NÃO HÁ luta de classes no mundo moderno, e o Estado paira neutro, acima da sociedade, coordenando os interesses conflitantes. Esta ladainha, repetida á exaustão por conservadores e conformistas, foi mais uma vez destemida ao jantar do presidente Fernando Henrique Cardoso com parcela significativa da burguesia brasileira, organizado pelo banqueiro Olavo Setúbal, em 13 de Julho de 2001. Além de FHC, do anfitrião e do ministro Andréa Matarazzo, da Comunicação Social, lá estavam empresários que, somados, representam 10% do PIB brasileiro. É significativo que a reunião não tenha sido uma iniciativa do presidente, mas que ele tenha sido convocado para ela; demonstração de que o Estado continua sendo, contra as alegações em contrário, o comitê executivo da burguesia, como Marx e Engels já havia registrado no Manifesto do Partido Comunista, há mais de 150 anos.

A reunião deu o que falar, principalmente pelo texto distribuído com antecedência aos convidados, o estudo “Brasil ao quadrado? Democracia, subversão e reforma.”, o professor mineiro Fábio Wanderley Reis, um cientista político para quem a governabilidade deriva de um pacto entre a burguesia e os trabalhadores, no qual os partidos que defendem a revolução precisam ser neutralizados. Nele, o prof. Reis diz que uma eventual vitória da oposição nacionalista e de esquerda 9populista, como diz) na eleição presidencial de 2002, fará ressurgir na elite brasileira a síndrome da sublevação, podendo impedir que o governo de Lula e das forças populares chegue ao seu término. A democracia brasileira ainda não passou pelo teste de ter um governo de esquerda, diz ele.

Para Reis, o problema do PT é a tensão entre a idéia do socialismo, que ‘ainda consta em seu programa”, e a adesão aos “princípios liberal-democráticos”.Constatando um sentimento antineoliberal na população, ele vê duas saídas possíveis: um amplo acordo entra as classes, da natureza social-democrática, como o que houve na Europa do pós-guerra, ou uma ditadura capaz de garantir a ordem e a segurança. Mesmo porque, diz, a crise social atinge o povo tão profundamente que nem a retomada do crescimento nem a melhoria dos indicadores sociais seriam suficientes para produzir, “de imediato, alguma paz social”.

O estudo do Prof. Reis é, por vias transversas, uma constatação dos profundos danos causados pelo programa neoliberal e de sua perda de legitimidade, que ameaça a própria manutenção do domínio da leite brasileira, defensora e beneficiária dele. Este temor é confirmado por duas outras notícias. Uma delas é o medo que FHC tem de ser responsabilizado criminalmente pelos atentados á Nação e ao povo cometidas pelo seu governo. Esse medo explica o esforço pela reintrodução do for especial para ex-autoridades. O for especial existe, restrito à área penal, para o presidente, ministros e parlamentares que, no exercício do mandato, só podem ser julgados pelo STF. Outra foi a divulgação do resultado da pesquisa sobre o socialismo feita pelo Ibope para a CNI: 50% dos entrevistados se declararam favoráveis ao socialismo; 55% acham que o Brasil precisa de uma revolução socialista; e 78% querem uma presença maior do Estado na economia

São respostas ainda pouco claras, más, após dez anos de experiência prática da “modernidade” neoliberal, elas registram – e este é seu sentido principal – a repulsa popular á esse programa atrasado e nefasto, a rejeição dos valores burgueses apregoados em todos os quadrantes, e a sensação da necessidade de um novo rumo.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 62, AGO/SET/OUT, 2001, PÁGINAS 3