Se eu tivesse de escolher uma data para marcar o aniversário do mundo moderno, escolheria 1492, o ano em que os europeus começaram sua conquista do planeta – militar, política, ideológica, cultural e até mesmo, em um certo sentido, etnicamente. Mas o mundo em questão é também o mundo do capitalismo, um novo sistema social e econômico, qualitativamente diferente de todos os sistemas anteriores na Europa e em qualquer outro lugar. Estas duas características são inseparáveis, e este fato questiona todas as análises e respostas para a crise da modernidade que deixam de reconhecer a simultaneidade dessas características. A partir desta perspectiva, a ciência social dominante pode ser vista como facciosa, pelo seu eurocentrismo, o que em minha opinião impede de relacionar corretamente estes dois aspectos do mundo moderno e suas contradições.

1- A modernidade que começou em 1492 pôs um fim aos 2 mil anos de história anterior para a maioria da humanidade. Até esta época, as grandes regiões de civilização ainda eram muito semelhantes, marcadas por características fundamentais que chamo de "tributárias" em analogia ao seu modo de produção.

Este modo de produção surgiu no quinto século antes de Cristo, quando Zoroastro, no Irã, Buda, na Índia, e Confúcio, na China, formularam quase simultaneamente ideologias adequadas ao sistema tributário em questão.

Tratava-se, como tenho tentado demonstrar, de uma metafísica capaz de legitimar o poder e a desigualdade em Estados que superaram a escala dos vilarejos e das comunidades tribais dos tempos antigos. Ideologia capaz também de, para legitimar o poder e a desigualdade, reconciliar a crença supranacional com a racionalidade. Na região onde a Europa surgiu, a ideologia tributária tomou forma no helenismo e depois no cristianismo, enquanto onde hoje está o atual Oriente Médio tomou ela forma no islamismo.

“Erosão da diversidade cultural pelo domínio de todas as regiões do planeta pelo capital”.

Mas se a maior parte da humanidade que habitava a Eurásia e a África participou de uma forma comum de civilização durante dois mil anos antes de 1492, ela era fragmentada em mundos culturais relativamente autônomos. As forças produtivas do modelo tributário, embora superiores às de épocas anteriores, eram enormemente inferiores às do capitalismo industrial e isto impunha limites nas trocas entre as várias regiões. Estas trocas existiam e tinham uma certa importância, mas creio que elas eram mais importantes ao nível da transferência de conhecimento, tecnologia e idéias do que ao nível econômico em sentido limitado. Não havia uma divisão mundial do trabalho com relação aos produtos essenciais, como existe hoje no mundo. O modelo tributário era definido pelo domínio de sua ideologia e política, que serviam para legitimar a reprodução social; as regiões que compunham o mundo antigo efetivamente se caracterizavam em relação às principais correntes culturais da época: confucionismo, hinduísmo, islamismo e cristianismo.

2- Os eventos de 1492 colocaram em movimento a erosão desta diversidade cultural, cuja importância se tornaria consideravelmente reduzida pela subjugação progressiva de todas as regiões do planeta à expansão do capitalismo através da conquista européia.

Se a travessia do Atlântico foi sempre reduzida a um evento singular e acidental, a transformação do mundo que veio depois de 1492 não pode ser vista desta forma. O que aconteceu depois da descoberta do Novo Mundo foi, efetivamente, a aceleração da construção do capitalismo. A conquista do Globo que começou com as Américas já estava totalmente dependente desta lógica. Deparando-se com uma variedade de problemas de interpretação, muitos pensadores sociais adotaram uma destas três opções:

a- Um grupo atribui as novidades que surgiram na sociedade européia à filosofia do Renascimento e o iluminismo, a extensão das relações de comércio, a revolução burguesa, a democracia etc. a antecedentes específicos e peculiares da Europa, minimizando a conquista da América e do resto do mundo, considerando-os no máximo como contribuições à aceleração da irresistível ascensão da Europa.

b- O segundo atribui ao acaso da descoberta e conquista da América, e de muitos outros eventos acidentais da mesma natureza, um papel decisivo na construção do mundo capitalista, unificado pela conquista européia.

c- O terceiro grupo considera que o capitalismo estava sendo encubado através do conjunto do mundo tributário e que sua aparição responde, então, à lei geral da evolução das sociedades humanas. Esta posição situa as especificidades da Europa medieval e o evento de 1492 num contexto mais geral.

