Hoje é meu primeiro dia de férias. O que faço aqui? É que, como não avisei na coluna passada, me vi na obrigação de avisar nessa. Portanto, senhoras e senhores leitores, estou em férias. Semana que vem, não contem comigo.

      Estava ontem em casa pensando justamente nisso: "Amanhã, estou de férias. E vou passar o dia vendo tv, sem me preocupar com horário. Aliás, por que esperar? Começo neste instante".

      Liguei o aparelho de televisão. No ar, Mulheres Esbagaçadas. A cena: uma morena linda diante da Carolina Dickman, mais linda ainda, chorando e pedindo pra falar com ela sobre gravidez indesejada. Aprumo-me na poltrona e solto um incontível "lá vem". Minha filha, de sete anos, faz chiu! e me olha de cenho franzido.

      A morena, que meteu os chifres na cabeça da Carolina com o namorado dela, faz ceninha e, depois de muitos vai embora e me ouve, informa, aos prantos, que vai tirar o filho, interromper a gravidez, enfim, abortar.

      Carolina arregala os incríveis, maravilhosos, indescritíveis olhos verdes e proclama, muito indignada, mas altiva, que a criança (devia ter dito feto, mas tudo bem) não tem culpa de nada (ou seja, a morena é quem tem). E pergunta: "Você vai matar seu filho"? – Feto, minha linda, feto! Tudo bem. Mantenhamos a calma, antes que minha filha me esmurre – "Você fala assim, porque é católica, tem outros valores", é a deixa da moreninha muito fofinha guti-guti. "Não falo isso só por ser católica, mas por ser humana". Bingo!

      Minha filha neste instante grita: "Mãe, olha o pai aqui! A gente não consegue ver nada sossegada!".

      Vejam vocês: um pai não pode nem fazer comentários críticos sobre a novela, que a família já censura. É o mundo de pernas pro ar! É a crise de valores! Tenho que ouvir a personagem da Carolina, da estonteante Carolina, cometer carolices no vídeo e ficar quieto. Tenho que testemunhar ela proclamar que quem faz aborto, ou é por sua legalização, não é humano e sequer posso me queixar ao bispo. Bom, o bispo não deve ser mesmo a melhor pessoa pra esse tipo de queixa.

      Como pode um escritor estar de férias diante de um atentado desses contra a pluralidade de idéias? Sim, minhas senhoras e meus senhores: atentado contra a pluralidade; porque não apareceu ninguém para apresentar o outro lado. Aliás, o diálogo todo das duas é a Carolina, sempre a deliciosa e mastigável Carolina – aquela da mala de havaianas acompanhada de um biquininho que só de imaginar…

      Senhor narrador, faz favor?

      Sim, sim, é… bem… me desculpem… Bom (pigarro): como dizia, todo o diálogo das duas beldades (pigarro de novo) era a Carol (posso chamá-la assim? Obrigado.), era a Carol condenando a morena e o namorado por ceder aos reclames do corpo; por cair em tentação. Pra completar, lá pelas tantas, ela ainda nos informa que é virgem! Não a Carol, claro, que todos sabemos que é mãe e usa havaianas, as legítimas, que não soltam as tiras e não têm cheiro, mas sua personagem.

      Só que uma perguntinha não quer calar, por mais que minha filha proteste e esteja neste momento ligando para o conselho tutelar: até onde vai o personagem e até onde vai o artista? Ah, dirão os especialistas, a diferença é evidente: todas as teorias sobre narrativa o demonstram sobejamente. É? Então pergunto de outro jeito: onde fica a responsabilidade do artista?

      – Nos quadris.

      – Como?…

      – Nos quadris. Os artistas contemporâneos, sobretudo os que já foram modelos ou apresentadoras de programas infantis, têm a responsabilidade abaixo do umbigo – uma região recém-descoberta pelos neurologistas.

      – Ah.

      – Um tchanólogo amigo meu…

      – Um o quê?!

      – Tchanólogo: ele segura o tchan, amarra o tchan e estuda o tchan, tchan, tchan, tchan, tchan…

      – Sei.

      – Então, esse meu amigo…

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