonteles, Benezinho, Chico Mendes, João Canuto e seus filhos. Ameaçam tantos quantos se levantam contra a prepotência, a exploração, a violência, e lutam por liberdade e justiça. É a lei da selva capitalista.

A violência do latifúndio e dos monopólios não pára por aí, a sua voracidade pelo lucro fácil atinge em cheio o meio ambiente com verdadeiros desastres ecológicos. São milhares de hectares derrubados e queimados anualmente. Obriga ainda a que milhões de seres humanos, trabalhadores rurais considerados verdadeiros párias da sociedade, também não atentem para o problema do meio ambiente muito em função de sua ignorância e da desesperada luta pela sobrevivência diária a que estão submetidos.

A imensa floresta tão exuberante, complexa e rica quanto desconhecida, é tratada nos milhares de projetos dos governos estadual e federal e dos grandes grupos econômicos como matéria-prima para indústria madeireira, para o fabrico do carvão e até mesmo como sério entrave para constituição de pastagens, hidrelétricas e projetos de mineração.

Em geral são as fracas pastagens que vêm substituindo a floresta Amazônica. Os impactos sobre a floresta aumentaram dramaticamente após os anos 1980, fruto das rodovias e infinidades de projetos. Só para a siderurgia do ferro-gusa estima-se a derrubada de 900 km2 a 2.000 km2 por ano de florestas tropicais.

Forte polêmica entre técnicos do INPE e o pesquisador e consultor do Banco Mundial-Phillip Feamside, travada em 1988, quanto ao total já devastado da Amazônia, demonstra a gravidade da situação. O INPE calculou em 251.429 km2, ou seja, apenas 5,1% da Amazônia Legal, e mais 92.546 km2 de desmatamentos antigos no Maranhão e Pará. Já o pesquisador estimou em 600.000 km2 a área total desmatada no final de 1987, ou seja, 12% da Amazônia Legal. A polêmica ficou na discussão se o desmatamento foi do tamanho de Minas Gerais (587.172 km2) ou se do tamanho do Maranhão (328.663 km2) ou, ainda, duas vezes o tamanho do Ceará. Cientistas conceituados e antigos pesquisadores da Amazônia como Anthony B. Anderson têm preferido ficar com as estimativas de Feamside por julgarem-nas mais corretas. Do que não se duvida é que os desmatamentos e queimadas continuam ocorrendo aceleradamente e que desastres ecológicos de maiores proporções são esperados.

É preciso ainda avaliar, e não há dados sobre isso, o assoreamento dos inúmeros igarapés e rios da Amazônia, causado pelo desmatamento e pela criminosa ação da garimpagem do ouro. Esta, além de destruir o leito dos rios, já lançou cerca de 250 toneladas de mercúrio só no Rio Tapajós. A destruição, portanto, atinge todo o meio ambiente, vai desde a poluição dos rios, a destruição das matas, até a extinção de inúmeras espécies animais e vegetais, com graves resultados econômicos e sociais.
A estratificação social tem aumentado, é enorme a discrepância de renda. Os estados da Amazônia, outrora auto-suficientes em alimentos básicos, passam a importar de outros estados arroz, milho, feijão, farinha, frutas, verduras, além dos produtos industrializados de amplo consumo. Por outro lado, passam a exportar carne, pimenta do reino, dendê, castanhas e os produtos do extrativismo florestal e mineral.

O mais rico e denso potencial genético, animal e vegetal de todo o mundo

As economias vão se moldando aos interesses de exportação dos grandes grupos econômicos e dos países ricos, instalam-se complexas indústrias siderúrgicas para exportação de alumínio, manganês, ferro-liga, ferro-gusa, sem a preocupação com a diversificação do parque industrial interno, e um desenvolvimento industrial equilibrado. A lei é exportar tudo que puder com o menor custo imediato possível e importar o máximo que puder. É a lógica do lucro máximo para os monopólios.

A natureza deste processo de ordem sócio-econômica é fundamentalmente política. É angustiante ver como já em fins do século XX, ainda persiste tamanha bestialidade, e como se multiplicam os crimes de lesa-humanidade. Como se recria, fruto desta desenfreada corrida em busca do lucro, apoiado nos governos estadual e nacional, cenas da miséria social do século passado como a violência da UDR e dos latifundiários, como o trabalho semi-escravo nas fazendas e nos garimpos, como o extermínio das Nações Indígenas, como a proliferação da lepra, da tuberculose, da esquistossomose, das verminoses matando milhares de crianças por ano. Situação acompanhada pela destruição ambiental, degradação da qualidade de vida da população, e pelo crescente analfabetismo nestas regiões.