A primeira é a posição dominante no assunto, não apenas entre os pensadores burgueses, mas em grande medida entre socialistas, incluindo alguns que se dizem marxistas. O eurocentrismo que atribuo a esta atitude é claramente um meio de legitimar simultaneamente o capitalismo – pondo ênfase no progresso incontestável em relação deste ao modo de produção anterior – e o excepcionalismo europeu que ele produziu, e que apenas ele, por esta perspectiva, poderia ter produzido. Nestas condições, o preço pago pelos povos conquistados pela expansão européia pode ser considerado aceitável. Não vou recontar com detalhes aqui os argumentos "científicos" desenvolvidos para explicar o nascimento do capitalismo com base no excepcionalismo europeu do capitalismo, pois tracei noutro lugar as principais características desta tese, ressaltando o culturalismo no qual ela está baseada. De acordo com esta tese, as culturas têm constantes trans-históricas responsáveis pela diversificação dos caminhos tomados por várias sociedades, o bloqueio de algumas delas e o desenvolvimento inovador de outras. Estas constantes são usadas para explicar a Europa moderna ligando-a à Grécia antiga, cuja racionalidade é contrastada com o misticismo do Oriente; ou o cristianismo e sua versão protestante; ou até mesmo os genes da "raça".

De fato, o argumento culturalista parte das ideologias das épocas tributárias que precedem o capitalismo, projetando-as numa sociedade que se define por sua ruptura com tais ideologias. A ênfase que esta posição coloca nas especificidades culturais – mesmo sendo verdadeira e importante para épocas anteriores – é completamente falsa para a era da alienação econômica. Permite, precisamente situar a questão no lugar errado e tirar a parte essencial da crítica da alienação. Isto é, previne a crítica do capitalismo.

“A expansão ocidental às vezes atrasou ou deformou o processo capitalista local”.

Simultaneamente, o método culturalista permite a legitimação da polarização observada na expansão mundial do capitalismo. Traça contrastes definidos entre as regiões que se beneficiaram integralmente pelo novo desenvolvimento e aquelas que aparentemente foram incapazes de adaptar-se a ele, acusando estas de "atrasadas" ou "subdesenvolvidas". De fato, o contraste é atribuído, no espírito do método em questão, às especificidades culturais próprias de diferentes sociedades, enquanto a análise científica dos mecanismos capitalistas realmente responsáveis pela polarização é negligenciada. O estudo do capitalismo real existente, responsável pela polarização do sistema mundial, é substituído por uma conversa ideológica sobre o "capitalismo puro".

A segunda destas posições parte da hipótese de que a evolução das sociedades não sofreu a influência de qualquer lei geral. Este método, por isso, leva o argumento culturalista aos extremos, abandonando qualquer esperança de dar sentido à história.

Fico com a terceira posição e a baseio numa análise que, em minha opinião, demonstra que o capitalismo se gestava também em sociedades tributárias desenvolvidas, e não exclusivamente na Europa feudal mais recente. Dou ênfase às similaridades entre as contradições que existiam em todas estas sociedades mesmo havendo formas de diversidade cultural nas quais o modelo tributário se expressava. Em todos os lugares o desenvolvimento das forças produtivas entrou em conflito com a lógica imanente ao modo tributário, dando surgimento à extensão das relações mercantis, à acumulação financeira da riqueza e à expansão do trabalho pago e livre. Por este fato, o desenvolvimento destas sociedades questiona as relações poder-riqueza, invertendo seus termos e propondo que a riqueza seja base do poder, ao invés de o poder ser forma de riqueza.

Visão não-européia dos 500 anos

Outubro passado marcou o quarto centenário do desembarque de Cristóvão Colombo na América e, consequentemente, da integração desta parte do planeta ao Mundo dominado pelo sistema capitalista em expansão. Poucos séculos depois da conquista da América, do contorno da África pelas caravelas portuguesas e da descoberta do caminho marítimo para as Índias, o agressivo colonialismo movido pelos interesses políticos e comerciais das principais nações européias havia acelerado a profunda alteração já em curso no modo de produção em suas sociedades, e acumulado uma massa de capitais suficientemente grande para permitir o salto que levou à revolução industrial e à consolidação do domínio europeu sobre o planeta. Em nosso século, a mundialização do mundo, promovida pelas armas e pelo dinheiro das potências européias, conheceu novas etapas, amadurecendo sob a forma do imperialismo que levou o capitalismo e suas mazelas a todos os povos, impondo severos obstáculos ao crescimento das nações.

