Indagado por uma amiga sobre o amor, respondi-lhe que amar é um verbo irredutível. Ela não percebeu logo de saída o que eu quis dizer com aquilo. Nem eu mesmo soube o que responder além disso. Esse negócio de amor, acho meio perda de tempo ficar raciocinando sobre, declarei-lhe. Como ela insistisse (“Como assim, irredutível?”), tive que me desdobrar em esforços e minudências explicativas – coisa que, confesso, me causou certo enfado.

      Disse-lhe que as pessoas trabalham com um certo conceito de amor, não com as sensações reais, físicas do amor. A maioria das mulheres e homens de nossa civilização ocidental move-se com base em modelos – de pessoas, de relações. Cada qual tem seu príncipe ou sua dona ideal e se esforça por encaixar seus pares nesse modelo. Como, via de regra, o encaixe não acontece, as frustrações são inevitáveis. E toca casal brigar por dá-cá-aquela-palha.

      Como ela ficasse com seus incrédulos olhos negros fitos em mim, como a perguntar “como pode um poeta pensar assim?”, procurei ilustrar meus argumentos fazendo o histórico da fidelidade e da instituição casamento e seu papel na opressão da mulher. Mas parece que não fui muito feliz em demonstrar que a fidelidade, considerada índice de amor (“quanto mais exclusiva a atenção que alguém me dispensa, mais esse alguém me ama”), ao fim e ao cabo, não passa de um construto ideológico que reduz o humano, sobretudo quando do sexo feminino, a propriedade de um outro humano.

      Em resumo, tentei mostrar que o amor não é natural. Antes, é mediado por um conjunto de valores. E que o melhor é amar, sem pré-juízo, as pessoas reais – não as modelares, ideais – reconhecendo sempre quanto o amor é falível, precário… 

      Não adiantou muito: minha amiga foi-se decepcionada. (Não sei se comigo, ou se com o amor).