Há 50 anos, logo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a sociedade norte-americana foi abalada por uma vergonhosa onda obscurantista, conhecida como macartismo ou "caça às bruxas", numa referência à queima de feiticeiras na inquisição. Assim, o dicionário Aurélio define o termo: macartismo é uma "atitude política” radicalmente infensa ao comunismo, que se desenvolveu nos Estados Unidos com a campanha desencadeada pelo senador Joseph Raymond McCarthy e, por extensão "qualquer atitude anticomunista radical". Segundo o jornalista Argemiro Ferreira, autor de Caça às bruxas – Macartismo: uma tragédia americana, Porto Alegre: L&PM Editores, 1989, "a ameaça vermelha tornou-se a expressão mágica para fundamentar um estado de quase histeria coletiva, alimentado pelos meios de comunicação e que teve no senador Joseph (Joe) McCarthy o seu mais notório manipulador. A caça às bruxas envenenou o dia-a-dia dos americanos, semeou suspeitas, fabricou listas negras, encenou rituais de purificação e santificou a figura do delator".

Na verdade, era um tempo de delação e dedo-durismo. Tudo começou em 1947, quando a Comissão de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Deputados promoveu uma série de interrogatórios de personalidades de cinema, tentando mostrar influências comunizantes nos filmes de Hollywood. Só para se ter uma idéia, anos antes, na década de 1930, uma comissão provisória já acusava o filme Confissões de um espião nazista e também sua atriz, Shirley Temple. Curiosamente, na época Shirley tinha 10 anos de idade. De acordo com o crítico de cinema Orlando L. Fassoni, "para ser comunista aos 10 anos de idade ela deveria ser mesmo a menina prodígio que ficou famosa".

Assim, em 1947, a então comissão presidida pelo deputado J. Parnell Thomas – que incluía Richard Nixon – começou a "expor e caçar os comunistas e simpatizantes comunistas do governo federal. Mas em 1951, quando Thomas foi preso por corrupção e desvio de dinheiro público, os caçadores de bruxas ganharam um novo líder: o senador McCarthy. Fortalecia-se a direita, que promovia violenta pressão sobre Hollywood, boicotando filmes como A morte do caixeiro viajante e Luzes da ribalta de Charles Chaplin. McCarthy clamava por expurgas e ganhava fama.

Foi aí que começaram as delações. Um exemplo é o do escritor Richard Collins que apontou dezenas de suspeitos, inclusive amigos íntimos. Um deles, Martin Berkley, amedrontado com a perspectiva da inclusão na lista e consequente desemprego, chegou ao cúmulo de denunciar 162 nomes.
Só dez anos depois, em 1957, a maioria dos 334 nomes da lista negra começava a voltar a Hollywood. O retorno dos "exilados" é marcado quando a própria Hollywood premia com o Oscar um roteirista chamado Robert Rich, autor de Arenas sangrentas. Rich era, na verdade, o pseudônimo de Dalton Trumbo, um dos mais famosos caçados.

Sobre esse período, o crítico Orlando Fassoni conta que Orson Wels, que passou de leve pelo crivo das investigações, acreditava que na época quem bancou o dedo-duro "hesitou entre sua piscina e sua consciência". O diretor de Cidadão Cane achava também que quase sempre as piscinas ganharam. "O diretor Elia Kazan, por exemplo, revelou que fez o que tinha de fazer", conta Fassoni. "Dedou os amigos e, dois dias depois, assinou contrato de U$ 500 mil com a Fox para dirigir Os saltimbancos e provar que não era comunista". Em seguida, fez Sindicato de Ladrões, tentando justificar a delação. Muitos não o perdoaram. O comediante Zero Mostel toda vez que o encontrava o chamava de loselips – "lábios soltos".

Em setembro de 1997, entrou em cartaz nos cinemas brasileiros o filme Força Aérea Um, produção deste mesmo ano. Para quem não sabe, Air Force One é a denominação para o jato presidencial dos Estados Unidos. O enredo da fita é o seguinte: em viagem pala Rússia, o Boeing leva a bordo o presidente James MarshaIl (Harrison Ford). Na viagem de volta, James, a família e a equipe presidencial são surpreendidos com o ataque de Ivan Korshunov (Gary Oldman), que está determinado a trocar passageiros por um companheiro preso. Adivinhe quem é Ivan? Se apontou que é um comunista, acertou. Embora a Guerra Fria já tenha acabado e o macartismo seja uma amarga lembrança de norte-americanos sérios, Hollywood ainda usa a "ameaça vermelha" em seus thriller de ação.

Os dez de Hollywood

Contam que o "big shot" da meca do cinema, Jack L. Warner, nem sabia o que era comunista. A Comissão, então, explicou: "É quem mostra os ricos como maus, os pobres como bons, os políticos como corruptos". A partir daí, descobriram comunistas nos quatro cantos do cinema. Os primeiros acusados, hoje denominados de "os dez de Hollywood", foram os escritores John Howard Lawson, Dalton Trumbo, Albert Maltz, Alvah Bessie, Samuel Ornitz, Ring Lardner Jr., e Lester Coel; o produtor Adrian Scott; e os diretores Herbert Biberman e Edward Dmytryk. Todos se recusaram a responder às perguntas da Comissão e foram presos por um ano além de pagar multa de U$ 1 mil por "desrespeito ao Congresso". Muitos não cooperaram e procuraram fugir, como Bertolt Brecht, Jules Dassin e Joseph Losey. Outros invocaram a Quinta Emenda da Constituição, que garante o direito de não responder a perguntas que os incriminem: Lilian Hellman, Carl Foreman, Robert Rossen, John Garfield. A escritora Lilian Hellman, em maio de 1952, escreveu à Comissão:

"Estou disposta a abrir-mão do privilégio contra a auto-incriminação e a contar, com franqueza, tudo o que os senhores queiram saber sobre minhas opiniões e minhas atividades, desde que a Comissão concorde em não exigir que delate outras pessoas. Se a Comissão não me der essa garantia, serei obrigada, na audiência, a recorrer ao privilégio da Quinta Emenda".

EDIÇÃO 49, MAI/JUN/JUL, 1998, PÁGINAS 78, 79