O domínio europeu sobre o mundo não seguiu uma trajetória linear, e nem mesmo estava predestinado pela história das nações cristãs do Ocidente. Pelo contrário, por volta de 1492 havia um equilíbrio entre o desenvolvimento das diversas civilizações – árabe, indiana, chinesa –, num quadro onde os europeus não eram, com certeza, os mais desenvolvidos. O porquê coube, então, a eles o domínio do planeta é um dos principais temas do artigo de Samir Amin, publicado nesta edição, que saiu originalmente na Monthly Review, uma importante revista marxista norte-americana.

Atualmente diretor do Escritório Africano do Fórum do Terceiro Mundo, em Dakar, Senegal, Amin é um renomado estudioso marxista contemporâneo do imperialismo. Desde seu primeiro livro, O Desenvolvimento Desigual, de 1973, ele tem sido um crítico da teoria do subdesenvolvimento, analisando as sociedades pobres da África, Ásia e América Latina do ponto de vista das relações entre forças produtivas e relações de produção, por um lado, e superestrutura ideológica, por outro, considerando nesta análise das relações sociais não apenas a categoria de classes sociais, mas o Estado-nação.

Em suas análises, Amin desenvolveu a noção de formações tributárias, denominador comum para as formações pré-capitalistas com as quais o expansionismo colonialista e, mais tarde, imperialista, se defrontou e sob as quais impôs seu domínio. Entrou, assim, no campo polêmico da consideração da natureza das sociedades que precederam o capitalismo.

De qualquer forma, polêmica à parte, o artigo comemora o quarto centenário do desembarque de Colombo na América levantando pistas fecundas para uma visão desse processo baseado no materialismo histórico e, principalmente, na crítica cientificamente fundamentada de qualquer consideração da história mundial que coloque a Europa no centro e os povos da Terra na periferia (J. C. R.). Assim, esse desenvolvimento também questiona a alienação metafísica das ideologias tributárias e propõe em seu lugar uma nova alienação economicista. Coloco juntas todas as teses de historiadores que dão importância às tendências ao capitalismo que operavam na China da dinastia Ming, na Índia antes da conquista britânica e no mundo árabe-islâmico nos anos de sua primeira expansão. Longe de ter introduzido o capitalismo nas periferias globais, a expansão ocidental às vezes atrasou o seu amadurecimento e sempre deformou o seu desenvolvimento, até criar um impasse.

Esta terceira posição, que é minha interpretação do materialismo histórico, não evita a questão da Europa e o porquê do salto qualitativo do capitalismo ter ocorrido nela e não em regiões bem mais avançadas. Mas ela redefine os termos e substitui aquela questão por outra, colocada num cenário histórico específico. Refiro-me aqui, de passagem, a uma tese que expus integralmente em outro lugar, e de acordo com a qual o sistema feudal da Europa, sendo uma forma periférica do modo tributário de produção, tinha a vantagem de ser mais flexível.

3- O ano de 1492, portanto, inaugurou tanto o capitalismo como a expansão da Europa, que juntos são o que chamei de "capitalismo real existente".

Entendo com isso que a conquista da América se pôs, desde o início, a serviço da expansão do capitalismo, ao ponto até de se tornar um elemento de decisiva urgência para essa expansão. Durante todo o período mercantil, de 1492 até o final do século XVIII (a revolução francesa e a revolução industrial), a América preencheu uma variedade de funções decisivas para a expansão do capitalismo.

Simultaneamente, a conquista da América significa três gigantescas destruições:
a- As das civilizações ameríndias, cuja população foi reduzida a uma fração do que fora antes;
b- a das sociedades africanas, rebaixadas por dois séculos, nos quais tiveram como principal papel as odiosas funções do comércio escravo;
c- as sociedades civilizadas do Oriente (Oriente-Médio, Índia e China), que perderam o controle de seu comércio exterior e de suas iniciativas econômicas.

Sem 1492 é difícil imaginar a rápida explosão industrial de quase três séculos mais tarde que, por sua vez, deu novo impulso à expansão européia.