Os caminhos que este tumultuado e sofrido processo de desenvolvimento econômico tem colocado para a Amazônia e para o Brasil levam a um só lugar: a internacionalização da nossa economia. Ou seja, a uma crescente submissão da nação brasileira, dos seus recursos econômicos e naturais, aos interesses dos países imperialistas, das sete nações ricas do mundo. Submissão efetivada por extorsivas e ilegítimas dívidas externas, pelo comércio desigual, pela ingerência política nos assuntos internos, pelo direcionamento da nossa economia para exportação de produtos necessários aos países ricos, e finalmente pela força militar, pela repressão brutal direta e indireta ao povo brasileiro.

A estratégia da dominação do Brasil pelos monopólios internacionais é apoiada pelos monopólios Tupiniquins, pelos latifundiários, sob a guarda e a participação direta das forças armadas brasileiras, que adotaram a doutrina da CIA e Pentágono (EUA): "doutrina da integração e segurança nacional", através de um dos seus expoentes máximos, o general golpista Golbery R. do Couto e Silva. Forças Armadas que formam hoje a verdadeira casta, oligarquia militar encravada no Estado brasileiro como "tutora da nação".

Relacionados a esta ocupação da Amazônia, desenvolveram-se os seguintes projetos:
– Projeto Jari
– Projeto Calha Norte (militar)
– Projeto Proffao – Calha Sul (militar)
– Projeto Grande Carajás
– Estrada de Ferro Norte/Sul
– Projeto Jica (Cerrados do Centro-Oeste)

Todos apoiados direta ou indiretamente pelos órgãos oficiais como Sudam, Sudene, Polamazônia, Polocentroeste, Polonordeste, Funai, IBDF, Incra etc, com participação direta do Banco Mundial, do Banco Inter-americano de Desenvolvimento, e do financiamento dos Bancos Japoneses.

Estes grandes projetos e programas são voltados para assegurar a exploração das riquezas minerais florestais, a produção agropecuária e os recursos energéticos da Amazônia, visando ao mercado internacional e formando um verdadeiro cinturão ao redor da Amazônia Brasileira.

O Calha Norte e o Calha Sul colocam-se sob administração de generais ligados ao Estado Maior das Forças Armadas, acima dos governos estaduais; são na prática novos e imensos estados criados, acompanhando as fronteiras amazônicas. O "estado" do Calha Norte tem 1 milhão e 200 mil km2, representa 24% da Amazônia Legal e 14% do Brasil. O "estado" do Calha Sul tem 550.000 km2, equivale a 3,7 vezes a superfície do Ceará, ou da Bahia. Cabe aos generais-governadores biônicos, além da "segurança nacional", a promoção da "integração desse espaço geo-econômico na fronteira do país" ao conjunto da economia nacional. E não é por menos que sob a guarda militar se reproduzem as dizimações das nações indígenas, o saque mineral e madeireiro, o contrabando do ouro, a dominação e a violência do latifúndio. A novidade hoje é a presença cada vez maior dos narcotraficantes da cocaína. O Projeto Jari, hoje pseudo-nacionalizado, o Programa Grande Carajás, a Ferrovia Norte-Sul e o Projeto Jica têm ou, tiveram, como argumento maior para sua realização, a necessidade de efetivar o pagamento da dívida externa, de se integrar a economia nacional à égide do "desenvolvimentismo". Todos eles caminham, ao contrário, para o aumento da nossa dependência externa com milionários empréstimos e o comprometimento ainda maior da nossa soberania.

As perspectivas para a Amazônia, nos planos entreguistas e na política de traços fascistas do presidente Fernando Collor de Mello, é do aprofundamento acelerado da sua internacionalização. É a entrega acelerada às multinacionais. É colocá-la como quintal dos EUA e do Japão, exportando tudo que puder das suas enormes riquezas.