“A cultura de nosso mundo não é "ocidental" e sim cultura do capitalismo”.

Desenvolveram-se meios militares sem precedentes para a conquista da Índia (depois de esmagar a revolta de Sepoy, em 1857), a abertura da China ao Império Otomano (no começo de 1840), seguidos da conquista total do continente africano no final do século. Aqui também a expansão do capitalismo trouxe consigo uma série de destruições gigantescas e das suas ruínas se ergueu uma divisão desigual e internacional do trabalho no capitalismo real existente. A abertura à indústria européia arruinou o capitalismo local baseado no artesanato e nas indústrias de pequena escala, e impôs o contraste rígido entre os países industriais e os fornecedores de matéria-prima que estruturou o sistema mundial até a Segunda Guerra.

4- Um exame realista do mundo iniciado em 1492 reconhecerá os aspectos negativos e positivos enfatizados pela ideologia eurocentrista dominante. Certamente a revolução cultural do capitalismo não é menos importante do que 1492 e a conquista da América. Começando com o Renascimento, a ideologia metafísica dominante foi contestada e o século do Iluminismo progressivamente a substituiu por conceitos que inauguraram a moderna política democrática – primeiro a burguesa, depois a socialista. Mas a ideologia burguesa continuou aprisionada pelos laços de uma nova alienação que reduziu o sujeito humano a um fator de produção. E apenas o socialismo, especialmente em sua forma marxista, permitirá à humanidade quebrar estes laços. Não é preciso dizer que o capitalismo tem estendido suas forças de produção em proporção e em um ritmo acima de qualquer comparação com as épocas anteriores. Mas ele tem deteriorado, e continua deteriorando, a base material da riqueza a ponto de colocar-se em questão a sobrevivência do planeta, como começamos a entender. A alienação econômica e o totalitarismo dos cálculos econômicos, em curto prazo dominados pelo mercado, transformam a pilhagem do planeta num processo incontrolável dentro da moldura e da lógica da acumulação do capital.

Finalmente, o capitalismo como um sistema mundial realmente existente, tem sido sempre polarizado e continua assim. Esta polarização não é produto de fatores particularmente culturais, alguns dos quais são favoráveis ao "desenvolvimento", alguns não. É o produto inevitável da expansão capitalista, de acordo com as regras do mercado mundial, que é integrado apenas ao longo do eixo da troca de produtos e flutuações do capital, enquanto ao longo do eixo do emprego da força de trabalho, continua fragmentado. A polarização desmente todas as pretensões de que o capitalismo seja realmente universal. No entanto, o capitalismo substituiu ideologias, que eram necessariamente regionais em épocas anteriores, por uma que proclama a absoluta universalidade do mercado. E é neste sentido que tenho dito que a cultura do nosso mundo contemporâneo não deve ser chamada "cultura ocidental", mesmo que ela tenha surgido no Ocidente e outras sociedades a vejam como ocidental; ela deveria ser chamada de cultura capitalista.

Mesmo dizendo-se universal, o capitalismo realmente existente é incapaz de criar condições materiais para realizar o que promete. Cabe precisamente ao socialismo formular um projeto planetário social e estratégias que possam torná-lo realidade, mesmo que até o presente tenha feito isso de maneira imperfeita. A polarização mundial constituiu o verdadeiro limite histórico que o capitalismo verdadeiramente não pode transcender. Ela é a expressão por excelência do mundo cuja construção começou em 1492 e que vai permanecer em nosso mundo até um futuro previsível. Polarização que não é criada apenas pela divisão mundial do mercado capitalista. Ela se expressa igualmente na assimetria da estrutura do sistema político de Estados que se desenvolvem em torno da expansão mundial do capitalismo.

Neste sistema, apenas os principais Estados capitalistas são verdadeiramente independentes. Os países da periferia, mesmo não reduzidos ao status colonial, não são realmente tratados como autônomos. Eles são considerados como espaço aberto para a expansão dos capitais centrais. A construção deste sistema político mundial passou por fases, marcadas pelo tratado de Westphalia (1648), que pôs um fim definitivo ao cristianismo medieval; pelo Congresso de Viena (1815); e pelo tratado de Versalhes (1919), fundado no conceito do equilíbrio europeu. Na América, os Estados Unidos, como um centro capitalista regional, construíram uma estrutura análoga da qual os europeus foram excluídos, definida pela doutrina Monroe, reservando a periferia da América Latina para seu uso exclusivo.

É claro que a polarização se manifestou também no nível cultural, e continua se manifestando através da confusão entre os valores impostos pelo capitalismo em todo o Globo, e na forma especificamente ocidental na qual ela se expressa. Essa confusão leva por sua vez a reações ambíguas de rejeição, nas quais é difícil distinguir entre a expressão do protesto contra o capitalismo e evocações de nostalgia de culturas que já passaram.

“A industrialização do terceiro mundo tem sido um mecanismo de sua periferização”.

A expansão européia também foi expressa em nível demográfico na enorme explosão das populações do continente europeu, que entraram um século ou dois mais cedo na revolução demográfica do mundo moderno, marcada pela queda da mortalidade e, mais tarde, pela queda da fertilidade. Além disso, enquanto esta revolução continuava, a Europa tinha à sua disposição as Américas (e a Austrália), onde podia colocar sua população extra. Isto facilitou a revolução agrária e a industrialização, criando para o proletariado europeu condições favoráveis para a integração social e o aumento dos salários. Entre 1700 e 1900, os continentes europeu e americano tiveram um crescimento populacional maior do que a Ásia e a África e o número das pessoas de origem européia aumentou neste período de 20% para 36% da população mundial.

Quando as periferias asiática e africana entraram na revolução demográfica, começando em 1900 e acelerando em 1950, não podiam mais aliviar a pressão populacional através das imigrações massivas. Elas conseguiram chegar à sua diminuição histórica: em 1990 eram 71% da população do Globo, em comparação a 80% em 1700. De qualquer modo, persiste uma visão alarmista e racista a respeito da ameaça de sua fecundidade.

5- O mundo contemporâneo é, portanto, invariavelmente marcado pelo traço da época que começou em 1492 – polarização. Certamente, no decorrer dos cinco séculos que se seguiram, o sistema mundial se desenvolveu, e neste contexto as periferias não ficaram paradas, seja em relação à população e ao desenvolvimento social e político, seja em relação às funções que desempenhavam no sistema global.

Começando na Segunda Guerra Mundial, os movimentos de libertação nacional trouxeram independência para nações de África, Ásia e Caribe. A América Latina já tinha sido conquistada pelos criollos deste continente no século XIX. A criação da ONU formalizou a globalização do sistema de nações até então limitado à Europa e à América. Além disso, os beneficiários do conflito Leste-Oeste no Terceiro Mundo frequentemente conseguiram fazer sua independência respeitada, engajando-se em transformações às vezes radicais, se modernizando e iniciando sua industrialização. Estas conquistas estavam, depois de 1980, e particularmente a partir de 1990, ameaçadas em todos os níveis. A Guerra do Golfo demonstra a arrogância dos Estados Unidos, a superpotência exclusiva.

Agora, enquanto a Europa e o Japão ficam no bloco e a Rússia se une a este campo, o Ocidente estará unido contra o Terceiro Mundo, e se dará o direito de intervenção ilimitada. As conquistas econômicas do Terceiro Mundo estão, neste contexto, sendo reintegradas no sistema mundial em novas formas, consistentes com a assimetria do capitalismo real existente. A industrialização do Terceiro Mundo tem se tornado praticamente uma nova forma de sua periferização, enquanto os monopólios que asseguram ao centro capitalista suas posições hegemônicas estão se mudando para outras linhas de operação: o controle do sistema financeiro mundial, o monopólio científico e técnico, a administração das riquezas naturais do Globo, a formulação de novos modos de vida e consumo e de sua popularização através de controle dos meios de comunicação, da manipulação destes meios de opinião em escala mundial e o monopólio de armamentos de destruição massiva.

O mundo que foi disparado a partir de 1492 continua, o que tem sido por cinco séculos, um sistema baseado na exploração capitalista e na desigualdade das nações. O reconhecimento de que essas duas dimensões são inseparáveis, e têm sido desde 1492, constitui a precondição analítica essencial sem a qual todos os esforços para a liberação universal da humanidade serão em vão.

* Tradução de Ana Imanishi Rodrigues. Publicado originalmente em Monthly Review,. vol. 44, n. 3, jul/ago de 1992.

EDIÇÃO 27, NOV/DEZ/JAN, 1992-1993, PÁGINAS 48, 49, 50, 51, 52, 53