Atitudes do ator-presidente Collor de Mello:
– Reafirmação da ostensiva e crescente presença militar na Amazônia. Todo apoio ao Calha Norte e Calha Sul.
– Reafirmação dos subsídios para as multinacionais como a Alumar e corte aos subsídios dos projetos agropecuários financiados pela Sudam – atendendo pedido do Banco Mundial. Os 620 projetos comeram 800 milhões de dólares e só 12% deles vingaram. O Banco Mundial financiou a criação destes latifúndios e agora quer redirecionar seus investimentos.
– Extinção da política do governo Sarney de criação das Zonas de Processamento de Exportações (ZPE). Achou-a sem propósito, tímida demais para quem quer fazer da Amazônia toda e do Brasil uma só ZPE, como Cingapura, Coréia do Sul, Tailândia e outros.
– Corte de verbas e funcionários das Universidades Federais, notadamente para pesquisa. Ataque direto aos programas e projetos que procuravam melhor conhecer o meio ambiente e as questões sociais na Amazônia. É um golpe contra a produção e a reprodução de conhecimento técnico e científico sobre a Amazônia.
– Tentativa de converter a dívida externa em cotas das empresas nacionais, ou em mais investimentos na Amazônia.
– Admissão da possibilidade de uma fundação com verbas internacionais que "administre" a Amazônia.

Estão claros, portanto, os rumos do presidente Collor em relação à Amazônia. No entanto, ainda não estão totalmente elaborados seus novos projetos. Estão sendo gestados em entendimentos feitos com o Banco Mundial, os monopólios internacionais e os grandes grupos nacionais. Em breve deverão ser lançados e, sem dúvida, com um conteúdo ainda mais entreguista e concentrador de renda. Não faltarão apelos ecológicos e cenas amazônicas do presidente-ator, notadamente com a Conferência Mundial da ONU sobre Meio Ambiente sendo realizada em 1992 no Rio de Janeiro.

Mais do que nunca, está na ordem-do-dia o combate a todos os planos de internacionalização da Amazônia intimamente ligados à luta ecológica. Avança a sensibilidade do povo brasileiro e também de outros povos à luta em defesa do meio ambiente e contra a dominação dos monopólios. Avança a consciência ecológica e antiimperialista. Sem dúvida, a luta em defesa da Amazônia liga-se diretamente aos problemas estruturais da nossa economia e da nossa política. A luta ecológica e a luta pelas mudanças profundas das estruturas econômicas e sociais no nosso país avançarão se forem combinadas, mutuamente apoiadas.

É a luta pela Reforma Agrária para pôr fim ao latifúndio e a violência e dar condições de produção aos pequenos e médios produtores, com tecnologias não agressivas ao meio ambiente; é a luta contra a entrega das minas e dos nossos recursos florestais e energéticos aos monopólios e contra a sua exploração destruindo o meio ambiente; é a luta pela demarcação das terras indígenas, em defesa da sua cultura e dos seus direitos enquanto Nação; é a luta em defesa da Universidade pública e gratuita colocada a serviço da produção de ciência e tecnologia adaptadas às condições amazônicas; é a luta por liberdade democrática e contra a militarização da Amazônia e a ingerência das Forças Armadas na gestão política e econômica do Estado; é a luta em defesa das reservas biológicas, contra a invasão do latifúndio, das mineradoras e madeireiras; é a luta dos trabalhadores, dos operários contra a brutal exploração capitalista e pelos seus direitos, por melhores condições de vida e trabalho; enfim, é a luta pela transformação radical das velhas e retrógradas estruturas econômicas, sociais e políticas do Brasil. A luta pela independência e soberania nacional, razão maior das mazelas da Amazônia e do Brasil.

Tudo isto canaliza-se naturalmente para o enfrentamento do governo Collor e a sua representação nas oligarquias dos estados amazônicos, como as oligarquias Sarney e Castelo no Maranhão, Jarbas e Jader no Pará, e assim por diante. A derrota de toda esta avalanche contra o povo e o meio ambiente só terá efeito com a mais ampla união de todos os setores sociais e partidos políticos populares e progressistas na luta por uma pátria livre, um Brasil soberano, uma democracia profundamente popular, sem latifúndio, sem o poder e controle dos monopólios nacionais e estrangeiros.

Marcos Kowarick é Engenheiro Agrônomo, estudioso das questões da Amazônia.

EDIÇÃO 22, AGO/SET/OUT, 1991, PÁGINAS 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63